A calibração de instrumentos na indústria
A atividade de calibração de instrumentos de medição constitui prática e
preocupação da indústria de uma forma geral, variando, de uma indústria para a
outra, o grau de atenção que é dispensado a esta importante atividade, em
função dos modelos de gestão e controle metrológico empregados.
Nesse contexto, as indústrias podem ser subdivididas em três grandes grupos:
(i) as que executam a calibração para atendimento a requisitos; (ii) as que
utilizam a calibração no controle de processos e (iii) as que fazem uso da
calibração como insumo estratégico do sistema de garantia da qualidade
internamente adotado. Cada uma dessas hipóteses é discutida nos itens
subseqüentes.
O enquadramento ou não das indústrias em um determinado grupo depende da
forma segundo a qual a atividade de calibração é efetivamente gerenciada,
variando em função do conhecimento e conseqüentes práticas dispensadas à
gestão da metrologia.
Esta classificação servirá, ao longo deste trabalho, para que se reflita e
identifique, tomando-se por base as especificidades pesquisadas, o estágio de
gestão em que se encontra um laboratório industrial de calibração Pode-se,
Capítulo1: Introdução 42
ainda, em função da classificação obtida, priorizar ações de revisão das práticas
adotadas.
1.2.1 A calibração para atendimento a requisitos
Neste grupo podem ser enquadradas as indústrias que executam as calibrações
dos instrumentos exclusivamente para comprovação de atendimento a
requisitos, ou seja, visam apenas à obtenção dos certificados de calibração
como evidência de atendimento a critérios normativos ou regulatórios que os
exigem.
Conforme conceituado pelo vocabulário internacional de termos fundamentais e
gerais de metrologia (VIM, 2000), calibração23 refere-se também à credibilidade
do desempenho de um padrão ou instrumento de medição.
Observa-se que este conceito abrange apenas o aspecto da ação de
comparação do desempenho de um determinado instrumento com um padrão de
referência, sem, entretanto, incluir qualquer consideração a respeito do
gerenciamento dos resultados dessa do processo de fabricação. É característica
própria deste grupo de indústria a supervalorização do certificado de calibração
acima dos reais benefícios que a calibração em si é capaz de agregar. Na
prática, este grupo de indústria executa a calibração sem uma análise criteriosa
dos resultados e efeitos da mesma no processo, ou seja, calibra-se sem a
aplicação ou uso dos dados constantes no certificado de calibração.
De acordo com a experiência do autor, existe infelizmente um expressivo grupo
de usuários que ignora ou desconhece a importância da confiabilidade
metrológica como elemento essencial da garantia da qualidade.
Conseqüentemente, não atribuem a devida preocupação ao resultado da
calibração propriamente dita, e tampouco fazem uso desses certificados de seus
próprios instrumentos, limitando-se à utilizá-los como demonstração documental
para atendimento de exigências e auditorias externas.
23 Conjunto de operações que estabelece, sob condições especificadas, a relação entre valores
indicados por um instrumento de medição ou sistema de medição ou valores representados por
uma medida materializada ou um material de referência, e os valores correspondentes das
grandezas estabelecidos por padrões.
Capítulo1: Introdução 43
1.2.2 A calibração no controle de processo
Já o grupo que faz uso da calibração para instruir o controle de processo reúne
indústrias que fazem um efetivo uso da atividade de calibração, caracterizando o
grupo de empresas que praticam de fato a chamada metrologia industrial.
Assim como as peculiaridades de cada área da metrologia científica, a
metrologia industrial preserva as especificidades práticas de cada segmento em
que se insere.
Pela sua natureza, a atividade da metrologia industrial requer que laudos
(pareceres sobre o estado metrológico atual dos instrumentos calibrados,
evidência objetiva) sejam sempre emitidos, assim caracterizando, de forma
precisa e sem ambigüidades, as reais condições de operação do instrumento de
medição, tendo em vista o processo no qual se encontra inserido. Ou seja, é
pela via da metrologia industrial que são estabelecidos os limites práticos
aplicáveis à indústria, componente da metrologia aplicada que se beneficia
diretamente dos avanços da metrologia científica.
