Os pacientes viraram impacientes e os médicos, meros leitores de exames
por Riad Younes
—
Olga Vlahou
Conversar com meu mestre, o doutor Dario Birolini, é um
privilégio e um prazer. Professor emérito de Cirurgia da Faculdade de
Medicina da USP, é um dos maiores estudiosos e críticos da evolução da
medicina moderna. Escreveu o prefácio de um livro magnífico, lançado
recentemente no Brasil, O Doente Imaginado, de Marco Carlo Bobbio
(Editora Bamboo). Conversei com o dr. Birolini sobre esse livro e
também sobre sua visão da medicina atual. O resultado da entrevista é
provocante e preocupante.
CartaCapital: Lendo O Doente Imaginado, parece que a medicina e os médicos perderam o rumo. Nos últimos 50 anos, o que melhorou e o que piorou?
Dario Birolini: Obviamente, a medicina sofreu uma espantosa evolução nas últimas décadas, com aprimoramento dos métodos diagnósticos e a descoberta de novas formas de tratar as doenças. Negar o impacto desses avanços seria uma total insensatez. Mas a espécie humana é constituída de seres complexos em seus aspectos fisiológicos. Por tal razão, o tratamento de numerosas doenças continua sendo um desafio. Não raramente, a adoção dessas novas modalidades terapêuticas, ainda que possa resultar no prolongamento da vida do doente, frequentemente resulta em piora da sua qualidade de vida.
CC: O que preocupa o senhor nos médicos de hoje? Como vê a relação médico-paciente em 2014?
DB: Em decorrência do verdadeiro tsunami de informações divulgadas, o perfil, tanto do médico quanto do paciente, mudou radicalmente. O médico acaba sendo induzido a dedicar-se a alguma especialidade, com a progressiva fragmentação do atendimento e no uso irrestrito da tecnologia diagnóstica e das novidades terapêuticas. É comum que o médico baseie o diagnóstico e o tratamento dos doentes somente em achados de exames. Até poucos anos atrás, os exames de laboratório e de imagem eram denominados “complementares”. Nos dias atuais, o que está se tornando cada vez mais complementar é a avaliação clínica e o exame físico do doente. Por outro lado, o perfil do enfermo também mudou radicalmente. Em virtude da avalanche de informações, o paciente tornou-se “impaciente”. Consulta o Dr. Google, faz seu próprio diagnóstico, procura um especialista e exige que este solicite exames e prescreva medicamentos, e, quanto mais novos, melhor. Não é incomum que o impaciente consulte vários especialistas que nem sequer conversam entre si. Uma das consequências é os impacientes se tornarem vítimas de “achados de exames” e de efeitos colaterais. É o que eu denomino de “síndrome da fragmentação”.
CC: O livro apresenta quadros desoladores. Esses temas são pertinentes no Brasil ou só na Itália, terra do autor?
DB: As considerações que o dr. Marco Bobbio apresenta, de forma objetiva e honesta, valem para qualquer país e deveriam constituir-se em um foco de debates para o aprimoramento da assistência. Deveriam ser discutidas amplamente nas escolas de medicina, assim como em eventos médicos. Infelizmente, nem sempre o corpo docente das escolas médicas é integrado por profissionais devidamente qualificados. Nos últimos anos, a abertura indiscriminada de novas escolas médicas, em sua grande maioria privadas, resulta na concessão de diplomas a estudantes de formação questionável, mas que terão a liberdade de exercer a profissão. É óbvio que, ao exercê-la, tentarão compensar seu despreparo por meio do abuso de solicitação de exames e da prescrição de medicamentos “da moda”. Os resultados são facilmente previsíveis: a qualidade do atendimento é deteriorada e seus custos aumentam de forma exponencial.
CC: O que o senhor sugere para a melhora ou a reconquista de uma medicina digna para os pacientes?
