Moda em cidades como Nova York e Londres, ‘bikes fixas’ ganham cada vez mais fãs no Rio
Grupo costuma percorrer 40 quilômetros com bicicletas sem marcha
Joana Dale
RIO - Eles não andam pela ciclovia, preferem as pistas de tráfego
pesado. Durante a pedalada, dispensam bebidas isotônicas; ingerem mesmo é
cerveja. Não usam roupas esportivas com tecnologia dri-fit,
vão com modelitos urbanos. Entre eles, identificam-se como “fixeiros”.
Andando em bando pelas ruas da cidade, formam a cada vez mais populosa
tribo dos amantes da bicicleta fixa, sem marcha e com freio no
contrapedal — mecanismo antigo conhecido de muitos ciclistas.
— As pessoas estão sempre procurando novidades, e coisas novas muitas vezes são releituras das antigas. Mas a bicicleta fixa não é um simples meio de transporte, é um estilo de vida. Ela carrega a beleza da simplicidade — defende o empresário Ciro Luporini, de 30 anos, a bordo de um modelo montado, peça por peça, por ele.
Ciro é o criador do grupo Rio Fixed Gear, no Facebook, onde 187 pessoas trocam informações sobre componentes para customizar as magrelas e combinam passeios nas noites de quarta-feira. Nas últimas semanas, a turma pedalou até o Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, comeu poeira dos caminhões na Avenida Brasil e chamou a atenção dos frequentadores da Vila Mimosa.
Em média, percorrem de 35 a 40 quilômetros por saída. No meio do trajeto, costumam apostar corridas — nesses momentos, a bicicleta chega a atingir a velocidade de 50 quilômetros por hora. Normalmente, eles marcam o ponto de encontro em cima da hora, sempre pelo Facebook, para não correr risco de atrair donos de bicicletas elétricas (a tribo rival) ou gente despreparada.
— Não é qualquer um que consegue nos acompanhar. Nos sentimos mais safos em meio aos carros e ônibus, pois na ciclovia sempre tem um pedestre desavisado que para no meio do caminho. Não somos atletas, mas temos disposição. É pesado, mas boêmio. Ao fim, vamos de bar em bar — diz Ciro, que ostenta uma coleção de cards comemorativos de cada volta nos aros do pneu roxo.
Ele viu uma bicicleta fixa pela primeira vez nos idos de 2007, quando estava morando em Londres. De volta ao Brasil, três anos depois, criou a comunidade virtual. De cara, achou outros cinco fãs (todos homens) das fixas — meninas, até agora, são contadas nos dedos:
— Tem muita gente comprando fixa no Rio, está virando uma modinha. Em Londres, Nova York e Berlim, a tendência já é forte.
Curador da 1500 Gallery, de Nova York, o “fixeiro” carioca Alex Bueno de Moraes, de 42 anos, lembra que o movimento tem origem nos velódromos, onde os ciclistas usam bicicletas fixas em treinos e competições.
— Anos atrás, os mensageiros de Londres e Nova York se apropriaram das bicicletas dos velódromos que, por serem mais simples, não têm manutenção muito cara. Na onda dos mensageiros, os hipsters caíram de amores pelas fixas — analisa Alex, dono de um modelo verde e amarelo em dégradé, com quadro italiano original dos anos 1980.
Um dos desdobramentos da cena de bikes fixas em solo carioca é de certa forma uma volta às origens: há dois meses, foi criada a Ciclo Courrier, empresa de entregas, que funciona de forma ecologicamente correta.
— Os clientes que andam de bicicleta sempre nos dão preferência — conta o mensageiro Fox Goulart, de 25 anos.
No total, são quatro mensageiros, que fazem entregas do Leblon a Vila Isabel. O preço é competitivo com os motoboys, variando entre R$ 15 e R$ 30.
— Temos levado material para produções de moda e encomendas de gastronomia. Mas o que mais transportamos é documento — diz o estudante de cinema Pedro Padilha, de 23 anos, que ostenta um alargador em cada orelha. — Os alargadores são aerodinâmicos.
Conheça alguns “fixeiros” cariocas
Mais de 90% das peças usadas na montagem das bicicletas fixas são importadas (em viagens aos Estados Unidos e pelo site de compras eBay) ou encontradas em lojas de antiguidades. Um quadro vintage da Caloi 10, por exemplo, encaixa-se perfeitamente numa roda de bicicleta fixa. Nessa ciranda, uma bike pode custar de R$ 600 a R$ 10 mil.
Um dos “fixeiros” novatos, o designer e fotógrafo Fernando Schlapfer, de 28 anos, é café com leite: ele ainda usa freio no guidão de sua bicicleta vermelha, comprada há um mês pelo eBay. Freio convencional numa bicicleta fixa é mais ou menos como aprender a andar de bicicleta com rodinhas.
— A bicicleta sempre foi o meu meio de transporte. Depois que roubaram a minha antiga, resolvi comprar uma fixa para testar. Mas ainda preciso do freio na mão para me garantir — explica-se.