Segundo essa tendência, que considera a calibração como base para instruir o
controle de processo e cujo preceito básico é compartilhado por um grupo bem
definido de indústrias, todo e qualquer resultado de medição é confrontado com
a referência obtida pela calibração. Essa é a forma segundo a qual são
estabelecidas as condições operacionais requeridas para cada processo de
medição. Associado a cada sistema instrumental instalado é definida uma
referência que permite ajustes eventualmente necessários para se adequar os
processos às condições operacionais ou zonas de aceitação24 (Albertazzi, 2003).
Essa mencionada confrontação ou possibilidade de ajuste pode ser executada
pelo usuário ou pelo laboratório industrial contratado, operação que, entretanto,
sempre deve ser feita.
O sistema de organização dos laboratórios de calibração das indústrias
enquadradas nesse grupo deve englobar aspectos específicos a esta atividade.
Alguns destes aspectos encontram-se bem caracterizados em documento
orientativo de interesse geral (SEBRAE, 2004), que assim se expressa “...dada a
abrangência e a grande diversidade de conceitos e tecnologias envolvidas, a
atividade metrológica requer infra-estrutura, procedimentos estruturados e
24 Entende-se como zona de aceitação o limite de especificação ajustado considerando o
desempenho do instrumento utilizado na inspeção.
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recursos humanos sistematicamente organizados para atender seu objetivo com
eficácia”. Todo esse esforço de organização sistematizada dos recursos parece
já refletir a conhecida assertiva de Sir William Thomson (1883) a respeito da
metrologia no processo: ”o conhecimento amplo e satisfatório sobre o processo
ou fenômeno somente existirá quando for possível medi-lo e expressá-lo através
de números”, ou ainda a afirmação de Deming “...para avaliar é preciso medir”.
Embora essas afirmações possam ser entendidas como uma colocação
visionária de aplicação efetiva da metrologia no processo, com sua respectiva
implicação na declaração dos resultados e condições operacionais, essa máxima
jamais foi contestada e constituiu-se em afirmação de impacto proferida por
renomados cientistas.
Para a efetiva confiabilidade dos resultados, a adoção de um modelo de gestão
da metrologia capaz de inserir o resultado da calibração no processo tornou-se
pré-requisito essencial (SEBRAE, 2004). Isto se dá pelo fato de não existir
gestão e garantia da confiabilidade dos resultados sem as devidas
considerações quanto ao desempenho da instrumentação utilizada, assim
provendo a evidência das condições de conformidade aos requisitos definidos.
Baseado nessa afirmativa, o modelo adotado pelas indústrias que aceitam esse
pensamento estimula e induz uma permanente interação entre os laboratórios de
calibração da instrumentação de processo e a atividade de produção
propriamente dita.
Apesar da inclusão dos resultados das calibrações no processo, este modelo de
gestão, descrito no parágrafo anterior, não se mostra completamente eficiente
pela ausência de uma postura preventiva, pois alguns aspectos gerenciais
relevantes, dentre os quais a gestão da não-conformidade, não se encontram
inseridos neste contexto. A manutenção dessas especificidades em um modelo
de gestão metrológica industrial está presente no grupo de indústrias que
utilizam a atividade de calibração como insumo da garantia da qualidade,
conforme discutido no próximo item.
1.2.3 A calibração como insumo da garantia da qualidade
Uma outra visão, distinta das anteriores, refere-se às empresas que fazem uso
da calibração como insumo estratégico do processo da garantia da qualidade.
Complementando as atividades executadas pelo grupo de indústrias que utiliza a
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calibração no controle de processo, este grupo possui outras regras globais de
gerenciamento das calibrações, atividades essas essenciais para um modelo de
gestão sistematizado e integrado, contemplando, além das áreas de calibração e
produção incluídas no modelo anterior, a garantia da qualidade.
