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11.26.2008
MEDICAMENTO
O QUE É O MEDICAMENTO
A Lei 5991/73, que dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, em seu Art. 4° define medicamento como: produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico.
Mas o medicamento é muito mais que um produto farmacêutico; ele deve ser compreendido dentro do contexto histórico, socio-econômico e cultural no qual está inserido e que condiciona a sua utilização.
Assim, nas economias de mercado - como é a nossa - o medicamento é também mercadoria, o que traz uma série de implicações ao seu uso. Dentro do modelo de assistência à saúde excessivamente medicalizado e mercantilizado que se desenvolveu no mundo ocidental moderno, os medicamentos passaram a ocupar um espaço importante no processo saúde/doença, sendo praticamente impossível pensar a prática médica ou a relação médico/paciente hoje, sem a presença desses produtos.
O uso “irracional” dos medicamentos no mundo, agravado nos países sub-desenvolvidos pelas condições sócio-econômicas, pode ser mais bem compreendido pela análise da dimensão simbólica e ideológica do medicamento. São as funções simbólicas, sociais e culturais atribuídas aos medicamentos – talvez mais que suas funções farmacológicas - que os tornam tão populares, tanto entre leigos como entre profissionais da saúde.
Por serem tão largamente consumidos, e considerando-se que o seu uso inadequado ou incorreto pode acarretar até mesmo a morte - uma vez que estes produtos têm atividade farmacológica, toxicidade e efeitos colaterais - é fundamental garantir a sua qualidade, eficácia e segurança, dentro do contexto em que se inserem e na sua dimensão enquanto mercadoria simbólica.
Assim, do ponto de vista social e sanitário, a divulgação de informações sobre os medicamentos - não apenas sobre conhecimentos farmacológicos mas, também, visando à desmistificação de suas representações - tanto para os profissionais quanto para a população em geral, consumidora em potencial, é tão importante quanto a garantia de sua segurança e eficácia, na oferta de produtos de qualidade.
Do ponto de vista da vigilância epidemiológica, o medicamento é um ótimo indicador da situação de saúde de uma população. .
A CADEIA DE VIDA DOS MEDICAMENTOS
Além de trabalhar com uma conceito mais ampliado de medicamento, a Vigilância Sanitária de Medicamentos deve exercer suas atividades de forma mais integradora, considerando todos os aspectos qualitativos e quantitativos relacionados à oferta e ao consumo de medicamentos. Assim, pode-se pensar no medicamento dentro de uma cadeia composta por diversos elos que se articulam e se influenciam:
PESQUISA & DESENVOLVIMENTO (P&D)
PRÉ-REGISTRO
REGISTRO
FABRICAÇÃO
TRANSPORTE, ARMAZENAMENTO E DISTRIBUIÇÃO
PRESCRIÇÃO
DISPENSAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO
USO
P & D
O processo de desenvolvimento de um novo medicamento é muito longo - em média, 10 anos -, complexo e caro. Em geral, entre milhares de moléculas estudadas, apenas uma apresenta potencial para tornar-se um medicamento. Atualmente a engenharia genética e as possibilidades de modelagem por computador estão trazendo grandes modificações a esse processo.
As patentes são uma forma de compensar os investimentos gastos com esta fase, sem qualquer retorno financeiro até que o produto entre no mercado. Para isso são pagos os royalties aos fabricantes que desenvolveram o produto original.
PRÉ-REGISTRO
Ao chegar à chamada Fase III dos experimentos científicos, em que são realizados os Ensaios Clínicos Controlados (ECC) em seres humanos selecionados, o fabricante deve submeter o protocolo de investigação à autoridade sanitária para análise e autorização da pesquisa clínica; os responsáveis pela autorização são os técnicos da ANVISA. Portanto, a atuação da vigilância sanitária começa antes mesmo de o medicamento existir como especialidade farmacêutica no mercado.
REGISTRO
A atividade do registro é a que fundamentalmente determina a oferta de medicamentos em um país, uma vez que para serem comercializados, os produtos necessitam de registro dado pela agência reguladora que, no Brasil é, desde 1999, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, como visto acima.
Mesmo com o processo de descentralização das atividades de vigilância sanitária em curso, o registro de medicamentos continua centralizado em Brasília, onde são feitas as análises dos processos, autorizando sua produção e comercialização e, eventualmente, retirando-os do mercado.
