por Dimalice Nunes e André Barrocal —
Após nota agressiva em favor do governo, ministério encara rebelião de servidores e duras críticas de ONGs de direitos humanos
Enquanto setores do seu partido, o PSDB, já discutem o desembarque do governo de Michel Temer, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, resiste na defesa de seu chefe e, por isso, agora encara críticas também dentro de casa.
Mais de 150 servidoras e servidores do Itamaraty se posicionaram publicamente para que "as forças políticas do país, organizadas em partidos ou não, exercitem o diálogo" e repudiando "o uso da força para reprimir ou inibir manifestações."
A nota pública vem numa sequência de atropelos promovidos pelo órgão. O primeiro deles foi a resposta feroz
a um comunicado emitido na sexta-feira 26 por dois organismos
internacionais da área de direitos humanos, ambos condenando a violenta
repressão ao protesto contra o golpista Michel Temer e a favor de novas eleições,
realizado dias antes, em Brasília.
A
nota deixou gente boquiaberta no Itamaraty, pela linguagem nada
diplomática. Mais: ataca uma entidade na qual o Brasil tenta arranjar
uma vaga para a secretária Nacional de Direitos Humanos, Flávia Piovesan
na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Jeito de tiro no
pé.
De quebra, a furiosa reação expõe uma situação curiosa. O ministro critica dia-e-noite a Venezuela,
ataca o governo de Nicolás Maduro quando há repressão em marchas da
oposição e defende antecipar as eleições por lá, como querem os inimigos
do chavismo. Incoerência? Não. Partidarismo.
Em
sua posse, o tucano mostrou ter a visão de que assuntos internacionais
estão atrelados à disputa política nacional. “Cada vez mais o tema da
política externa está presente nos debates sobre a nossa política
interna”, disse, ao afirmar que há “inseparabilidade” entre eles.
Tradução exemplificada: se é possível atrair votos de eleitores
brasileiros falando mal da Venezuela, pau no vizinho.
As bofetadas da chancelaria na sexta 26 atingiram o Alto Comissariado das Nações Unidas para
os Direitos Humanos (Acnudh) e a CIDH, repartição vinculada à
Organização dos Estados Americanos (OEA). As entidades cobraram do
Brasil que não deixe repetir a violência contra a manifestação
anti-Temer e por Diretas Já.
O
assunto voltou à pauta nesta semana, na quarta-feira 31, quando o
Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa e mais 54
organizações emitiram documento considerando "gravíssima e destemperada" a atitude do governo brasileiro em relação ao comunicado da CIDH e da ACNUDH.
"A
linguagem desrespeitosa e agressiva adotada pelo Itamaraty se distancia
demasiadamente da postura que se espera de um país membro do Conselho
de Direitos Humanos da ONU e que se diz comprometido com a proteção
internacional dos direitos humanos. Ao dirigir-se de forma a menosprezar
e questionar a boa-fé da CIDH e do ACNUDH, o governo golpista de Michel Temer
demonstra preocupante desconsideração com dois dos principais organismos
internacionais e regionais de direitos humanos que se dedicam ao tema",
segue o texto.
A nota das entidades também menciona a violência no campo, destacando a chacina de dez trabalhadores rurais na cidade de Pau D’Arco, no Pará, e a operação realizada na região do centro de São Paulo conhecida como Cracolândia.
O Ministério das Relações Exteriores reagiu imediatamente às críticas através de uma nota à imprensa em que “repudia, nos mais fortes termos, o teor desinformado e tendencioso” do comunicado conjunto e qualifica a posição dos dois órgãos como “leviana” e “fantasiosa”, em tom pouco usual para diplomacia brasileira.
O Ministério das Relações Exteriores reagiu imediatamente às críticas através de uma nota à imprensa em que “repudia, nos mais fortes termos, o teor desinformado e tendencioso” do comunicado conjunto e qualifica a posição dos dois órgãos como “leviana” e “fantasiosa”, em tom pouco usual para diplomacia brasileira.
A
indignação dos servidores ganhou um ingrediente a mais. Circula por
Brasília um documento em que o deputado federal Danilo Forte (PSB-CE)
pede que Aloysio Nunes transfira para a embaixada brasileira em Londres
dois diplomatas alocados na Câmara dos Deputados como
terceiros-secretários, um em missão permanente e outro em missão
temporária.
O fato incomodou profundamente os servidores do Itamaraty, já que o
processo de remoção de diplomatas é a coluna vertebral da carreira,
profundamente pautada pelas promoções para o exterior. Trata-se do Legislativo interferindo num procedimento interno administrativo.
O "fogo amigo" não parou por aí. Um documento da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência apresentado na quinta-feira 1, de acordo com reportagem da Folha de S.Paulo, afirma que o
Brasil carece de uma "grande estratégia". De acordo com o documento do
próprio governo, a política externa fracassou nos governos FHC, Lula,
Dilma e é apenas "agenda pontual" no de Michel Temer.
O último capítulo, por enquanto, do aumento da tensão no Itamaraty foram as declarações do mandatário da pasta nos Estados Unidos na sexta-feira 2. Após participar de uma reunião com o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, ele afirmou que o "PSDB não é madame Bovary", em referência à personagem Gustave Flaubert que,
insatisfeita com o casamento, decide trair o marido. A declaração
mostra que a prioridade do ministro são as relações partidárias e não
necessariamente as exteriores.
A
pressão cresce e o partidarismo de Nunes Ferreira está sendo testado. A
ala paulista do tucanato, força importante do PSDB e da qual o ministro
faz parte, articula o desembarque de forma mais firme. Preocupado,
Temer pediu reunião urgente com o governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin (PSDB-SP) para as 22h de sexta-feira 2.
A
ideia é articular. Sob o argumento de que o PSDB precisa ouvir suas
bases a respeito de como se posicionar em relação ao governo Michel
Temer, o deputado estadual Pedro Tobias, presidente do diretório
paulista da sigla, convocou colegas da Assembleia Legislativa,
prefeitos, dirigentes partidários e vereadores tucanos de todo o Estado
de São Paulo para um encontro que
vem sendo chamado de "super reunião ampliada" de avaliação. O objetivo é
discutir a conjuntura nacional e colocar em votação se o partido deve
desembarcar do governo. A reunião está marcada para a segunda-feira 5
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