Milhões de católicos e evangélicos
estão usando a internet para se aconselhar com padres e pastores,
assistir a missas e cultos e tirar dúvidas sobre a doutrina cristã. Como
esse novo hábito está mudando a relação dos fiéis com as igrejas
Rodrigo Cardoso
Em visita à Itália, há dez anos, o padre carmelita brasileiro
Reginaldo Manzotti perambulava pela cidade do Vaticano, a sede mundial
do catolicismo, quando resolveu entrar em uma igreja para fazer uma
oração. Para sua surpresa, o religioso descobriu que era proibido
acender velas de cera dentro daquele templo. Os fiéis só podiam se valer
das artificiais, que funcionam com lâmpadas, acionadas por moedas.
Imediatamente, Manzotti pensou: “Se em Roma é válido eu acender uma vela
que não queima ou faz fumaça, por que não criar uma vela pela
internet?” Uma década depois, o pároco do Santuário Nossa Senhora de
Guadalupe, em Curitiba, no Paraná, é um dos sacerdotes brasileiros mais
atentos às possibilidades da evangelização digital. Aos 42 anos, é dono
de um blog, possui perfil no Facebook, conta no Twitter e atua em rádio e
tevê. Seu site recebe cerca de 1,1 milhão de visitas por mês, de gente
que se vale dos rituais online disponíveis em um santuário virtual.
Nesse espaço, a procura por serviços religiosos digitais só cresce (leia
quadro). No mês passado, por exemplo, 148 mil pessoas acenderam uma
vela via computador, 12 mil a mais do que no mês anterior. “É um novo
modo de ser religioso”, afirma o padre Evaldo César de Souza, 35 anos,
que dirige o portal A12 do Santuário de Nossa Senhora Aparecida, no
interior de São Paulo, outro que possibilita que sejam feitas novenas,
vias-sacras e pedidos de orações virtuais.
Ainda não foram produzidas estatísticas capazes de medir o universo
do fiel-internauta que procura Deus com o auxílio de um intermediário
tecnológico. A rápida disseminação dessa prática entre católicos e
evangélicos, porém, é visível e tem pautado estudiosos em comunicação
religiosa. Somente nos dois últimos meses, quatro obras que investigam o
tema passaram a ocupar as prateleiras do País. Autor de “E o Verbo Se
Fez Bit”– a Comunicação e a Experiência Religiosas na Internet” (Editora
Santuário), Moisés Sbardelotto verificou uma revolução ao pesquisar
como se dava a manifestação religiosa em quatro sites católicos
brasileiros. De acordo com ele, o fiel se transformou em coprodutor da
própria fé, enquanto a Igreja, em vez de exigir obediência estrita,
passou a conceder uma autonomia regulada e permitir, de certa forma, que
um membro construa sua própria religiosidade.
AVATAR
Depois de criar um santuário virtual em seu site, o padre
Reginaldo Manzotti pensa em casar pessoas pela internet
Foi o que fez a católica Dulce Ponciano, 59 anos, da cidade de
Governador Valadares (MG). Vivendo a cerca de três mil quilômetros de
distância do santuário do padre Manzotti, ela criou um perfil no
Facebook no ano passado, para interagir com esse sacerdote. Mas se viu,
também, solta para dialogar sobre a sua religiosidade, inclusive com
pessoas de outras denominações religiosas. Pela internet, então, Dulce
ouve o programa de rádio do padre Manzotti ao mesmo tempo que posta as
orações. Quase simultaneamente, seus textos são comentados pelo grupo de
oração virtual criado por ela, composto por cinco mil membros. “Agora,
posso expressar a minha fé de uma maneira mais livre”, diz. “Na igreja, a
gente participa, mas não interage. Já a internet é uma grande
catequese, uma sala de aula onde a gente debate e aprende.”
Essa desregulação social que marca os espaços disponíveis na rede
coloca o fiel-internauta em contato com pessoas de diversas crenças, o
que ocorreria em menor grau se ele estivesse dentro de uma igreja
física. Está aí o ambiente perfeito para a pluralização religiosa. Sem a
vigilância eclesiástica presente, aqueles que preferem não assumir
compromissos institucionais com alguma denominação e querem crer sem
pertencer se sentem em casa. Outro dado marcante desse novo modelo de
vivenciar a fé: a possibilidade de o fiel se expressar de forma anônima
via internet permite ao usuário confrontar posições de um líder
religioso – ali, em forma de avatar – sem cerimônia, com audácia e
coragem. A internet dá poder ao fiel perante as religiões. “No geral,
uma denominação não fideliza o devoto por meio de rituais religiosos
virtuais”, afirma José Rogério Lopes, da pós-graduação em ciências
sociais na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). “Mas essas
ferramentas são essenciais para a manutenção diária dos rebanhos.”
FORA DA IGREJA
Neste ano, a católica Lourdes Santana (acima) acendeu uma vela virtual
por mês. E o papa Bento XVI ultrapassou fronteiras ao entrar no Twitter
Padre Souza, do portal A12 de Nossa Senhora Aparecida, não acha que
uma pessoa possa se satisfazer apenas com o consumo da religião pela
internet. Mas há os que estreitam a relação com uma denominação
religiosa depois de exercitar a fé no mundo virtual. Terapeuta
pedagógica, a católica paulista Lourdes Santana, 47 anos, voltou a
frequentar uma paróquia nas proximidades de sua casa após passar a
acender velas, participar de novenas e escutar programas no ciberespaço.
