6.15.2013

As armadilhas do cérebro para sabotar a sua dieta

Novas pesquisas revelam os mecanismos cerebrais que levam as pessoas a comer mais. saiba como driblar essas ciladas da mente e resistir às tentações

Cilene Pereira e Monique Oliveira

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No esforço para reduzir a epidemia mundial de obesidade, a ciência tem centrado seu empenho em descobrir todos os fatores que propiciam o acúmulo de peso. Nesse campo, a última das principais descobertas joga luz sobre o papel do cérebro na questão. E, ao que parece, muitas vezes ele mais trabalha contra do que a nosso favor. Engendra armadilhas que impulsionam as pessoas a comer mais, a resistir menos, a fazer as escolhas erradas. Tudo isso sem que elas se deem conta de que estão sob sua influência. Ou seja, engordam, sem perceber que estão sendo levadas a isso.
As informações reveladas pelas pesquisas mais recentes apontam vários mecanismos pelos quais o cérebro tenta sabotar os esforços para emagrecer. O primeiro deles remonta ao início da evolução humana, quando o homem lançava mão de todas as estratégias para sobreviver. Entre elas estava o armazenamento da maior quantidade possível de energia obtida a partir dos alimentos – uma garantia de que o corpo teria combustível suficiente para funcionar mesmo em condições adversas. Foi algo útil naquelas circunstâncias, mas hoje perdeu o sentido. Trata-se, porém, de um estratagema gravado na memória. Por isso, a cada situação que o cérebro entende como uma ameaça ao estoque energético do organismo, a resposta é a mesma: uma ordem para guardar mais calorias. Instintivamente, o indivíduo vai procurar consumir as opções com maior teor calórico – leia-se, alimentos com mais gordura e açúcar – e haverá reações cerebrais para reduzir o ritmo metabólico.
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Isso fica claro quando se analisam, por exemplo, as conclusões dos novos estudos a respeito do impacto da falta de regularidade na ingestão de alimentos. Um dos mais recentes foi realizado na Cornell University (EUA). Os cientistas acompanharam as reações de 68 voluntários. Parte comeu algo horas antes de ir a um supermercado e a outra metade, não. Aqueles que entraram com fome não só compraram mais produtos como adquiriram 31% mais artigos com alto conteúdo calórico. Foi o cérebro mandando sinais para assegurar aporte energético. “Até pequenos períodos sem comer podem levar a escolhas em que são privilegiados os alimentos calóricos em detrimento dos saudáveis”, disse Brian Wansink, autor do trabalho. “Por isso, a melhor coisa a fazer é não pular refeições.”
Situação semelhante ocorre quando se dorme mal ou menos horas do que o necessário. O cérebro entende esses episódios como ameaças ao estoque de energia para o dia seguinte. Trabalha para dar mais combustível a um organismo que, na sua avaliação, precisará de mais esforço para vencer a jornada. Na Columbia University (EUA), os cientistas constataram uma reação interessante. Depois de acompanharem as respostas cerebrais de 25 indivíduos após oito horas de sono e depois de apenas quatro horas de descanso, eles verificaram que quando os participantes estavam sonolentos apresentavam uma reação mais intensa diante de imagens de opções muito calóricas e que apresentavam uma composição nutricional mais variada. “Nessas horas, ninguém procura um doce de abóbora”, explica o psiquiatra Adriano Segal, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade. “Esse doce não concentra outros nutrientes necessários à vida, como proteí-na e carboidrato. É mais fácil recorrer a um pudim, que possui ambos.”
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A herança ancestral se manifesta também no funcionamento do relógio biológico. Ele foi programado para impelir o organismo a ter fome de doces à noite – para guardar energia visando o dia seguinte. “Isso serviu no passado, mas hoje aumenta o risco de ganho de peso”, afirmou à ISTOÉ Steven Shea, da Oregon Health & Science University (EUA). Ele conduziu um experimento no qual essa vontade de comer açúcar ficou patente a partir do entardecer. “E se você fica acordado até mais tarde, no período em que naturalmente tem mais fome por doces, comerá mais calorias, não irá gastá-las porque irá descansar depois e terá seu sono prejudicado”, disse o pesquisador. “Tudo isso leva à obesidade. Por isso, durma cedo.”
