Doutor em Saúde Pública, o médico Jorge Antonio Zepeda Bermudez foi convidado a integrar o grupo das Nações Unidas
criado com o objetivo de ampliar os investimentos em pesquisas e
desenvolvimento de medicamentos para doenças cujo retorno financeiro não
seja garantido. Atual vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde
da Fiocruz, Bermudez levará para a ONU toda a sua experiência na área de
Saúde Coletiva, principalmente com relação à democratização do acesso a
medicamentos, políticas públicas, inovação e propriedade intelectual.
Ex-diretor do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), sua trajetória internacional na área da saúde foi pavimentada por cargos estratégicos, tais como secretário-executivo da Unitaid e chefe da Unidade de Medicamentos, Vacinas e Tecnologias em Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), ambas as entidades vinculadas à Organização Mundial da Saúde (OMS). Ocupou também os cargos de diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz) e presidente do Instituto Vital Brazil (IVB), laboratório público ligado ao Estado do Rio de Janeiro.
Em entrevista à Ascom de Farmanguinhos,
Bermudez fala sobre as perspectivas frente ao desafio de integrar mais
uma vez um importante grupo internacional. Confira a entrevista na
íntegra.
Como será sua atuação dentro deste grupo criado pela ONU (secretário para um segmento específico, por exemplo)?
Considerando
que a primeira reunião do Painel está agendada para os dias 11 e 12 de
dezembro em Nova Iorque, nessa reunião vai ser estabelecido como será o
processo, que vai incluir duas audiências públicas, reuniões do Painel,
chamadas para receber e avaliar propostas e o apoio de um grupo de
trabalho também constituído no âmbito da proposta do secretário Geral
das Nações Unidas, Ban Ki-moon. Ainda não tenho clareza de segmentos,
papeis específicos ou tarefas individuais. Posso dizer da importância e
da honra que representa para mim, para a Fiocruz e para o Brasil nossa
participação.
Está no escopo de sua atuação a busca pelo fortalecimento da indústria farmoquímica brasileira?
Sempre
vai estar no escopo da minha atuação o fortalecimento da indústria
farmoquímica e farmacêutica local nos países em desenvolvimento,
consolidando as políticas sociais e a capacitação tecnológica em termos
de soberania nacional. Entretanto, também é necessário que levemos em
consideração a questão do acesso a medicamentos como premissa básica e
como questão de saúde pública, portanto baixando os custos para
assegurar o acesso.
Em entrevista à rádio ONU,
o senhor destacou a atuação no campo dos antirretrovirais (ARV) e disse
que hoje tem visto produtos inovadores para hepatite C e câncer.
Enquanto integrante do grupo da ONU, como o senhor pretende atuar para
ampliar o acesso a essas inovações?
Temos
que ter presentes as lições aprendidas com a pandemia do HIV/aids, que
objetivaram assegurar o acesso universal aos medicamentos. Sabemos hoje
que a competição genérica, o fato de a Índia não ter reconhecido
patentes e desenvolvido sua indústria de medicamentos genéricos,
propiciou uma diminuição considerável nos preços dos medicamentos de
primeira linha. Não é por outro motivo que hoje temos acima de 15
milhões de pessoas em tratamento.
Essas lições, embora não idênticas,
devem nos ajudar a enfrentar outras barreiras ao acesso a medicamentos.
Hoje, novos medicamentos lançados no mercado, para hepatite C e os
oncológicos se encontram inviáveis para serem absorvidos pelos sistemas
de saúde, mesmo nos países de renda alta. O Senado dos EUA (Estados
Unidos da América), hoje, enfrenta uma discussão sobre os preços com que
produtos para o tratamento da hepatite C foram lançados e como temos
que ter medidas para enfrentar essas questões, eliminando determinadas
barreiras. Todo o processo do Painel de Alto Nível das Nações Unidas
pretende discutir medidas para assegurar o acesso como direito.
O Brasil vive hoje uma discussão sobre a reforma da lei de patentes, da qual o senhor tem participado ativamente.
Muitos desses medicamentos inovadores são protegidos por patentes, como
o sofosbuvir, por exemplo. Uma consequência é o alto custo aos cofres
públicos. Como a atuação deste grupo pode reverter este cenário
brasileiro?
Atualmente,
o Congresso Nacional discute a possibilidade de reformas na Lei de
Propriedade Industrial, com uma série grande de propostas em pauta. A
proteção patentária e consequente monopólio pode ser uma das barreiras
ao acesso. Toda a questão da proteção patentária seguramente vai estar
na pauta de discussão e o Brasil certamente vai também aproveitar
positivamente os resultados dessa discussão.
Os países do Mercosul acabam de realizar uma manobra inovadora: a compra conjunta de antirretrovirais,
que inclui, dentre outros, o sofosbuvir. A estratégia visa à redução de
preço dos medicamentos. Até que ponto essa compra conjunta pode ser
benéfica. Quais os efeitos disso para Farmanguinhos enquanto produtor
de antirretrovirais?
As
compras conjuntas, hoje em discussão no Mercosul, abordam as
possibilidades de adquirir ARVs e medicamentos antivirais para hepatite
C, numa iniciativa inovadora e que pode impactar os preços desses
produtos para o conjunto dos países e consequentemente ampliar o acesso.
No passado, países da América Latina negociaram conjuntamente e
conseguiram reduções de preços que beneficiaram toda a Região. Todo esse
conjunto de iniciativas devem ser inseridas em estratégias de caráter
abrangente para ampliar o acesso a tecnologias.
Ban Ki-moon enfatizou a urgência
em garantir acesso a tratamentos de saúde de qualidade e de baixo
custo. Ele disse ainda que os países devem continuar incentivando a
inovação e o desenvolvimento de novas vacinas, medicamentos e
diagnósticos. É sabido que a Fiocruz se esforça nessas três frentes,
inclusive C&T&I é um dos eixos do Congresso Interno. Como o
senhor avalia o cenário deste eixo para os próximos anos na Fundação?
Efetivamente,
o secretário Geral das Nações Unidas estabeleceu, nas atividades e
propostas a serem discutidas no Painel de Alto Nível, a busca de
tecnologias para a saúde de qualidade, e a preços acessíveis, incluindo
diagnóstico, vacinas e medicamentos. A Fiocruz atua de maneira
importante nessas áreas e certamente poderá ser um reforço concreto e
respaldo a ações propostas no âmbito das discussões nas Nações Unidas. A
inovação, radical e incremental; o desenvolvimento tecnológico e
produção e a transferência de tecnologia para novos produtos devem ser
atividades inseridas nas metas para promover acesso das nossas
populações.
As Parcerias de Desenvolvimento
Produtivo (PDP) têm sido uma importante estratégia de mercado e de saúde
pública. Como estimular a inovação num processo de absorção de
tecnologia já existente?
Na
última década, o Brasil vem implementando uma política industrial em
saúde aliada ao processo de desenvolvimento e incorporação/
internalização de tecnologia. As PDP são um dos mecanismos que agilizam
essa incorporação, ao mesmo tempo em que têm que ser planejadas para
promover uma redução gradativa nos preços de produtos utilizados pelo
nosso SUS (Sistema Único de Saúde). É um grande desafio para o Brasil
promover a inovação e, ao mesmo tempo, absorver tecnologias conhecidas
em prazos reduzidos. Nossas instituições de ciência, tecnologia e
inovação e nossos INCTs (Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia),
no contexto do novo marco regulatório (PLC 77/2015), são elementos
centrais para enfrentar essas necessidades nacionais de natureza
estratégica.
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