Um tratamento experimental que bloqueia o transporte de gorduras diminui este processo em ratos
O grupo de Salvador Aznar é especializado em um tipo de célula-mãe que está presente nos tumores e cujo papel é potencializar seu crescimento. Estudando o comportamento destas células em amostras de carcinoma oral humano encontraram uma subpopulação que pouco se dividia e apresentava características muito semelhantes às das células da metástase. Além disso, estas células mostravam um metabolismo muito elevado das gorduras, o que chamou a atenção dos pesquisadores.
Os cientistas decidiram estudar a proteína CD36, uma molécula que transporta gorduras e que está na superfície dessas células. “É a porta de entrada dos ácidos graxos que provêm do meio externo, da dieta ou de algum outro tecido”, comenta Aznar. Seu grupo a encontrou em células metastáticas de outros tipos de tumores, como o melanoma ou o câncer de mama luminal e, depois de realizar análises estatísticas em amostras de pacientes, também observou a presença desta proteína em carcinomas de ovário, de bexiga e de pulmão. E o mais importante: quando acrescentaram CD36 a células tumorais que não produzem metástase, estas começaram a fazer isso.
Quando ratos foram alimentados com uma dieta 15%
mais rica em gorduras, conhecida como “dieta de lanchonete”, cerca de
80% tinham mais metástase, e de maior tamanho
Mas isso era só o começo. Se a CD36 é uma transportadora de gorduras e está presente em vários tumores que metastatizam, poderia, então, uma dieta rica em gorduras provocar mais metástase? No estudo, ratos inoculados com células tumorais e que seguiram uma dieta normal apresentaram metástase em 30% dos casos. No entanto, quando eram alimentados com uma dieta 15% mais rica em gorduras, conhecida como “dieta de lanchonete”, cerca de 80% dos ratos tinham mais metástase, e de maior tamanho.
Essa relação era tão direta que o grupo do IRB estudou que tipo de gordura era a mais perigosa. O ácido palmítico, um ácido graxo de origem vegetal e componente principal do óleo de palma — presente em uma grande variedade de alimentos processados —, demonstrou ser, de longe, o maior indutor de metástase. Adicionar palmítico a cultivos de células tumorais durante tão somente 48 horas fazia com que essas células fossem capazes de aumentar posteriormente a frequência metastática de 50% a 100% em ratos.
O ácido palmítico, um ácido graxo presente em
uma grande variedade de alimentos processados, demonstrou ser, de longe,
o maior indutor de metástase
Mas a pesquisa também explorou um possível tratamento da metástase. Posto que a CD36 é um transportador, impedir a passagem de ácidos graxos através dela poderia bloquear o mecanismo e evitar o desenvolvimento desse processo. Isso poderia ser conseguido usando moléculas chamadas de anticorpos, que se unem com grande especificidade a outras proteínas. “Comparamos todos os anticorpos comerciais da CD36 e vimos que dois deles efetivamente são neutralizantes: não só reconhecem a proteína, mas a bloqueiam e têm um efeito antimetastático tremendo”, relata Aznar. Em 20%, a metástase chegava a desaparecer por completo. Nos demais, ocorria uma redução de 80%-90% do número de focos metastáticos, bem como de seu tamanho. Além disso, o tratamento não apresenta efeitos colaterais intoleráveis, o que abre caminho para a terapia em humanos.
O laboratório já solicitou a proteção de patente dos resultados e começou uma colaboração com a empresa inglesa MRC Technology, especializada em desenvolvimento de anticorpos para uso clínico. Eles serão testados em ensaios clínicos em humanos e, se o resultado for positivo, poderiam estar disponíveis em um prazo de 5 a 10 anos. Mas esse estudo poderia também apontar para outros tratamentos, “Talvez seja algo tão simples como modificar a dieta dos pacientes com tumores. É algo que deveríamos explorar porque o custo para o sistema de saúde seria baixíssimo”, indica Aznar. O problema é que é muito difícil conseguir financiamento para um estudo que não está vinculado a um fármaco, mas a uma mudança de dieta. “Tem de ser uma iniciativa acadêmica porque muito poucas empresas teriam interesse em um ensaio deste tipo. O financiamento tem de vir de uma entidade pública, coisa que complica muito”, explica Seoane.
Os resultados desta pesquisa poderiam estar
disponíveis em um prazo de 5 a 10 anos. O problema é que é muito difícil
conseguir financiamento para um estudo que não esteja vinculado a um
fármaco, mas a uma mudança de dieta
Claro, estes estudos, a partir de hoje, terão mais ferramentas. Nas palavras de Gloria Pascual, primeira autora do trabalho: “Agora podemos obter células de metástase no laboratório. Isso nos permitirá rastreá-las e perguntar, por exemplo, onde se localizam no tumor, onde se fixam quando se desprendem e por que são tão sensíveis à gordura, entre muitas outras perguntas”. “No fundo, quando se começa a entender melhor como algo funciona, começam a aparecer alvos. Já identificamos um alvo. Pode ser a CD36 ou podem ser 30 coisas mais”, conclui Aznar
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