Para uma artesã, mãe de três filhos com uma renda mensal de cerca de R$ 500, a meta era ambiciosa.
O computador, comprado graças aos repasses de R$ 112 mensais do programa Bolsa Família, sequer podia ficar na casa de Jandira. Como a energia elétrica do barraco não tinha potência suficiente para o equipamento, a solução na época foi deixá-lo na casa da irmã.
Hoje os quatro integrantes da família Cotias estão entre os 8 milhões de novos usuários de internet banda larga no Brasil.
No caso dos Cotias, a entrada para o universo online é resultado de outra conquista ainda mais importante: a casa própria.
Em fevereiro, Jandira e sua família foram contemplados com um apartamento por meio do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal.
Jandira paga R$ 78,50 por mês para que, em dez anos, a casa seja oficialmente dela.
“Os meninos já podem fazer os trabalhos da escola e fofocar nas redes sociais”, brinca Jandira, que compartilha o acesso à web com um vizinho. Eles dividem o custo de R$ 49,90 pelos 2 Mb de velocidade.
A renda média mensal da família de Jandira agora é de R$ 1.350. O total inclui a pensão alimentícia dos filhos paga pelo ex-marido (um salário mínimo, ou seja R$ 622), o repasse do Bolsa Família (R$ 112) e o faturamento da artesã com a venda de suas peças.
A melhoria das condições de vida da família também permite que eles tenham telefone fixo e celular.
“De internet não entendo quase nada, mas o telefone uso mesmo”, diz a artesã.
O número de brasileiros com acesso à internet com velocidade superior a 2 Mb cresceu 91% em um ano. De junho de 2011 a junho de 2012, esse contingente saltou de 8,8 milhões para 16,8 milhões, segundo o estudo NetSpeed Report, do Ibope Nielsen Online.
No mesmo período, o número de usuários ativos com conexão de baixa velocidade – até 512 Kb – caiu 39%, de 10 milhões para 6,1 milhões.
Mas a maior parte dos brasileiros – 18,2 milhões ou 40,5% do total de 41,5 milhões de usuários ativos em domicílios no país – ainda acessa internet com velocidades entre 512 Kb e 2 Mb.
Os internautas com mais de 8 Mb de velocidade de acesso à rede são minoria: 5,2 milhões, ou 12,6% do total.
Ainda segundo o NetSpeed Report, 82,4 milhões, ou 41% dos 200 milhões de brasileiros, têm algum tipo de acesso à internet – em casa, trabalho, lan houses ou escolas.
Os serviços de internet banda larga custam de R$ 30 a R$ 130 no Brasil, dependendo da velocidade contratada.
O crescimento da classe C, a ampliação da infraestrutura de acesso digital e a alta no nível de escolaridade dos brasileiros explicam o aumento do acesso à internet de alta velocidade, segundo José Calazans, analista do IBOPE Media.
“Para elevar o acesso à banda larga também é importante o interesse pessoal e social por esse tipo de serviço, o que, no Brasil, é basicamente estimulado pelo nível de escolaridade das pessoas”, diz. “Duas pessoas com a mesma renda, mas com nível de instrução diferentes não terão igual interesse pela internet e serviços de banda larga.”
Venezuela lidera conectividade
O Brasil ocupa a 72ª posição no Índice Integrado de Telefonia, Internet e Celular (Itic) de Inclusão Digital, da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da Fundação Telefônica/Vivo.
Divulgado em julho, o índice avalia 156 países quanto ao nível de acesso a computador, internet, celular e telefone fixo.
O estudo mostra que 51,25% dos brasileiros têm algum acesso a esses bens e serviços, o que coloca o Brasil em 72° lugar no ranking mundial.
Na América Latina, o país está em 7º, atrás da Venezuela, que ocupa o primeiro lugar na região e o 50o na classificação geral, Chile (61o), Costa Rica (65o), Argentina (66o), Uruguai (67o) e Colômbia (70o).
Coordenador do estudo e economista-chefe da FGV, Marcelo Neri aposta no celular como uma “plataforma privilegiada” em relação à internet no Brasil.
O país tem 266 milhões de telefones móveis ativos para uma população de 200 milhões, de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
“O celular é muito mais difundido, dois terços da população de baixa renda têm”, cita o economista, defendendo que os governos usem mais a comunicação móvel para oferecer outros serviços como marcação de consultas médicas na rede pública de saúde e atendimentos cartoriais.
Com um custo total de R$ 78 milhões, o Programa Gesac, do Ministério das Comunicações, difunde o acesso à internet por meio de telecentros – já são 11.500 em todo o país – e implanta conexões via satélite em locais de difícil acesso, como periferias de regiões metropolitanas, pequenas cidades e fronteiras com baixa densidade demográfica.
“O governo deveria se dedicar ainda mais à expansão da rede, seja banda larga ou satélite, porque é muito caro [para as empresas investirem] em lugares remotos”, opina Kleber Bernardes, coordenador do Comitê para a Democratização da Informática (CDI), uma ONG fundada no Brasil há 17 anos e hoje presente em 12 países.
Ações nas comunidades
Para difundir o uso do computador conectado à internet, o CDI forma multiplicadores locais. A ideia é que eles repassem o conhecimento na comunidade e montem centros de informática monitorados pelos próprios moradores.
“Assim eles se sentem responsáveis pelo projeto. Muitas vezes há um telecentro do governo ao lado do nosso que está sucateado porque a comunidade não o empoderou”, explica Bernardes.
A ONG também estimula o desenvolvimento de empreendimentos sociais, como lan houses, centros de montagem e manutenção de computadores e reprografia.
“A informática funciona como meio de inclusão social, não como fim em si mesmo”, reforça.
Como exemplo, Bernardes cita o ativismo no município de Canaã dos Carajás, no Pará. Após a inserção no mundo digital, a comunidade fez campanha de combate ao abuso infantil. Com a iniciativa, as denúncias aumentaram, o que levou o governo federal a fazer ações de fiscalização na região.
“Em 2013, pensamos em fazer projetos voltados para o celular, mas seu uso ainda é muito restrito às ligações telefônicas”, finaliza Bernardes.
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