“Pela internet fortaleci a minha religiosidade”, diz ela, que agora vai
à missa todos os domingos.
A evangélica paulista Amanda Santos frequenta a igreja Renascer em
Cristo há oito meses. Fisicamente, faz isso toda quarta-feira e domingo.
“Ir à igreja é necessário porque é lá que você ouve a voz de Deus”, diz
ela, que é designer digital. Virtualmente, Amanda assiste às
celebrações diariamente. “Enquanto trabalho, faço download de cultos no
site e ainda envio as pregações para outras pessoas.” Aos 22 anos,
Amanda também consegue se comunicar com líderes da Renascer via Facebook
e SMS, quando precisa de alguma orientação espiritual para um assunto
que a angustia. Ela não é a única que se utiliza de instrumentos desse
tipo. Uma pesquisa recente mediu o alcance dos ambientes digitais a
serviço da fé dos brasileiros. Depois de ouvir duas mil pessoas em oito
países, o estudo, que investigou os hábitos dos usuários de dispositivos
móveis e foi encomendado pela empresa de tecnologia Intel, apontou o
Brasil como o lugar onde mais se discute religião por celular e tablet.
CONECTADA
A evangélica Amanda Santos baixa cultos enquanto trabalha e se consulta
com líderes de sua igreja por meio de SMS e do Facebook
Os brasileiros lideram o ranking com 39% dos entrevistados, seguidos
de australianos (8%), franceses (3%) e japoneses (1%). Ciente, portanto,
de que precisa divulgar o evangelho também no mundo digital, até o papa
Bento XVI, que tem o hábito de escrever à mão seus discursos e outros
documentos, inaugurou este mês a sua conta no Twitter. No ano passado,
ao passar a emprestar iPods aos peregrinos que visitassem a Basílica de
São João de Latrão, o Vaticano já havia dado outro passo para se
aproximar daqueles que se valem de recursos tecnológicos. Por meio de um
aplicativo disponível no aparelho, o fiel passou a ser guiado de forma
digital pela catedral da Diocese de Roma, considerada a mãe de todas as
igrejas do mundo. Atrair a comunidade jovem seria uma das intenções
desse novo recurso. Assim como fez o papa, que agora é seguido por mais
de 1,2 milhão de pessoas no Twitter. Essa atitude do pontífice, porém,
soa mais como uma mensagem de sintonia da Santa Sé com as novas
tecnologias do que como uma estratégia de mercado, segundo o professor
Airton Jungblut, da pós-graduação em ciências sociais da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Para ele, mais do
que procurar Jesus na internet, o fiel-internauta busca se sociabilizar
para discutir os pontos de sua fé com outras pessoas, informar-se e dar
sentido ao que crê.
HIGH TECH
A Basílica de São João de Latrão, em Roma, passou a emprestar
iPods aos fiéis. Um aplicativo guia o visitante pela igreja
Não à toa, portanto, disponibilizar ao cristão instrumentos
tecnológicos que lhe permitam estabelecer relacionamentos tem mais
impacto do que apenas passar informações sobre o Antigo e o Novo
Testamento. “Não temos a intenção de conquistar fiéis pela internet, mas
prolongar a experiência de fé das pessoas”, afirma o padre Souza, do
portal A12. “Mas, nesse ambiente de secularismo, se o catolicismo quiser
que a religião continue viva em alguém, tem de se fazer presente também
no mundo virtual.” Católicos, no entanto, esbarram num entrave
histórico. Muitos sacramentos no cristianismo têm sua essência na
celebração da memória e da presença de Cristo. Dessa forma, batismos,
crismas, unção dos enfermos, ordenações e confissões requerem a presença
do fiel e, portanto, não são validados pela internet. Mesmo assim
seguidores do padre Manzotti a todo momento pedem para que ele inaugure
um canal de confissão online pela webcam.
No documento “A Igreja e a internet”, do Pontifício Conselho das
Comunicações Sociais, a visão do Vaticano é incontestável: “A realidade
virtual não pode substituir a real presença de Cristo na Eucaristia. Na
internet não existem sacramentos.” O sacerdote Manzotti, porém,
arrisca-se a dizer que seria viável o casamento pela internet. “A
matéria do matrimônio está nos noivos e não no líder religioso. É
possível que se dê a bênção a distância”, diz ele. Enquanto os católicos
são engessados por sua doutrina, os evangélicos ousam mais. A igreja
Renascer em Cristo, por exemplo, disponibiliza em seu portal um chat
online, pelo qual o fiel pode receber conselhos de um presbítero ou
pastor. Apesar do engajamento online, a internet não irá substituir a
igreja concreta, asseguram os estudiosos de religião. Por outro lado,
está claro que o fuso horário do ambiente virtual é diferente do mundo
real. E, quando um templo fecha a sua porta no começo da noite, é cada
vez mais de olho em uma tela de computador que o povo de Deus tem
procurado apoio para curar as suas feridas.
Fotos: Guilherme Pupo; HO/AFP photo; Rafael Hupsel/Ag Istoé; Eidon Press/ZUMAPRESS.com
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