6.29.2015

Intolerância religiosa impede ritual no Cemitério de Campo Grande

Seguidores do Candomblé denunciam proibição de realizar cerimônia de despedida para familiar antes de enterro

FLAVIO ARAÚJO
Rio - Os 43 anos que Vonduce Cleuza de Jesus Pereira, de 63 de idade, se dedicou aos ritos do Candomblé não garantiram a ela paz na hora da morte. Em um novo caso de intolerância religiosa, a família da idosa denuncia que foi impedida de velar o corpo e realizar seus rituais ontem, durante o enterro dela no Cemitério de Campo Grande.
“Desculpe a palavra, mas isso é sacanagem. Nos impediram de usar a capela e fomos obrigados a alugar uma fora do cemitério por R$ 170. Eu ainda soube que irmãos de santo pagaram mais R$ 100 para poder entoar nossos cantos. Não temos nada contra a religião de ninguém e havia famílias lá orando por seus mortos, com cânticos evangélicos. Por que nós não podemos?”, questionou o sobrinho de Vonduce, o vigilante Luiz Marques, de 46 anos.
Kayllane Campos encontrou com o ministro da Secretaria Nacional de Direitos Humanos ontem, no Rio
Foto:  Carlos Moraes / Agência O Dia
O caso vai ser acompanhado pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio, que recomendou à família fazer registro na delegacia policial. “É discriminação e também extorsão. É preciso que os responsáveis, no caso os funcionários desse cemitério, sejam punidos exemplarmente. Hoje (ontem) mesmo, também alertamos os poderes estadual e municipal, pois neste momento as duas esferas estão discutindo a questão do preconceito nos cemitérios”, explicou o presidente da comissão, o professor e babalaô Ivanir dos Santos.
Conhecida na religião de matriz africana como Dofona Cleuza D’Ogun, Vonduce era de família muito humilde e foi enterrada em uma cova rasa. Moradora do bairro da Zona Oeste, seu sepultamento estava marcado para as 10h30 de ontem. “Com a confusão que fizeram por pura discriminação, minha tia só foi enterrada às 16h30. Foi desesperador para a família, uma verdadeira humilhação”, desabafou Luiz Marques.
O DIA tentou contato com a concessionária Rio Pax, que administra o Cemitério de Campo Grande. No site da empresa, os telefones disponibilizados só funcionam para a marcação de enterros. A funcionária que atendeu informou que a concessionária não possui assessoria de imprensa e forneceu os telefones do Cemitério de Campo Grande. Nestes números, ninguém atendeu as ligações feitas entre as 18h e 19h de ontem.
Menina apedrejada diz a ministro que quer respeito e liberdade
“A menina Kayllane Campos, de 11 anos, agredida com uma pedrada por intolerância religiosa, encontrou na manhã de ontem com o Ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Pepe Vargas. Acompanhada por familiares e representantes de várias religiões, ela entregou um abaixo assinado com 35 mil assinaturas ao ministro para que seja criado o Plano Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.
A audiência pública, que aconteceu na Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, foi convocada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Kayllane se manifestou para pedir respeito e liberdade religiosa. “Peço respeito para que eu possa sair de branco. Que eu possa sair na rua sem levar outra pedrada", contou.
O ministro Pepe Vargas afirmou que a pasta tem tomado iniciativas, não só para evitar intolerância religiosa, mas também elaborando campanhas para outras minorias. Vargas contou que discute medidas inclusivas com o Ministério da Educação. O ministro afirmou que 10% das denúncias que chegam ao Disque 100 sobre intolerância religiosa acontecem dentro das escolas.
O presidente da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), Ivanir dos Santos, também cobrou medidas políticas do ministro e anunciou que no dia 18 de agosto irá lançar um dossiê nacional com dados sobre intolerância em todo o Brasil. Ele estuda acionar o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
Outro lado
A concessionária Rio Pax respondeu ao DIA sobre a denúncia de que houve intolerância religiosa no enterro da candomblecista Vonduce Cleuza de Jesus Pereira, de 63 de idade, na sexta-feira, no Cemitério de Campo Grande. Segundo denúncias da família, publicadas com exclusividade pelo jornal, os ritos da religião de matriz africana foram proibidos nas dependências do cemitério por funcionários.
De acordo com a empresa, 'não há nenhum tipo de intolerância religiosa nos cemitérios do Rio de Janeiro, e o que existe é a observância das normas e legislações vigentes'. Ainda de acordo com a Rio Pax, funcionários poderão ser demitidos, se constatada a intolerância ou discriminação.
Sobre a denúncia de que a família precisou pagar R$ 100 para poder entoar cânticos durante o funeral, a concessionária informou que está apurando a suposta participação de funcionários, assim como a Polícia Civil, que registrou a queixa dos parentes de Vonduce.
A empresa também argumenta que não há, ainda, por parte das autoridades religiosas, informações sobre os ritos a serem seguidos em funerais e se eles contrariam as normas vigentes e legais para a realização de cerimônias religiosas dentro de cemitérios.
Diz a nota da Rio Pax: 'Foi solicitada às entidades religiosas do Rio a elaboração de uma cartilha especificando os ritos a serem desenvolvidos dentro da legalidade no interior dos cemitérios para que os funcionários sejam orientados sobre o que permitir. A administração dos cemitérios aguarda essa informação dessas entidades'.
A empresa encerra o comunicado informando que possui assessoria de imprensa, apesar de a funcionária Mayara, que atendeu as ligações do DIA na sexta-feira, ter informado o contrário. A nota oficial da concessionária não explica, porém, por que os telefones da assessoria não estão disponibilizados no site para facilitar o contato.
Com 43 anos de Candomblé, Vonduce Cleuza de Jesus Pereira, seria enterrada às 10h30 de sexta, mas, segundo seus familiares, a confusão feita por funcionários da Rio Pax, no Cemitério de Campo Grande, adiou a cerimônia até as 16h30.
“Desculpe a palavra, mas isso é sacanagem. Nos impediram de usar a capela e fomos obrigados a alugar uma fora do cemitério por R$ 170. Havia famílias lá orando por seus mortos, com cânticos evangélicos. Por que nós não podemos?”, questionou na sexta-feira, o sobrinho de Vonduce, o vigilante Luiz Marques, de 46 anos.

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