Médico comenta estudo que sugere que combinação de ingestão diária de AF combinada com programa de treino de resistência teria benefício na melhoria da força e real ganho de massa magra
Por Guilherme Renke,
Rio de Janeiro
A nossa massa muscular esquelética compreende aproximadamente 50% do
nosso corpo. Ela é essencial para a locomoção, produção de calor durante
períodos de estresse ou frio. A massa muscular também é fundamental
para nosso metabolismo basal, ou seja, quanto maior a proporção da massa
muscular em relação aos outros tecidos como o adiposo, maior será o
nosso metabolismo. O tecido muscular possui um turnover, ou uma
taxa de síntese/degradação diária, que varia de 1% a 2% em indivíduos
saudáveis, assim as proteínas do músculo esquelético são continuamente
sintetizadas e degradadas.
A diferença entre a síntese de proteínas musculares (anabolismo) e a
degradação das proteínas musculares é denominada balanço proteico (net
protein balance). Portanto, períodos prolongados de um saldo positivo,
onde as taxas de síntese proteica são cronicamente superiores à taxa de
degradação proteica, estão diretamente relacionados com a hipertrofia
muscular. Em contraste, períodos de um saldo negativo (ex: sedentarismo,
jejum prolongado, exercícios aeróbicos em excesso, alimentação
hipoproteica e hipocalórica), onde as taxas de degradação muscular
excedem cronicamente a formação, ocorre depleção de proteínas
musculares, manifestando-se como a atrofia muscular que é muito comum
nos idosos e sedentários.
Porque ter uma boa massa muscular é importante para termos saúde a longo prazo?
A perda da massa muscular e da força (denominadas sarcopenia e
dinapenia, respectivamente) estão associadas com diminuição da
capacidade funcional, aumento no risco de quedas, fraturas,
incapacidades e doenças metabólicas. De fato, a sarcopenia e as
comorbidades associadas diminuem a qualidade de vida e estão intimamente
ligadas a um maior risco de mortalidade. Portanto, manter uma boa massa
muscular por toda a vida é fundamental para compensar a progressão de
doenças.
Até o momento, o mais efetivo meio para aumentar a massa, força ou
compensação do músculo esquelético perdido com o envelhecimento ou por
doenças permanece sendo a musculação ou qualquer exercício de
resistência combinado com o consumo adequado de nutrientes. Assim, a
massa muscular esquelética pode ser aumentada através de um programa de
exercícios de resistência. A resposta hipertrófica à sobrecarga mecânica
pode ser melhorada através de estratégias alimentares, como otimização
da ingestão de carboidratos, proteínas e estratégias de suplementação.
A nível celular, a sobrecarga mecânica, a ingestão correta de
nutrientes, e o uso correto dos suplementos esportivos tem como objetivo
atuar na ativação da via anabólica pelo complexo da proteína alvo da
rapamicina em mamíferos (mTOR). A via mTOR atua como um integrador de
sinais celulares e controla a síntese proteica, especificamente no
processo de iniciação da tradução de proteínas levando ao aumento da
massa.
Quais fatores e suplementos podem estimular a hipertrofia?
Vários fatores podem estimular e regular o anabolismo muscular e a via
da mTOR, especialmente fatores de crescimento (por exemplo, hormônios
como a insulina e o IGF-1 que é o fator de crescimento semelhante à
insulina tipo 1), os hormônios sexuais endógenos como a testosterona e a
dihidrotestosterona, a ingesta correta de aminoácidos, os estímulos
mecânicos (musculação) e o estado energético. Assim, a regulação da
atividade da mTOR por suplementos é algo extremamente estudado.
Sabe-se que a leucina (aminoácido de cadeia ramificada) é um importante
regulador da atividade anabólica ativando a via mTOR. Mas existem novas
substâncias que podem ajudar na hipertrofia muscular, e estudos mais
recentes sugerem os efeitos da suplementação com o ácido fosfatídico
(AF) na ativação da mTOR. Vários alimentos contêm AF, embora em pequenas
quantidades. As maiores quantidades de AF foram encontrados em vegetais
pertencentes à família Brassicaceae, tais como como repolho (Brassica
oleracea), que continha 700 nmol/g (aproximadamente 0,5 mg/g de AF).
