Manifestantes de movimentos sociais voltam às ruas das grandes capitais e são reprimidos com uma truculência injustificável e desproporcional, que não é vista desde os tempos da ditadura
Consultor Petista
Quem leva um lança-chamas para uma manifestação
está em busca de quê? De paz? Não parece. Também se viram coquetéis
molotov, rojões, paus, pedras e o infalível spray, que vai sujando tudo.
Quase 300 ônibus foram depredados. Estações de metrô foram seriamente
danificadas. Desde o primeiro dia, os líderes das manifestações deram
inúmeras declarações afirmando que a manifestação seria pacífica, sim,
desde que a polícia se comportasse. O que significa? serão pacíficos
desde que possam o que quiserem
( Consultor petista: comentário retirado do Jornal O Globo)
PRAÇA DE GUERRA
Na quinta-feira 13, PM cerca manifestantes na rua da Consolação, em São Paulo,
que protestavam pacificamente e usa balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo
O retorno da Polícia Militar a sua face mais violenta ocorreu num dia que até prometia uma jornada de calmaria. Num esforço para evitar a confusão da quarta-feira 12, quando 97 ônibus foram depredados, dezenas de vitrines foram quebradas e até um policial correu o risco de ser linchado, numa sucessão de atos condenáveis promovidos por baderneiros mascarados, infiltrados entre os manifestantes, autoridades e ativistas fizeram um acordo para realizar uma passeata em percurso autorizado. Já no início da tarde, no entanto, se viu que nem todas as partes pretendiam cumprir o combinado.
PARIS, 1968 Havia confrontos e o desejo de mudar o mundo
SÃO PAULO, 11/06/2013, baderneiros se aproveitam
de movimento para depredar patrimônio público e privado
SEM COMANDO
Policial lança gás de pimenta contra cinegrafista no centro de SP
Falta ação da polícia para reprimir o crime, mas sobra
força para repreender a população de forma arbitrária
Apesar destes percalços, o acordo parecia de pé. Tanto que a passeata
autorizada realizou-se sem maiores atropelos, na área demarcada. Mais
tarde, quando a caminhada atingia a rua da Consolação, ocorreu um
episódio que faz parte do figurino de todo ato de protesto que se preze.
Depois de cumprir o combinado, tentou-se ir mais além. Não é uma
demonstração de cavalheirismo, nem de amor a palavra empenhada, mas faz
parte do jogo tanto por parte de quem organiza protestos como de quem
presta serviços policiais. A faísca acendeu ali. A PM poderia ter
assumido duas atitudes razoáveis. Manter a avenida bloqueada, impedindo
que a marcha seguisse em frente, nem que fosse preciso pedir reforços.
Ou poderia, num ato de insólita cortesia, abrir passagem para os
manifestantes. Não se fez uma coisa nem outra. Quando lideranças do
movimento tentavam negociar uma nova autorização, soldados da Tropa de
Choque começaram os disparar tiros com balas de borracha. Bombas e até
granadas foram atiradas sobre os manifestantes, que se dispersaram em
correria pela rua mais célebre da boemia de São Paulo, a Augusta, onde
foram atacados mais uma vez. Num esforço repetido de concentração e
dispersão, sempre com policiais em seu encalço, a passeata seguiu em
grupos menores, até tarde da noite. Ainda em atividade, a polícia
importunou casais de namorados em bares da avenida Paulista. Passageiros
de um ônibus foram atingidos por uma bomba de gás. Motoristas
abandonaram os carros nas ruas, assustados. Num reflexo típico de tempos
autoritários, a PM investiu com dureza seletiva sobre jornalistas
presentes. A fotógrafa Giuliana Vallone, da Folha de S. Paulo, tomou um
tiro de bala de borracha no olho. Outro fotógrafo também foi alvejado
com maior periculosidade e na sexta-feira 14 corria o risco de perder
uma vista.força para repreender a população de forma arbitrária
...Enquanto isso, em Paris
Em meio à crise nas ruas, o prefeito paulistano Fernando Haddad, o vice-presidente
Michel Temer e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin,
encontravam-se em Paris na terça-feira 11 em solenidade
Num cálculo do DIEESE, realizado em Porto Alegre, mas que tem semelhança com o que aconteceu no país inteiro, as passagens subiram 670% de 1994 para cá – contra uma inflação de 281%. Nesse ritmo, um cidadão paulistano que anda de ônibus duas vezes por dia e paga a passagem com dinheiro do próprio bolso deixa, na catraca, o equivalente a três meses de salário mínimo por ano. É uma boa quantia, mesmo quando se recorda benefícios recentes como o bilhete único e o vale transporte, que transfere grande parte do custo das passagens de funcionários de baixos salários, com registro em carteira, para a empresa. O encarecimento dos transportes tem levado um número cada vez maior de pessoas a andar a pé pelas grandes cidades. Falta-lhes dinheiro até para embarcar numa sardinha em lata nas horas de pico.
CAVALARIA INCONSEQUENTE
Na rua da Consolação, em São Paulo, polícia montada parte pra cima de manifestantes na quinta 13.