DB: Seria uma pretensão descabida de minha parte propor soluções incontestáveis. Entretanto, senti-me obrigado, ao ler o livro do Bobbio, a divulgar suas considerações tanto para os médicos como para a população leiga. Todos nós, profissionais de saúde ou não, precisamos meditar a respeito desses temas, discuti-los de forma clara e honesta, à procura de soluções viáveis para nossa realidade, que permitam respeitar o interesse dos doentes e incentivar o exercício correto da medicina. É fundamental que se volte a valorizar o cerne da medicina, que é a relação médico-paciente.
CartaCapital: Lendo O Doente Imaginado, parece que a medicina e os médicos perderam o rumo. Nos últimos 50 anos, o que melhorou e o que piorou?
Dario Birolini: Obviamente, a medicina sofreu uma espantosa evolução nas últimas décadas, com aprimoramento dos métodos diagnósticos e a descoberta de novas formas de tratar as doenças. Negar o impacto desses avanços seria uma total insensatez. Mas a espécie humana é constituída de seres complexos em seus aspectos fisiológicos. Por tal razão, o tratamento de numerosas doenças continua sendo um desafio. Não raramente, a adoção dessas novas modalidades terapêuticas, ainda que possa resultar no prolongamento da vida do doente, frequentemente resulta em piora da sua qualidade de vida.
CC: O que preocupa o senhor nos médicos de hoje? Como vê a relação médico-paciente em 2014?
DB: Em decorrência do verdadeiro tsunami de informações divulgadas, o perfil, tanto do médico quanto do paciente, mudou radicalmente. O médico acaba sendo induzido a dedicar-se a alguma especialidade, com a progressiva fragmentação do atendimento e no uso irrestrito da tecnologia diagnóstica e das novidades terapêuticas. É comum que o médico baseie o diagnóstico e o tratamento dos doentes somente em achados de exames. Até poucos anos atrás, os exames de laboratório e de imagem eram denominados “complementares”. Nos dias atuais, o que está se tornando cada vez mais complementar é a avaliação clínica e o exame físico do doente. Por outro lado, o perfil do enfermo também mudou radicalmente. Em virtude da avalanche de informações, o paciente tornou-se “impaciente”. Consulta o Dr. Google, faz seu próprio diagnóstico, procura um especialista e exige que este solicite exames e prescreva medicamentos, e, quanto mais novos, melhor. Não é incomum que o impaciente consulte vários especialistas que nem sequer conversam entre si. Uma das consequências é os impacientes se tornarem vítimas de “achados de exames” e de efeitos colaterais. É o que eu denomino de “síndrome da fragmentação”.
CC: O livro apresenta quadros desoladores. Esses temas são pertinentes no Brasil ou só na Itália, terra do autor?
DB: As considerações que o dr. Marco Bobbio apresenta, de forma objetiva e honesta, valem para qualquer país e deveriam constituir-se em um foco de debates para o aprimoramento da assistência. Deveriam ser discutidas amplamente nas escolas de medicina, assim como em eventos médicos. Infelizmente, nem sempre o corpo docente das escolas médicas é integrado por profissionais devidamente qualificados. Nos últimos anos, a abertura indiscriminada de novas escolas médicas, em sua grande maioria privadas, resulta na concessão de diplomas a estudantes de formação questionável, mas que terão a liberdade de exercer a profissão. É óbvio que, ao exercê-la, tentarão compensar seu despreparo por meio do abuso de solicitação de exames e da prescrição de medicamentos “da moda”. Os resultados são facilmente previsíveis: a qualidade do atendimento é deteriorada e seus custos aumentam de forma exponencial.
CC: O que o senhor sugere para a melhora ou a reconquista de uma medicina digna para os pacientes?
DB: Seria uma pretensão descabida de minha parte propor soluções incontestáveis. Entretanto, senti-me obrigado, ao ler o livro do Bobbio, a divulgar suas considerações tanto para os médicos como para a população leiga. Todos nós, profissionais de saúde ou não, precisamos meditar a respeito desses temas, discuti-los de forma clara e honesta, à procura de soluções viáveis para nossa realidade, que permitam respeitar o interesse dos doentes e incentivar o exercício correto da medicina. É fundamental que se volte a valorizar o cerne da medicina, que é a relação médico-paciente.
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