Inseridas no grupo de atividades para um modelo de gestão metrológica
integrado, peculiar deste grupo de indústrias, estão as especificidades alvo desta
pesquisa. Cabe ressaltar que essas especificidades são essenciais, mas não
esgotam o universo das atividades das indústrias que se enquadram neste
grupo.
Assim, o modelo de gestão da metrologia industrial a ser adotado pelas
indústrias que se enquadram no grupo de empresas que percebem a calibração
como elemento para a garantia da qualidade, localizam-se as atividades
executadas por laboratórios que utilizam a calibração no controle de processo,
organizando um “pool” de atividades integradas às respectivas áreas
impactadas, i.e.: calibração, produção e garantia da qualidade. Este modelo de
gestão de ações integradas estabelece a garantia de que a metrologia industrial
seja efetiva e que atue de forma preventiva às não-conformidades. Na visão de
Hayrton Filho (2003), “...é bom considerar que a implantação de um controle
metrológico tem se tornado uma questão de sobrevivência para as organizações
tendo em vista o ambiente competitivo cada vez mais exigente em que estão
inseridas”, esta afirmativa revela a importância da adoção de um modelo no qual
o resultado da calibração deve sempre ser considerado e efetivamente utilizado
como insumo estratégico para atendimento dos pré-requisitos da qualidade e da
produtividade.
1.3 A calibração na indústria farmacêutica
A atividade de calibração de equipamentos de medição constitui prática usual na
indústria farmacêutica, desde sua gênesis, época em que as boticas utilizadas
para a pesagem e conseqüente dosagem dos ativos visavam o atendimento às
prescrições.
Tradicionalmente um segmento industrial voltado para a manutenção da
qualidade de seus produtos, a indústria farmacêutica já executava, mesmo antes
do surgimento das normas da série ISO 9000, a calibração dos instrumentos
utilizados no processo fabril, quando se acreditava, em função da interpretação
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dos requisitos normativos ou regulatórios, que exclusivamente esta atividade
poderia garantir a qualidade dos resultados. Portanto, conforme descrito em
1.2.1, enquadra-se no grupo de indústrias que pratica a calibração notadamente
para atendimento a requisitos. A calibração para atendimento a requisitos é, a
despeito de qualquer juízo que se faça, considerado o ponto de partida para a
implementação de um modelo de gestão metrológica como elemento para a
garantia da qualidade.
O aumento das exigências regulatórias, formação de livres mercados e o
crescente aumento da competitividade forçaram este segmento a repensar os
seus conceitos operacionais. O modelo de gestão operacional, anterior à lei dos
genéricos e das patentes, não mais era suficiente para assegurar a manutenção
do market-share25, pois os rejeitos e retrabalhos indicavam baixa produtividade.
Este cenário levou as indústrias a adotarem medidas de readaptação,
principalmente motivadas pelas técnicas de controle estatístico de processo,
requisitos da produtividade e confiabilidade dos resultados. No Brasil, este
movimento ainda dá-se de forma gradual em função da ausência de uma cultura
voltada para a produtividade, pois tudo que anteriormente se fabricava se vendia
ao preço de custo da produção.
Até meados da década de 1990, a atenção e conseqüentes benefícios
provenientes da aplicação dos conceitos metrologicamente adequados aos
processos, certamente por questão de prioridade, pois “o que se fabricava se
vendia”, ainda não havia sido considerada nos planos estratégicos das indústrias
farmacêuticas. Essa ausência de preocupação com os aspectos metrológicos
pode ocasionar os já citados problemas de rejeitos ou retrabalhos (Wendle,
2003). Esses problemas, com fortes impactos econômicos, deve-se a uma
postura que negligenciava aspectos de produtividade pelos altos ganhos obtidos
em mercados de baixa concorrência. Tal comportamento não era privilégio deste
segmento industrial, mas de um panorama de reserva de mercado, que
atualmente já não se faz presente.
No contexto do cenário contemporâneo, a atividade de calibração se insere
como fator imprescindível para o aumento da competitividade que induz ganhos
de produtividade e condições para a manutenção desse promissor no mercado.
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