4.24.2013

RIO: Avenida Presidente Vargas, um território livre para o roubo

 A ousadia de bandidos, que colocam em xeque a política de segurança numa área que é estratégica para o projeto Porto Maravilha

POR Hilka Telles
Rio -  Uma das áreas estratégicas do projeto Porto Maravilha, de revitalização da Zona Portuária e do Centro do Rio, a Avenida Presidente Vargas, está entregue à ação de bandidos, que roubam pedestres em plena luz do dia, desafiando a polícia. A caça a quem usa cordão de ouro e tem celular caro se dá especialmente no trecho entre a Rua Uruguaiana e a Avenida Passos.
Ali, várias quadrilhas de ladrões, de todos os tipos e idades, dividem democraticamente o espaço atrás de suas presas. Só parece não haver democracia para as vítimas, pois não há quem lhes garanta o direito inalienável de ir e vir, como prevê a Constituição.

Na sequência, o flagrante do assalto a uma pedestre: o menor investe sobre a vítima, arranca com violência o colar do pescoço dela e sai correndo | Foto: Estefan Radovicz / Agência O dia
Na sequência, o flagrante do assalto a uma pedestre: o menor investe sobre a vítima, arranca com violência o colar do pescoço dela e sai correndo | Foto: Estefan Radovicz / Agência O dia
De segunda a sexta-feira da semana passada, entre os dias 15 e 19, a reportagem posicionou-se próximo à esquina das avenidas Presidente Vargas e Passos para observar a movimentação dos grupos de ladrões.
O objetivo era entender a rotina desses bandos, os métodos utilizados por eles para escolher e atacar suas vítimas, suas estratégias de fuga e flagrar os ataques.

O resultado, assustador, expõe uma fragilidade na política de Segurança Pública, que O DIA vai mostrar em capítulos a partir desta quarta-feira.

Os pedestres se viram sozinhos. Um deles imobiliza o menino. Logo, outros passantes o cercam. Eles impedem que o menor engula o cordão roubado | Foto: Estefan Radovicz / Agência O Dia
Os pedestres se viram sozinhos. Um deles imobiliza o menino. Logo, outros passantes o cercam. Eles impedem que o menor engula o cordão roubado | Foto: Estefan Radovicz / Agência O Dia
Em plena luz do dia, bandidos avançam nos pescoços de homens e mulheres, indistintamente. Ora atacam as vítimas durante caminhada, ora em paradas de ônibus, enquanto elas aguardam condução.
Vez ou outra enfiam a mão pela janela de um ônibus estacionado no ponto ou dos carros retidos em semáforos. Os gritos de "pega ladrão!" retumbam pela Presidente Vargas.

Cordões roubados são guardados sorrateiramente na boca, depois de uma avaliação rápida da peça. Em qualquer adversidade, os ladrões engolem o objeto.

Os celulares são passados a um comparsa como num passe de mágica. Com um mínimo de policiamento e a despeito das câmeras de monitoramento da polícia, os roubos se sucedem em questão de instantes.

Empresária Adriana Munhoz: ‘Celular fica guardado por trás do zíper’ | Foto: Estefan Radovicz / Agência O Dia
Empresária Adriana Munhoz: ‘Celular fica guardado por trás do zíper’ | Foto: Estefan Radovicz / Agência O Dia
Em apenas um dia, na quarta-feira 17, com diferença de exatos oito minutos, dois ataques a pedestres foram consumados pelo mesmo grupo de quatro ladrões.
O menor que efetivamente praticou o ataque, de 13 anos, foi pego por pedestres na calçada da pista lateral, sentido Candelária, depois de roubar sequencialmente o cordão de duas pessoas: às 9h50h atacou uma mulher de cerca de 50 anos e, às 9h58m, investiu contra um homem forte e grisalho.

A menos de 20 metros, havia duas patrulhas da PM estacionadas na porta do prédio do Detran, na Avenida Presidente Vargas (52-1452 e 52-1655).

As viaturas estavam fechadas, e os policiais, fardados, papeavam animadamente com conhecidos na calçada.

Houve cerco de curiosos quando o ladrão foi detido. Seguranças do camelódromo apareceram em segundos e evitaram o linchamento do menor. Mas os PMs sequer notaram o tumulto. Os carros da corporação permaneceram no local mais de hora e meia.

Cartões no sutiã, chinelo de borracha e passos rápidos
A impressão que se tem é que quase todos já conhecem a cara dos ladrões ou já detectam o modo de atuação deles. Conforme os larápios caminham pelas calçadas, numa procura frenética por vítimas, a maioria das pessoas que cruza com eles se afasta subitamente.

Algumas ficam com expressão de pavor no rosto, outras dão uma espécie de guinada como se tivessem levado um susto. Poucas não se dão conta do que está prestes a acontecer.

“Já tentaram me roubar várias vezes, mas estou sempre alerta”, afirmou a empresária Adriana Munhoz, que adotou alguns métodos de prevenção.

“Meu celular fica guardado dentro da calça comprida, por trás do zíper, não ando mais com cordão de ouro, brincos só de bijuteria e os cartões ficam dentro do sutiã”, ensinou Adriana, enquanto caminhava pela Avenida Presidente Vargas, entre a Passos e a Uruguaiana.

A poucos metros dali, uma senhora parecia aterrorizada. “Acabaram de tentar roubar meu cordão quando atravessei o sinal da Avenida Passos. O ladrão achou que era ouro, mas é a chamada semijoia. Consegui escapar”, contou, sem querer se identificar.

As securitárias Michele Araújo e Ana Paula Lemos revelam como se disfarçam ao sair do trabalho para não serem alvos. “A gente calça chinelo de borracha e faz rabo de cavalo no cabelo. Aí parece mais ‘pobrinha’ e eles deixam passar”, disse Michele.

Bolsas são descartadas pelos ladrões
Ambulantes são os olhos e os ouvidos das ruas. A repórter parou junto a um deles, comprou algo que estava exposto e apertou a bolsa na frente do corpo como se estivesse temerosa. E deixou escapar o medo de ser roubada naquela região do Centro.

“Eles (os criminosos) não querem bolsa. Não podem ficar com o flagrante na mão. Só querem cordão de ouro e celular caro”, explicou.

A repórter responde que eles podem atacar para pegar o celular na bolsa. “Só se estiver na sua mão. E, assim mesmo, se for moderno e valer mais de mil reais. Nos baratos, não conseguem mais de dez reais. Mas quando é um cheio de tecnologia, ganham de 60 a 100 reais”, disse ele, uma das parabólicas das ruas.

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