É tudo uma questão de tempo.
— Depois que você se acostuma com a bicicleta fixa, a roda livre não faz mais sentido. Não existe mais aquela coisa de dar um gás e parar de pedalar. Na fixa, tem que pedalar o tempo inteiro. A cadência é outra — diz o produtor cultural Pablo Matos, de 24 anos, montado numa branquinha nada básica.
No sinal de trânsito, para não botar o pé no chão, eles se equilibram sobre duas rodas, tal como malabaristas em monociclos — no circo, aliás, as bicicletas são todas fixas.
O designer Bernardo Falcão, de 24 anos, virou “fixeiro” em março. Dono de sete bicicletas, ficou curioso para conhecer o modelo quando se deparou com um grupo no trajeto que faz todos os dias, de casa, no Flamengo, até a PUC, na Gávea.
— Depois que adotei a fixa, passei a demorar 20 minutos para chegar à faculdade. Se fosse de carro, demoraria de 40 minutos a uma hora. Dos seis projetos que comecei a fazer na faculdade, quatro são sobre bike. O Rio praticamente não tem ladeira, para que precisamos de marcha?
Bernardo começou a montar sua magrela pelo pneu, um modelo verde-limão fora de linha, importado pelo eBay. Ele é o rei das derrapadas radicais, que travam o pneu para frear a bicicleta. Já perdeu as contas de quantos queimou.
— Frear no contrapedal ferra o joelho — explica ele, que carrega uma bolsa atravessada à moda dos mensageiros. — Como a bicicleta fixa dispensa cabos e marchas, cada um tem capacidade de ser seu próprio mecânico.
Quase todos os “fixeiros” cariocas trabalham com design, fotografia ou artes plásticas. Uma das raras exceções é o analistas de sistemas Victor Ribeiro, de 27 anos. Até conhecer a fixa, ele rodava de BMX, aquele modelo de bicicleta baixinha que parece de criança.
— Com a fixa, rodo do Méier até Copacabana pegando sempre os caminhos mais tranquilos, como as ruas da Lapa e da Glória — diz Victor, o último a chegar ao pátio do MAM para fazer a foto acima. — No caminho até o Aterro, vários motoristas me pararam na rua para elogiar minha bike.
Ciro fica todo prosa:
— A bicicleta fixa é o poder supremo. No caminho, passei por carros de polícia e até ambulâncias. É um luxo não pegar trânsito na nossa caótica cidade maravilhosa.
Eles usam a fixa para trabalhar, ir à praia e à noitada — na véspera, muitos “fixeiros” tinham se encontrado na Fosfobox. Eles estacionam as fixas na porta da boate sem cadeado. Afinal, pouca gente sabe dar valor à magrela e menos gente ainda tem o traquejo de andar no bonde sem freio.
— Se um ladrão pegar a minha, vai cair cinco metros adiante — diverte-se Bernardo.
— As pessoas estão sempre procurando novidades, e coisas novas muitas vezes são releituras das antigas. Mas a bicicleta fixa não é um simples meio de transporte, é um estilo de vida. Ela carrega a beleza da simplicidade — defende o empresário Ciro Luporini, de 30 anos, a bordo de um modelo montado, peça por peça, por ele.
Ciro é o criador do grupo Rio Fixed Gear, no Facebook, onde 187 pessoas trocam informações sobre componentes para customizar as magrelas e combinam passeios nas noites de quarta-feira. Nas últimas semanas, a turma pedalou até o Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, comeu poeira dos caminhões na Avenida Brasil e chamou a atenção dos frequentadores da Vila Mimosa.
Em média, percorrem de 35 a 40 quilômetros por saída. No meio do trajeto, costumam apostar corridas — nesses momentos, a bicicleta chega a atingir a velocidade de 50 quilômetros por hora. Normalmente, eles marcam o ponto de encontro em cima da hora, sempre pelo Facebook, para não correr risco de atrair donos de bicicletas elétricas (a tribo rival) ou gente despreparada.
— Não é qualquer um que consegue nos acompanhar. Nos sentimos mais safos em meio aos carros e ônibus, pois na ciclovia sempre tem um pedestre desavisado que para no meio do caminho. Não somos atletas, mas temos disposição. É pesado, mas boêmio. Ao fim, vamos de bar em bar — diz Ciro, que ostenta uma coleção de cards comemorativos de cada volta nos aros do pneu roxo.
Ele viu uma bicicleta fixa pela primeira vez nos idos de 2007, quando estava morando em Londres. De volta ao Brasil, três anos depois, criou a comunidade virtual. De cara, achou outros cinco fãs (todos homens) das fixas — meninas, até agora, são contadas nos dedos:
— Tem muita gente comprando fixa no Rio, está virando uma modinha. Em Londres, Nova York e Berlim, a tendência já é forte.
Curador da 1500 Gallery, de Nova York, o “fixeiro” carioca Alex Bueno de Moraes, de 42 anos, lembra que o movimento tem origem nos velódromos, onde os ciclistas usam bicicletas fixas em treinos e competições.
