6.01.2017

Reforma política: Partidos bichados agora querem “distritão”



Antes do estouro da delação da JBS, que atingiu em cheio Michel Temer e Aécio Neves (PSDB-MG), ferindo também grandes partidos como o PMDB e o PSDB, tudo se encaminhava, no Congresso, para a aprovação de uma reforma política que tinha como pilares o voto em lista fechada e o financiamento público de campanhas. Com o repique da crise política, o ambiente mudou. Agora a tendência é aprovar o “distritão”, sistema pelo qual são eleitos os mais votados em cada estado. Proposta de emenda constitucional do deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), neste sentido, obteve ontem o apoio de mais de 350 deputados. Em entrevista ao 247, o relator da reforma política, deputado Vicente Cândido (PT-SP), fala desta mudança do vento e das perspectivas de aprovação da reforma.
Brasil 247 – Há três semanas, havia um quase consenso em torno de seu parecer sobre a reforma política, que propunha o voto em lista fechada e o financiamento público de campanhas. O que mudou e por quê?
Vicente Cândido - A disposição mudou realmente. Uma semana antes de vir a público a delação da JBS, tivemos uma reunião na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com a presença do presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, e dos presidentes dos dez maiores partidos. Naquela reunião ficou bem encaminhada o seguinte acordo: faríamos uma transição adotando a lista pré-ordenada nos pleitos de 2018 e 2020 e depois adotaríamos o sistema alemão, adaptado às condições brasileiras. (Nota da entrevistadora: o sistema alemão combina o voto distrital com o voto proporcional. Ao votar no partido de sua preferência, o eleitor determina quantas cadeiras cada sigla terá no Parlamento. E ao votar nos candidatos distritais, escolhe os ocupantes das vagas). Na semana seguinte estourou o escândalo da Friboi e isso espalhou um certo pânico entre os grandes partidos hoje atingidos por denúncias de corrupção, a começar do PSDB, que já havia assimilado o sistema de lista. Agora estão dizendo que será muito difícil, para partidos que estão com sua imagem arranhada, enfrentar uma eleição no ano que vem com o sistema de lista fechada. Neste sistema, como se sabe, o eleitor vai escolher um partido, ao votar em sua lista de candidatos, e não um candidato individualmente. Então, está havendo este recuo em relação à proposta da lista, em favor da proposta de adoção do “distritão”.
247 – De quem mesmo é o recuo?
Cândido – PSDB, PMDB e demais partidos que temem sofrer um grande encolhimento de suas bancadas,  se tiverem que ir para a campanha com um sistema em que o partido terá grande visibilidade, tornando-se objeto de escolha. Aí entram PP, PSD, todos estes... Eles acham que o “distritão” será um sistema mais conveniente para as condições da disputa de 2018.
247 – Então, por favor, explique aos nossos leitores-eleitores o que vem a ser mesmo o “distritão”...
Cândido – Tomemos, por exemplo, o caso de São Paulo. O estado constituiria um grande distrito eleitoral. São Paulo tem direito a 70 cadeiras na Câmara dos Deputados. Serão eleitos os 70 candidatos mais votados, que farão campanhas individuais, sem contar com o puxador de votos (papel que no outro sistema cabe ao cabeça da lista) ou com o voto em legenda. Serão 70 campanhas diferentes. O problema é que este sistema é incompatível com o financiamento público de campanhas. E como é sabido, não existe ambiente para o restabelecimento do financiamento por doações privadas.
247 – Por que a incompatibilidade?
Cândido – Veja o que acontece. Em 2014, tivemos 22.300 candidatos a deputado federal em todo o país. Por mais desestimulante que seja hoje o ingresso na carreira política, em função de todos os escândalos de corrupção, fundamentalmente ligados ao financiamento de campanhas, eu creio que teremos pelo menos 15.000 candidatos em 2018. O financiamento público será impraticável se tivermos que dividir os recursos do fundo eleitoral com 15 mil candidatos. Teremos que garantir recursos também para as campanhas de candidatos a deputados estaduais, a governador, senador e presidente da República. Estimando que o fundo eleitoral venha a contar com R$ 2 bilhões de recursos públicos, mais uns R$ 600 milhões de doações de pessoas físicas, e uns R$ 500 milhões do fundo partidário, disporíamos de algo em torno de R$ 3 bilhões. Este montante é absolutamente insuficiente num país em que uma campanha para deputado custa pelo menos R$ 5 milhões. Com a lista, cada partido emprega sua verba no financiamento da campanha de uma lista em que estão todos os seus candidatos. Antes, estes grandes partidos resistiam à proposta dizendo que a lista favoreceria o PT. Com o fim do financiamento privado de campanhas, aderiram à lista porque só com ela o financiamento público seria viável. Mas agora estão recuando porque não querem se apresentar ao eleitorado defendendo partidos que estão com a ficha suja.  Entretanto, como resolver o problema do financiamento? Com recursos públicos, ele só é viável se as campanhas forem baratas, o que só é possível com o voto distrital ou com o voto em listas.
247 – E qual é a saída que está sendo apontada?
Cândido - Este é o exercício que teremos de fazer nos próximos dias. Os defensores do “distritão” vão ter que dizer como seriam financiadas as campanhas neste modelo. Tivemos conversas preliminares, mas não surgiu nada de concreto, ficando este debate para um momento posterior. Mas teremos de dizer aos eleitores brasileiros como serão as campanhas, quanto custarão e como serão distribuídos os recursos públicos. Na minha opinião, era este o momento de fazermos uma reforma política para valer, mudando radicalmente a cultura política que tantos males já nos causou. Era hora de fortalecermos os partidos e de trocar as doações de empresas pelo financiamento público, com uso responsável destes recursos. Ou seja, fazendo campanhas austeras e curtas e disputas isonômicas. Nos próximos 15 dias teremos que encontrar respostas para estas questões.
247 – Por que nos próximos 15 dias?
Cândido – Porque precisamos aprovar esta reforma política até o final do semestre, deixando algum tempo para o Senado, onde ela terá que ser votada até o final de setembro. Eu creio que até o dia 25 de junho poderemos votar na Câmara, dependendo do acordo que conseguirmos firmar. Ainda há tempo.

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