Tem gente que tem mania de pôr a culpa nos outros. Acha que sempre é um coitado, uma injustiçada, que o outro não lhe deu o aquilo que se esperava, e que por isso não pode ser feliz. A culpa é do outro.
Por outro lado, tem gente que gosta de assumir a culpa. Acha que tudo o que acontece é por sua causa. É quase um narcisista, que acredita que pode influenciar – negativamente – quase todas as coisas do mundo.
Clinicamente, para que uma análise aconteça, é preciso que o paciente faça “retificação subjetiva”. Segundo Antônio Quinet (2000), “trata-se de uma mudança de posição subjetiva, na qual o sujeito passa da demanda de amor para demanda de saber sobre si mesmo e, em alguns casos, ocorre uma implicação subjetiva ao transformar a pessoa em sujeito.”
Parece muito técnico para aqueles que não são da área “psi”. Mas nada mais é que deixar de pôr a culpa no outro para se responsabilizar por suas escolhas. Eu disse responsabilizar, o que é muito diferente de culpar.
Há aqueles que acham que são vítimas de um mundo cruel, que acham que evoluem quando culpam a si mesmos. Há aqueles que acham que a culpa do mundo é sua, e acham que quando aprendem a pôr a culpa no outro, estão indo bem.
Enquanto as coisas estão no plano da culpa, não há grandes diferenças. Exemplifico. Se a moça come quando está nervosa, sente-se culpada, mas ainda assim continua repetindo sua compulsão. E se sentindo culpada. Se ela aprende a pôr a culpa na mãe, que sempre lhe regulou a comida, a culpa é da mãe. E ela continua comendo. Nada resolvido.
Se o moço acha que ganha pouco no trabalho para sustentar a família, se sente culpado porque não pode dar alguns luxos aos seus dependentes. Não dorme à noite. Se ele aprende a pôr a culpa na esposa, que não trabalha fora, continua achando que ganha pouco, continua sem dormir, a família continua sem os luxos.
A modernidade nos dá muitos meios para colocarmos a culpa em alguém. Ora a culpa é da medicação, que ainda é ineficaz, e então para dormir, é preciso aumentar a dose. Ora a culpa é dos genes, que afinal de contas, são os culpados por tudo hoje em dia. Depressão, déficit de atenção, transtorno bipolar, etc. Tudo “é genético”. Ou seja, é assim mesmo, e ponto final. Triste e confortável. A vida passa.
Por outro lado, há algo que se chama responsabilidade. O que é muito diferente de culpa. Se eu me responsabilizo por minhas dores, depressões, tristezas, comidas, insônias, aí é diferente. Não é minha culpa, é minha responsabilidade. Ou seja, há, sim, o que fazer. Se é minha responsabilidade, vou dar um jeito nisso. Ok, eu falhei, mas vou dar um jeito nisso. Aí a moça pode parar para pensar porque é que precisa comer, para resolver a causa, e não a conseqüência. Aí o moço pode pensar por que escolheu aquele emprego ou aquela esposa, o que quer com isso. A culpa paralisa, a responsabilidade dá movimentos.
A vida é feita de escolhas. Mas não escolhas aleatórias, ao acaso. São escolhas de vida. Escolhas do que se quer, escolhas do que se deseja. Ainda quem acha que não escolhe, está escolhendo algo. Quem quer se manter no mesmo lugar, está escolhendo se manter no mesmo lugar. Qual é a satisfação que pode manter uma pessoa em uma situação que lhe causa sofrimento? Veja bem: eu disse satisfação, e não prazer. Toda escolha envolve alguma satisfação. Esse lugar, Lacan chamou de gozo. Trata-se de um lugar que traz algo de sofrimento, mas que traz também algo de satisfatório. Paradoxo? Claro, como tudo o que é vivo.
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