— Anos atrás, os mensageiros de Londres e Nova York se apropriaram das bicicletas dos velódromos que, por serem mais simples, não têm manutenção muito cara. Na onda dos mensageiros, os hipsters caíram de amores pelas fixas — analisa Alex, dono de um modelo verde e amarelo em dégradé, com quadro italiano original dos anos 1980.
Um dos desdobramentos da cena de bikes fixas em solo carioca é de certa forma uma volta às origens: há dois meses, foi criada a Ciclo Courrier, empresa de entregas, que funciona de forma ecologicamente correta.
— Os clientes que andam de bicicleta sempre nos dão preferência — conta o mensageiro Fox Goulart, de 25 anos.
No total, são quatro mensageiros, que fazem entregas do Leblon a Vila Isabel. O preço é competitivo com os motoboys, variando entre R$ 15 e R$ 30.
— Temos levado material para produções de moda e encomendas de gastronomia. Mas o que mais transportamos é documento — diz o estudante de cinema Pedro Padilha, de 23 anos, que ostenta um alargador em cada orelha. — Os alargadores são aerodinâmicos.
Conheça alguns “fixeiros” cariocas
Mais de 90% das peças usadas na montagem das bicicletas fixas são importadas (em viagens aos Estados Unidos e pelo site de compras eBay) ou encontradas em lojas de antiguidades. Um quadro vintage da Caloi 10, por exemplo, encaixa-se perfeitamente numa roda de bicicleta fixa. Nessa ciranda, uma bike pode custar de R$ 600 a R$ 10 mil.
Um dos “fixeiros” novatos, o designer e fotógrafo Fernando Schlapfer, de 28 anos, é café com leite: ele ainda usa freio no guidão de sua bicicleta vermelha, comprada há um mês pelo eBay. Freio convencional numa bicicleta fixa é mais ou menos como aprender a andar de bicicleta com rodinhas.
— A bicicleta sempre foi o meu meio de transporte. Depois que roubaram a minha antiga, resolvi comprar uma fixa para testar. Mas ainda preciso do freio na mão para me garantir — explica-se.
É tudo uma questão de tempo.
— Depois que você se acostuma com a bicicleta fixa, a roda livre não faz mais sentido. Não existe mais aquela coisa de dar um gás e parar de pedalar. Na fixa, tem que pedalar o tempo inteiro. A cadência é outra — diz o produtor cultural Pablo Matos, de 24 anos, montado numa branquinha nada básica.
No sinal de trânsito, para não botar o pé no chão, eles se equilibram sobre duas rodas, tal como malabaristas em monociclos — no circo, aliás, as bicicletas são todas fixas.
O designer Bernardo Falcão, de 24 anos, virou “fixeiro” em março. Dono de sete bicicletas, ficou curioso para conhecer o modelo quando se deparou com um grupo no trajeto que faz todos os dias, de casa, no Flamengo, até a PUC, na Gávea.
— Depois que adotei a fixa, passei a demorar 20 minutos para chegar à faculdade. Se fosse de carro, demoraria de 40 minutos a uma hora. Dos seis projetos que comecei a fazer na faculdade, quatro são sobre bike. O Rio praticamente não tem ladeira, para que precisamos de marcha?
Bernardo começou a montar sua magrela pelo pneu, um modelo verde-limão fora de linha, importado pelo eBay. Ele é o rei das derrapadas radicais, que travam o pneu para frear a bicicleta. Já perdeu as contas de quantos queimou.
— Frear no contrapedal ferra o joelho — explica ele, que carrega uma bolsa atravessada à moda dos mensageiros. — Como a bicicleta fixa dispensa cabos e marchas, cada um tem capacidade de ser seu próprio mecânico.
Quase todos os “fixeiros” cariocas trabalham com design, fotografia ou artes plásticas. Uma das raras exceções é o analistas de sistemas Victor Ribeiro, de 27 anos. Até conhecer a fixa, ele rodava de BMX, aquele modelo de bicicleta baixinha que parece de criança.
— Com a fixa, rodo do Méier até Copacabana pegando sempre os caminhos mais tranquilos, como as ruas da Lapa e da Glória — diz Victor, o último a chegar ao pátio do MAM para fazer a foto acima. — No caminho até o Aterro, vários motoristas me pararam na rua para elogiar minha bike.
Ciro fica todo prosa:
— A bicicleta fixa é o poder supremo. No caminho, passei por carros de polícia e até ambulâncias. É um luxo não pegar trânsito na nossa caótica cidade maravilhosa.
Eles usam a fixa para trabalhar, ir à praia e à noitada — na véspera, muitos “fixeiros” tinham se encontrado na Fosfobox. Eles estacionam as fixas na porta da boate sem cadeado. Afinal, pouca gente sabe dar valor à magrela e menos gente ainda tem o traquejo de andar no bonde sem freio.
— Se um ladrão pegar a minha, vai cair cinco metros adiante — diverte-se Bernardo.
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