Novas pesquisas revelam os mecanismos cerebrais que levam as pessoas a comer mais. saiba como driblar essas ciladas da mente e resistir às tentações
As informações reveladas pelas pesquisas mais recentes apontam vários mecanismos pelos quais o cérebro tenta sabotar os esforços para emagrecer. O primeiro deles remonta ao início da evolução humana, quando o homem lançava mão de todas as estratégias para sobreviver. Entre elas estava o armazenamento da maior quantidade possível de energia obtida a partir dos alimentos – uma garantia de que o corpo teria combustível suficiente para funcionar mesmo em condições adversas. Foi algo útil naquelas circunstâncias, mas hoje perdeu o sentido. Trata-se, porém, de um estratagema gravado na memória. Por isso, a cada situação que o cérebro entende como uma ameaça ao estoque energético do organismo, a resposta é a mesma: uma ordem para guardar mais calorias. Instintivamente, o indivíduo vai procurar consumir as opções com maior teor calórico – leia-se, alimentos com mais gordura e açúcar – e haverá reações cerebrais para reduzir o ritmo metabólico.
Situação semelhante ocorre quando se dorme mal ou menos horas do que o necessário. O cérebro entende esses episódios como ameaças ao estoque de energia para o dia seguinte. Trabalha para dar mais combustível a um organismo que, na sua avaliação, precisará de mais esforço para vencer a jornada. Na Columbia University (EUA), os cientistas constataram uma reação interessante. Depois de acompanharem as respostas cerebrais de 25 indivíduos após oito horas de sono e depois de apenas quatro horas de descanso, eles verificaram que quando os participantes estavam sonolentos apresentavam uma reação mais intensa diante de imagens de opções muito calóricas e que apresentavam uma composição nutricional mais variada. “Nessas horas, ninguém procura um doce de abóbora”, explica o psiquiatra Adriano Segal, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade. “Esse doce não concentra outros nutrientes necessários à vida, como proteí-na e carboidrato. É mais fácil recorrer a um pudim, que possui ambos.”
O consenso científico nesse ponto é de que as refeições mais fartas e calóricas devem ser as primeiras do dia. “As pessoas devem fazer um ótimo café da manhã o mais cedo possível e depois diminuir a quantidade de calorias ingeridas”, disse à ISTOÉ Marta Garaulet Aza, da Universidade de Murcia, na Espanha, coautora de uma experiência na qual foi constatado que pessoas habituadas a comer mais tarde perdem menos peso.
Há dois problemas nessa armadilha. Além de serem muito calóricos, descobriu-se recentemente que alimentos como esses contêm nutrientes capazes de disparar, no cérebro, uma espécie de dependência. “A ingestão alimentar é controlada por fatores cognitivos, emocionais e de recompensa, envolvendo a mesma via neuronal pela qual é processado o vício em uma determinada substância”, afirma a nutricionista Elaine de Pádua, de São Paulo. De fato, após serem ingeridos, eles ativam em cheio o centro cerebral vinculado à dependência. Por isso, a ingestão constante desse gênero de produtos fará com que o indivíduo seja induzido a querer sempre mais para sentir o mesmo prazer.
Esses mecanismos explicam, por exemplo, por que é difícil comer apenas uma batatinha frita ou poucas pipocas. Simplesmente não se consegue parar. “São alimentos ricos em gordura e carboidratos, que estimulam mensagens de prazer para o cérebro e podem levar à dependência”, disse à ISTOÉ Tobias Hoch, da FAU Erlangen-Nuremberg, da Alemanha, estudioso do tema. Além disso, podem acionar os tais circuitos cerebrais vinculados a comportamentos obsessivos. Ou seja, provavelmente serão consumidos vorazmente, até o fim.
Para tornar ainda mais difícil a briga contra a balança, o cérebro reage melhor a refeições repletas de gordura e açúcar, mesmo quando elas são menos saborosas do que outras, saudáveis. Cientistas da Universidade de Yale (EUA) provaram este efeito. Por meio da análise de imagens do cérebro de participantes após a ingestão de bebidas mais e menos açucaradas, eles viram que a sensação de satisfação era maior com as mais doces, mesmo com os voluntários achando as menos adocicadas mais saborosas.
O consumo constante de alimentos gordurosos provoca outros danos que levam à obesidade. O primeiro é ao funcionamento do hipotálamo, estrutura do cérebro responsável pela sensação de fome. Pesquisadores da Universidade de Washington (EUA) identificaram um processo de inflamação, e consequente lesão na região onde ele está localizado, deflagrado apenas três dias depois da ingestão de uma dieta rica em gordura. A observação foi feita em animais “Quando o cérebro está inflamado, o hipotálamo tem dificuldade de relacionar a ingestão versus saciedade”, explica a nutricionista Liliane Moitinho, do Rio de Janeiro. “Os prejuízos gerados pela inflamação podem reduzir o controle da pessoa sobre seus hábitos alimentares”, complementa a nutricionista Madalena Vallinoti, de São Paulo.
Encher o prato com escolhas repletas de gordura e açúcar ainda prejudica o raciocínio, o que interfere no processo de tomada de decisão. “O alto consumo desses nutrientes tem impacto negativo no funcionamento do cérebro”, explicou o cientista Rosebud Roberts, da Clínica Mayo (EUA). Ele foi um dos pesquisadores que constataram um declínio cognitivo em pessoas habituadas a ingerir refeições gordurosas e com muito açúcar. Com o raciocínio enfraquecido, a tendência é errar no momento de optar entre o que faz bem, mas não parece tão atraente, e o que faz mal, mas salta aos olhos.
Essas informações reforçam a convicção científica de que, quando o assunto é obesidade, as pessoas podem não estar tanto no controle quanto pensam. Por outro lado, a mesma linha de pesquisa que embasa essa conclusão apresenta algumas estratégias para neutralizar as tentativas cerebrais de sabotagem. Nos últimos anos, dezenas de experimentos com o cérebro deixam patente que é possível treiná-lo – e, em muitos casos, enganá-lo (leia no quadro abaixo).
Uma pesquisa feita na Universidade de Cornell (EUA) comprova a tese da importância da mente quando ela é usada a nosso favor. Dois grupos de participantes foram investigados para saber como se sentiam 15 minutos depois de comer chocolate, torta de maçã e batatinha frita. Metade ingeriu frações grandes, que totalizavam 1,3 mil calorias. O restante foi alimentado com o equivalente a 195 calorias. “Os que comeram mais não ficaram mais saciados do que os que comeram menos”, escreveram os autores do trabalho. “Pequenas porções proporcionam satisfação similar à promovida pelas grandes. Então, da próxima vez que quiser um pedaço de bolo, lembre-se de que você pode ficar feliz com um pedaço menor”, aconselhou a cientista Ellen van Kleef. E se tiver um aroma mais forte, melhor ainda. Segundo experiência divulgada na revista científica “Flavour”, quanto mais intenso o cheiro do alimento, menor o tamanho das mordidas. “E as pessoas comem menos se a mordida for pequena”, disse à ISTOÉ René de Wijk, autor do trabalho que registrou uma redução de 5% a 10% no tamanho das mordidas quando a opção tinha um aroma mais pronunciado.
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