2.07.2014

Alta-costura

Com novos estilistas e tênis de R$ 9 mil, a alta-costura francesa renasce das cinzas, agora de olho na clientela jovem

BRUNO ASTUTO, DE PARIS
06/02/2014 07h00 - Atualizado em 06/02/2014 07h55

GRIFES COM OS PÉS NO CHÃO No desfile da Christian Dior,  tênis decorados acompanham  vestidos requintados. O intuito da combinação é atrair as jovens ricas para o mundo da alta- costura (Foto: Catwalking/Getty Images)
Quando a alta-costura estava em seu apogeu, nos anos 1950, o high society vivia a euforia do pós-guerra e uma sede insaciável por produtos de luxo. As festas se multiplicavam e, com elas, o hábito de encomendar roupas sob medida para bailes, cruzeiros e chás. Hoje, fora do circuito dos tapetes vermelhos de Hollywood e dos casamentos nababescos do Brasil, da Rússia e da Índia, raras são as festas de pessoas físicas. A maioria das reuniões serve para celebrar lançamentos de carros, perfumes e empreendimentos. Requerem um guarda-roupa menos excepcional, mais prático. A alta-costura, arte secular de produzir roupas sob medida pelas mãos de artesãos minuciosos, sob o comando de uma grife, parecia fadada ao desaparecimento. Mas, surpreendentemente, está mais viva que nunca.
Em 2000, apenas oito das 35 marcas que apresentavam coleções de alta-costura permaneciam de pé em Paris. Hoje, elas são 23, com nomes novos como Bouchra Jarrar, Yiqing Yin e Ralph & Russo. Meio século depois, é possível dizer que a alta-costura vive novamente uma inesperada explosão. Apesar dos preços proibitivos de algumas peças (R$ 450 mil para um vestido bordado Chanel), as marcas têm oferecido produtos mais “acessíveis”, como um vestido do italiano Giambattista Valli a R$ 40 mil. “Anos atrás, se você me dissesse que eu desfilaria na semana de alta-costura, eu riria”, diz a estilista francesa Bouchra Jarrar, estreante nos desfiles da semana passada, em Paris. “Mas essa clientela cresceu muito, então decidi investir no setor.”
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De fato, com a ascensão de China e Rússia ao time de países com grande número de bilionários – e, em menor escala, o Brasil –, o famoso clube das 200 mulheres que tinham condições de encomendar uma peça de alta-costura, fazer três provas em Paris e dedicar um orçamento semestral de R$ 600 mil em média por temporada quase dobrou no ano passado. As compradoras texanas também retornaram a Paris assim que a economia americana começou a dar sinais de recuperação. “Na China, temos uma longa tradição de artesanato e valorização de peças únicas. É isso que a alta-costura francesa tem a oferecer em termos de moda”, diz Angelica Cheung, diretora da edição chinesa da revista Vogue.
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Ainda que nenhuma grife revele dados sobre suas clientes ou números de vendas, estima-se que as brasileiras respondam por menos de 1% do mercado da alta-costura francesa. “Elas vêm quando têm uma ocasião muito especial, como um casamento, mas sem limite de orçamento”, diz a diretora de salão de uma das marcas, que, como todas as suas colegas, pede anonimato. “As clientes mais jovens estão se interessando novamente pela alta-costura.”
ROSA QUE CHOCA Karl Lagerfeld não usa tênis, mas seu desfile deste ano em Paris estava cheio deles. “As garotas usam”, disse o estilista da Chanel. A questão é  combinar  o tempo acelerado das jovens com o ritmo artesanal dos ateliês (Foto: Fotos: Dominique Charriau/WireImage)
Para renovar seu público, as grifes tradicionais vêm investindo em coleções mais joviais, com vestidos não apenas de festa, mas leves, casuais e diurnos, como os criados pelo estilista Raf Simons, na Christian Dior, um dos responsáveis pela modernização da alta-costura. Além disso, na temporada de verão 2014 causou espécie o fato de Dior e Chanel terem desfilado tênis com suas roupas ricamente bordadas e cortadas. “Particularmente, não uso tênis, mas todas as garotas usam”, disse Karl Lagerfeld, estilista da Chanel. Ele, inclusive, pôs sua tradicional noiva no final da apresentação a bordo de um tênis. Cada par, feito à mão pela tradicional sapataria Massaro, que pertence à Chanel, custará cerca de R$ 9 mil. As modelos desfilavam numa espécie de boate futurista, descendo as escadarias correndo, como fazem, aliás, todos os jovens. “Essa juventude tem uma pressa que os ateliês de alta-costura, que precisam de tempo e dedicação para elaborar preciosidades, talvez não possam acompanhar”, disse a ÉPOCA o jornalista inglês Godfrey Deeney, editor de moda do jornal francês Le Figaro.
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Ainda tentando se recuperar de uma crise sem precedentes, que começou em 2008, o mundo do luxo teve um sursis com os resultados excepcionais da economia dos países emergentes. Mas, se até eles têm desacelerado, com quem as marcas poderão contar nos próximos anos? A resposta está no fenômeno das redes sociais. Antes privilégio das revistas e dos jornais, nunca a informação de moda foi tão espalhada em forma de posts, tuítes e blogs. Assim que uma peça é exibida no desfile, sua foto imediatamente é reproduzida em posts no Twitter, no Instagram e no Facebook, e as grandes redes de varejo podem copiá-la à exaustão. Até que o vestido chegue às lojas das grifes, a cliente de alto luxo terá se cansado dele. Para essa mulher, que não quer ver sua roupa caríssima na cerimônia do Oscar antes de desfilá-la para as próprias amigas, vale pagar as fortunas cobradas na alta-costura. Madame pode dar seus rolezinhos de tênis, mas só com exclusividade. O preço é um mero detalhe.
 

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