Por Thiago Borges
Aos 4 anos, ele reclamou com a mãe que não gostava de ser negro.
“Eu expliquei para ele várias vezes que ser negro também é bonito”, diz a manicure Danielly Campos da Mata, mãe de Mateus. “Hoje, quando vê uma pessoa negra na rua, ele diz: ‘Que pessoa linda, mamãe!'”.
A aceitação ocorreu somente porque a pré-escola onde Mateus estudava incluiu a igualdade racial no currículo.
Localizada no Jardim Maria Luiza, bairro pobre da zona sul de São Paulo, o Centro de Educação Infantil (CEI) municipal Onadyr Marcondes envolve a comunidade na discussão do currículo e estimula professores a escutar as manifestações das crianças.
“Começamos a notar observações muito fortes”, recorda Luci Aparecida Guidio Godinho, que até o ano passado era diretora da escola. “As crianças diziam, por exemplo, que não queriam brincar com boneca negra porque era ‘feia’ ou ‘suja’.”
Em 2011, Luci implantou na escola o projeto “Traçando e trançando os laços da igualdade racial”. Os professores passaram a utilizar músicas e danças de origem africana nas brincadeiras e a ler livros como “O Cabelo de Lelê”, em que a protagonista não gosta de seus cachos até descobrir a beleza de sua herança num livro sobre a África.
Além de atividades culturais e desfiles para valorizar a beleza negra, as crianças já marcharam pelo bairro com faixas contra o preconceito.
Em 2013, Luci deixou a direção da escola porque foi convidada pela Secretaria Municipal de Educação para implantar o projeto em outras escolas de São Paulo.
A iniciativa é respaldada pela lei 10.639, sancionada em 9 de janeiro de 2003 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Esta lei alterou as diretrizes e bases da educação nacional ao obrigar o estudo de História e Cultura Afro-Brasileira em creches, escolas e universidades.
“Ao incorporar a questão afro-brasileira na educação, temos o reconhecimento dessa cultura como elemento civilizatório [de nosso país]”, observa Ângela Nascimento, secretária de ações afirmativas da Secretaria de Políticas e Promoção da Igualdade Racial (Seppir). “Os negros são 50,7% da população brasileira, mas o papel deles na formação da sociedade estava restrito à escravidão nos livros de História.”
Nesses dez anos desde que a lei foi sancionada, o Ministério da Educação (MEC) capacitou 42.000 professores e distribuiu 8.000 coleções sobre a História Geral da África a bibliotecas públicas, universidades e grupos de pesquisa.
Em 2012, o ministério lançou um edital para comprar livros didáticos que abordem o tema.
O cumprimento depende das secretarias municipais e estaduais de educação e, principalmente, dos diretores das escolas.
Em 2008, a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc-RJ) criou um comitê para acompanhar a implementação da lei em suas 1.314 escolas. Periodicamente, as delegacias regionais de ensino trocam informações e experiências com professores e diretores.
O ensino da História e Cultura Afro-Brasileira também faz parte do currículo das escolas estaduais de São Paulo. A secretaria oferece capacitação aos professores por meio de videoconferências pela internet e os professores desenvolvem o conteúdo com suporte do material distribuído pelo governo, segundo a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
Mas cada escola tem autonomia para cumprir a lei como bem entender.
“A lei 10.639 é aplicada de maneira pontual”, diz Cida Bento, diretora-executiva da ONG Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert). “E isso acontece porque falta monitoramento do MEC e interesse das secretarias e escolas. O Brasil nunca lidou bem com a constituição histórica de seu povo.”
Mas Cida destaca que, em todo o país, há iniciativas independentes de professores e diretores.
Em dez anos, o Ceert reuniu 2.000 práticas pedagógicas que envolveram 7.000 professores no ensino de História e Cultura Afro-Brasileira.
A cada ano, os melhores são indicados pelo Ceert ao prêmio “Educar para a Igualdade Racial: Experiências de Promoção da Igualdade Étnico-racial no Ambiente Escolar”. O projeto do CEI Onadyr Marcondes foi o vencedor na categoria Educação Infantil em 2012.
Outra iniciativa premiada no ano passado foi o “Hip Hop Gaban”, em que alunos da escola estadual Armando Gaban, em Osasco (SP), criam letras de rap sobre a questão racial.
“Ao compor a letra, a gente entendeu melhor as desigualdades sociais”, diz o estudante Lucas Samuel da Silva, 16.
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