O consenso científico nesse ponto é de que as refeições mais fartas e calóricas devem ser as primeiras do dia. “As pessoas devem fazer um ótimo café da manhã o mais cedo possível e depois diminuir a quantidade de calorias ingeridas”, disse à ISTOÉ Marta Garaulet Aza, da Universidade de Murcia, na Espanha, coautora de uma experiência na qual foi constatado que pessoas habituadas a comer mais tarde perdem menos peso.
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Ao longo da evolução, o cérebro também foi sendo condicionado a interpretar a comida como fonte de prazer. É o que os cientistas chamam de fome ligada ao hedonismo. “Estudos comprovam a existência de mecanismos de neuroadaptação que nos levam a procurar recompensas emocionais, que atuarão nos nossos controles hormonais, em busca da manutenção da vida”, diz a nutricionista Alessandra Luglio, de São Paulo. Isso quer dizer que o órgão estimula o consumo de alternativas associadas a alto conteúdo calórico e também a maior sensação de bem-estar. É por essa razão que ninguém procura compensação em um prato de salada. Vai buscá-la em um pedaço de bolo, de chocolate ou em um hambúrguer.
Há dois problemas nessa armadilha. Além de serem muito calóricos, descobriu-se recentemente que alimentos como esses contêm nutrientes capazes de disparar, no cérebro, uma espécie de dependência. “A ingestão alimentar é controlada por fatores cognitivos, emocionais e de recompensa, envolvendo a mesma via neuronal pela qual é processado o vício em uma determinada substância”, afirma a nutricionista Elaine de Pádua, de São Paulo. De fato, após serem ingeridos, eles ativam em cheio o centro cerebral vinculado à dependência. Por isso, a ingestão constante desse gênero de produtos fará com que o indivíduo seja induzido a querer sempre mais para sentir o mesmo prazer.
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E de forma impulsiva, em muitos casos. Afinal, como revelou um trabalho feito na Universidade de Iowa (EUA), anunciado na última semana, os circuitos cerebrais envolvidos em comportamentos obsessivos-compulsivos estão conectados aos que controlam a ingestão de comida. “Pequenas perturbações nesse sistema podem levar à obesidade porque incentivam o consumo em demasia de opções gordurosas”, disse Michael Lutter, autor do trabalho.
Esses mecanismos explicam, por exemplo, por que é difícil comer apenas uma batatinha frita ou poucas pipocas. Simplesmente não se consegue parar. “São alimentos ricos em gordura e carboidratos, que estimulam mensagens de prazer para o cérebro e podem levar à dependência”, disse à ISTOÉ Tobias Hoch, da FAU Erlangen-Nuremberg, da Alemanha, estudioso do tema. Além disso, podem acionar os tais circuitos cerebrais vinculados a comportamentos obsessivos. Ou seja, provavelmente serão consumidos vorazmente, até o fim.
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E há mais informações indicativas de como o cérebro pode trabalhar contra. Em uma pesquisa divulgada na última semana, cientistas da Universidade de Wurzburg, na Alemanha, descobriram que, quando se está triste, a tendência não é só procurar opções mais gordurosas. A pessoa também tem reduzida sua habilidade de sentir quanto de gordura está ingerindo. É como se um véu descesse temporariamente sobre o paladar – e o indivíduo perde a conta de quanto está consumindo de algo que o fará ganhar alguns quilos.
Para tornar ainda mais difícil a briga contra a balança, o cérebro reage melhor a refeições repletas de gordura e açúcar, mesmo quando elas são menos saborosas do que outras, saudáveis. Cientistas da Universidade de Yale (EUA) provaram este efeito. Por meio da análise de imagens do cérebro de participantes após a ingestão de bebidas mais e menos açucaradas, eles viram que a sensação de satisfação era maior com as mais doces, mesmo com os voluntários achando as menos adocicadas mais saborosas.