Desta vez, não havia os tumultos provocados por minorias no dia anterior (abaixo)
O cidadão que anda de ônibus duas vezes ao dia deixa na
catraca três salários mínimos por ano. há razões para protestar
Nos últimos anos, a sucessão de protestos levou ao surgimento, em
vários pontos do país, do Movimento Passe Livre, uma federação de
estudantes – muitos já se formaram desde então – com ideias esquerdistas
de várias famílias, e uma prática de quem rejeita toda submissão a
partidos políticos. Em São Paulo, o MPL tem raízes entre universitários
da USP e estudantes de estabelecimentos frequentados por uma elite
cultural de esquerda, como Escola da Vila, Vera Cruz, Oswald e o
Colégio Equipe, mas é o centro nervoso de uma articulação maior e mais
popular, com conexão com sindicatos e entidades da periferia. Seus
encontros reúnem militantes selecionados, funcionando de acordo com
princípios de horizontalidade. Não há hierarquia formalizada. Todos têm
direito a usar a palavra pelo tempo desejado por cada um – e por essa
razão alguns debates podem prolongar-se por até 12 horas. As
deliberações não são obtidas pelo voto, mas por um esforço permanente
para se obter consenso. Praticantes de uma escola política que tem suas
origens em movimentos radicais do século XIX, eles cultivam uma utopia
urbana radical. Condenam o que chamam de “ mercantilização” do
transporte público e defendem a cobrança de tarifa zero – isto é, o
transporte gratuito. Este sistema que costuma funcionar em cidades
menores, em especial na Europa e em alguns estados norte-americanos,
também foi implantado em três cidades brasileiras. São localidades
pequenas, como Agudos, em São Paulo, Porto Real, no Rio, e Ivaiporã, no
Paraná. A população de todas elas, somadas, não chega a 100 000
habitantes. Quando era prefeita de São Paulo, Luiza Erudina chegou a
elaborar uma proposta de tarifa zero, mas não levou o projeto adiante.
Em público ou em conversas reservadas, os militantes do MPL condenam
atos de vandalismo como uma espécie de contra senso, pois prejudicam
aquilo que gostariam de preservar – que são estações de metrô, pontos de
ônibus e o espaço público em geral. “A gente não apoia nenhum tipo de
depredação, seja de ônibus ou de estação de metrô”, diz o universitário
Caio Martins Ferreira. “Tentamos conter, mas é difícil. A gente não é
dono de ninguém para dizer quem deve fazer o que,” diz.catraca três salários mínimos por ano. há razões para protestar
Com outros nomes e rostos, mas um ideário parecido, eles já apareceram em outros lugares. Na quinta-feira, eles surgiram entre as mobilizações em Porto Alegre. Picharam 21 lojas, depredaram seis agências bancárias, reviraram 40 containers de lixo. Em situação semelhante, 2 mil pessoas organizaram um protesto no Rio, no mesmo dia. O início foi pacífico, mas, no final, ocorreram cenas de baderna e confronto. Há dois anos, anarco-punks fizeram sua aparição à frente de uma sequência de atos selvagens em Teresina, no Piauí. Escondiam o rosto com capuz e se apresentavam como militantes de um certo “Movimento Anti-Capitalista”. A exemplo do que ocorreu em São Paulo, não surgiram nos primeiros dias das mobilizações, mas naquela etapa em que o movimento já tinha força própria. Já chegaram quebrando bancos e vitrines de loja, incendiando ônibus. “Consegui marcar uma conversa a sós com um deles,” conta o senador Wellington Dias, ex-governador e principal liderança política do Estado “Queria entender o que pretendiam. É outro mundo. Eles eram contra o sistema. Queriam quebrar tudo. São adversários de toda autoridade, desprezam as leis. O simples fato de encontrar-se com um político, como eu, já era perigoso e condenável.”
RIO DE JANEIRO
Na capital carioca, ato na Candelária que começou pacífico, terminou
com violência e depredação de prédios e monumentos históricos.
Protestos no centro da cidade foram liderados por militantes do PSTU
PORTO ALEGRE
Na capital gaúcha, dezenas de manifestantes se concentraram em frente
do prédio da prefeitura, que tinha a entrada isolada por cordas e vigiada
pela Guarda Municipal, durante reivindicação contra o aumento da tarifa
Tudo parecia acertado, mas faltou combinar com o principal interessado – o passageiro, que teria de colocar a mão no bolso e entrar com sua cota de sacrifício. Embora o reajuste das passagens seja um pesadelo histórico na rotina dos prefeitos de grandes cidades, que nem sempre enfrentam protestos portentosos, mas nunca são capazes de evitar quedas abruptas em seus índices de aprovação popular depois que o cidadão comum sente o golpe, o reajuste foi encaminhado como se fosse a coisa mais natural do mundo. “Eles esqueceram que por trás de uma decisão técnica sempre há uma questão política,” afirma Lucas Oliveira.
Manifestações chegam a vários pontos do país
e ganham causas diversas, da saúde à educação
No início dos protestos, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad se
encontravam em viagem em Paris, ao lado do vice-presidente Michel Temer.
De lá mesmo informaram que não pretendiam modificar o reajuste. Numa
argumentação que repetiu ao voltar ao Brasil, Alckmin explicou que o
caixa do governo não tinha recursos para subsidiar o preço baixo.
Haddad lembrou que, na campanha eleitoral, assumira o compromisso de
fazer reajustes abaixo da inflação – o que fez, efetivamente. Tanto o
prefeito como governador tem argumentos. Mas as manifestações
expressaram outra realidade, mais exigente e inconformada – e são elas
que aguardam respostas. Mas não as que a PM, com força violenta e
desproporcional, deu.e ganham causas diversas, da saúde à educação