Mas ensaios com humanos, em treinamento de resistência, têm utilizado
suplementos de AF com doses muito maiores variando de 250mg a 750 mg.
Assim, a quantidade de AF encontrada na dieta é insignificante com
propósitos de ganho de massa muscular sendo encontrada apenas como
suplemento.
Como o ácido fosfatídico pode favorecer o ganho de massa?
O uso exógeno do AF induz ganho de massa muscular mediado pela mTOR, no
entanto essa sinalização é diferente da AF endógena (produzida pelo
próprio organismo). O uso dos suplementos com AF favorece a sinalização
através de um mecanismo alternativo pela insulina e os fatores de
crescimento, que ativam o mTOR através de um mecanismo dependente de
PI3Ks. A fosfoinositídeos 3-quinases (PI3Ks) são uma família de enzimas
envolvidas em funções celulares tais como crescimento celular. Ou seja,
atua no crescimento muscular resultante da ativação da Akt. Por sua vez a
Proteína Kinase B (Akt) é necessária para a translocação do
transportador de glicose 4 (GLUT4) para a membrana plasmática induzida
pela insulina, o que resulta em aumento da síntese de glicogênio nos
músculos.
Os resultados da suplementação com AF são muito interessantes. Estudo
publicado em 2012 no Journal of the International Society of Sports
Nutrition examinou se a administração de ácido fosfatídico oral poderia
aumentar a força, a massa muscular durante um programa de treinamento de
resistência por 8 semanas. Nesse estudo, 16 homens, praticantes de
musculação, foram distribuídos aleatoriamente para um grupo que consumia
750 mg de AF ou um placebo. Durante cada sessão de teste, os indivíduos
foram avaliados quanto à força e composição corporal: os indivíduos que
ingeriram AF demonstraram um aumento de 12,7% na força de agachamento e
um aumento de 2,6% na massa muscular, enquanto os indivíduos que
consomem placebo mostraram uma melhora de 9,3% na força do agachamento e
uma variação de 0,1% na massa muscular.
Os resultados deste estudo sugerem que uma combinação de uma ingestão
diária de 750mg de AF, combinada com um programa de treinamento de
resistência de quatro dias por semana por oito semanas parece ter um
benefício provável na melhoria da força e um benefício real no ganho de
massa magra em indivíduos que praticam musculação.
Vale ressaltar que somente a suplementação com AF não traz resultados
no ganho de massa muscular. É necessária alimentação e/ou suplementação
de aminoácidos + carboidratos e sobrecarga mecânica (musculação). Todos
esses itens em conjunto induzem à sinalização mTOR através de mecanismos
divergentes de sinalização. Ou seja, esses estímulos podem atuar em
paralelo e sinergicamente para aumentar o anabolismo muscular e a
hipertrofia. Jamais faça automedicação ou suplementação sem
acompanhamento médico especializado.
Referências:
1.
Hoffman et al. Efficacy of phosphatidic acid ingestion on lean body
mass, muscle thickness and strength gains in resistance-trained men.
Journal of the International Society of Sports Nutrition (2012) 9:47.
2.
Bond P. Phosphatidic acid: biosynthesis, pharmacokinetics, mechanisms
of action and effect on strength and body composition in
resistance-trained individuals. Bond Nutrition & Metabolism
(2017) 14:12
3.
Shad B et al. The mechanistic and ergogenic effects of phosphatidic
acid in skeletal muscle. Appl. Physiol. Nutr. Metab. 40: 1233–1241
(2015).
*As
informações e opiniões emitidas neste texto são de inteira
responsabilidade do autor, não correspondendo, necessariamente, ao ponto
de vista do "boaspraticasfarmaceuticas" e do "Globo esporte"
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