O consumo constante de alimentos gordurosos provoca outros danos que levam à obesidade. O primeiro é ao funcionamento do hipotálamo, estrutura do cérebro responsável pela sensação de fome. Pesquisadores da Universidade de Washington (EUA) identificaram um processo de inflamação, e consequente lesão na região onde ele está localizado, deflagrado apenas três dias depois da ingestão de uma dieta rica em gordura. A observação foi feita em animais “Quando o cérebro está inflamado, o hipotálamo tem dificuldade de relacionar a ingestão versus saciedade”, explica a nutricionista Liliane Moitinho, do Rio de Janeiro. “Os prejuízos gerados pela inflamação podem reduzir o controle da pessoa sobre seus hábitos alimentares”, complementa a nutricionista Madalena Vallinoti, de São Paulo.
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O mesmo trabalho de Washington registrou que o consumo exagerado de gordura provoca ainda uma diminuição de 25% no número de determinadas células que desempenham papel importante no controle do peso, ajudando a regular o apetite. Mais um golpe contra qualquer tentativa de emagrecer.
Encher o prato com escolhas repletas de gordura e açúcar ainda prejudica o raciocínio, o que interfere no processo de tomada de decisão. “O alto consumo desses nutrientes tem impacto negativo no funcionamento do cérebro”, explicou o cientista Rosebud Roberts, da Clínica Mayo (EUA). Ele foi um dos pesquisadores que constataram um declínio cognitivo em pessoas habituadas a ingerir refeições gordurosas e com muito açúcar. Com o raciocínio enfraquecido, a tendência é errar no momento de optar entre o que faz bem, mas não parece tão atraente, e o que faz mal, mas salta aos olhos.
Essas informações reforçam a convicção científica de que, quando o assunto é obesidade, as pessoas podem não estar tanto no controle quanto pensam. Por outro lado, a mesma linha de pesquisa que embasa essa conclusão apresenta algumas estratégias para neutralizar as tentativas cerebrais de sabotagem. Nos últimos anos, dezenas de experimentos com o cérebro deixam patente que é possível treiná-lo – e, em muitos casos, enganá-lo (leia no quadro abaixo).
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Uma das armas que podem ser usadas é a memória. Uma experiência da Universidade de Bristol, na Inglaterra, revelou que somente a lembrança de ter saboreado uma farta refeição pode ser suficiente para deixar as pessoas com menos fome, mesmo horas depois do repasto. Os cientistas mostraram a voluntários pequenas ou grandes porções de sopa pouco antes do almoço. Em seguida, deram a cada um deles porções de tamanhos similares. Três horas após terem sido alimentados, os que tinham visto as frações maiores manifestavam menos fome. Vinte horas depois, a saciedade entre este grupo permanecia mais forte. “Esse estudo expõe o papel da cognição no controle da fome”, disse Jeffrey Brunstrom, líder do trabalho.
Uma pesquisa feita na Universidade de Cornell (EUA) comprova a tese da importância da mente quando ela é usada a nosso favor. Dois grupos de participantes foram investigados para saber como se sentiam 15 minutos depois de comer chocolate, torta de maçã e batatinha frita. Metade ingeriu frações grandes, que totalizavam 1,3 mil calorias. O restante foi alimentado com o equivalente a 195 calorias. “Os que comeram mais não ficaram mais saciados do que os que comeram menos”, escreveram os autores do trabalho. “Pequenas porções proporcionam satisfação similar à promovida pelas grandes. Então, da próxima vez que quiser um pedaço de bolo, lembre-se de que você pode ficar feliz com um pedaço menor”, aconselhou a cientista Ellen van Kleef. E se tiver um aroma mais forte, melhor ainda. Segundo experiência divulgada na revista científica “Flavour”, quanto mais intenso o cheiro do alimento, menor o tamanho das mordidas. “E as pessoas comem menos se a mordida for pequena”, disse à ISTOÉ René de Wijk, autor do trabalho que registrou uma redução de 5% a 10% no tamanho das mordidas quando a opção tinha um aroma mais pronunciado. 

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