A análise para a concessão, ou não, do registro de medicamentos deve ser feita por profissionais especializados em farmacologia clínica, farmacodinâmica, tecnologia farmacêutica, etc.
Os profissionais da vigilância sanitária que atuam neste nível devem considerar, em primeiro lugar, a relação benefício/risco: "um meio para expressar um julgamento referente ao papel de um fármaco na prática médica, baseado em dados sobre a eficácia e a segurança, junto a considerações sobre a doença na qual ele é empregado. Este conceito pode ser aplicado a um só fármaco ou na comparação entre dois ou mais fármacos utilizados para a mesma indicação" (OMS, 1977).
Ou, em outras palavras, devemos considerar que todos os medicamentos podem trazer benefícios , mas também trazem riscos à saúde. Seu uso só é aceitável se os benefícios forem maiores que os riscos. Dependendo da situação, pode-se aceitar um maior risco; um exemplo é o uso de drogas contra a dor para pacientes terminais; ou, ainda, medicamentos para uso em doenças fatais e incuráveis como é o caso da AIDS.
Além disso, também são considerados critérios importantes para a concessão do registro de um medicamento, em diversos países, o custo e a necessidade.
Vejamos cada um dos critérios:
1. eficácia - é a capacidade de um fármaco produzir os efeitos para os quais foi indicado, num determinado número de pessoas. Está relacionada ao benefício que um medicamento pode trazer, porém deve ser sempre relativizada pelos riscos que seu uso pode acarretar.
A avaliação da eficácia é feita através de estudos em seres humanos, nos chamados ensaios clínicos controlados (ECC) ou estudos de fase III, que devem apresentar definição clara da população estudada, ter grupo controle, ser "randomizados" e apresentar protocolo completo do ECC, com todos os dados relevantes.
2. segurança - Está relacionada aos riscos que um medicamento tem potencialmente, uma vez que não existe fármaco sem efeitos colaterais. Até mesmo os excipientes e aditivos utilizados na fabricação de medicamentos apresentam efeitos colaterais. O que é fundamental, aqui também, é considerar a relação entre os benefícios e os riscos que um determinado produto apresenta.
Para a garantia da segurança, em termos sanitários, é fundamental que se faça uma atividade - ainda praticamente inexistente no Brasil - a farmacovigilância pós-comercialização ou pós-registro que, como o nome diz, acompanha a história do medicamento após a sua entrada no mercado. É a Fase IV dos estudos de medicamentos . É somente após o uso "normal" do medicamento, por populações inteiras, que vão sendo conhecidos os efeitos colaterais de um determinado produto, uma vez que os ensaios clínicos, por suas limitações, não podem detectar efeitos colaterais que ocorrem com uma baixa frequência. Porém, em termos sanitários, um efeito colateral que ocorre, por exemplo, em 1 de cada 100 mil pessoas, é muito importante. Por isto é que pode-se esperar que os medicamentos que estão sendo comercializados há mais tempo apresentem, de um modo geral, uma lista maior de efeitos colaterais e reações adversas.
Um outro fator importante em relação à avaliação da segurança é o de se ter dados produzidos no próprio país em que se quer registrar um medicamento, pois dados de outro país não são totalmente aplicáveis ao nosso, por serem as condições sociais, econômicas, culturais e ambientais muito diversas, afetando os resultados.
3. custo - este critério já vem sendo utilizado em diversos países, mas no Brasil, apesar de ser um aspecto importante , não é considerado quando da concessão do registro. O custo não é só um problema econômico, mas também sanitário, porque os recursos são limitados e são utilizados nas prioridades estabelecidas. Assim, o custo de um tratamento medicamentoso deve ser avaliado em relação aos benefícios que serão alcançados, e não de forma isolada: só se pode admitir um custo alto para um medicamento que tenha eficácia e segurança que realmente o compensem (relação benefício/custo positiva). Desperdícios de recursos com produtos de alto custo e baixo benefício vão certamente afetar o quadro sanitário.
4. necessidade - se o objetivo é alcançar o uso correto e racional de medicamentos, além de exigir a comprovação da sua eficácia, com uma segurança aceitável e a um custo razoável, deve-se pensar em limitar o registro aos produtos que sejam necessários para o atendimento das demandas de saúde da população num dado momento. Dados sobre morbidade são, portanto, fundamentais para a avaliação da necessidade.
Este é um critério já utilizado pelos países nórdicos, que têm um ótimo sistema de vigilância sanitária de medicamentos e de farmacovigilância. No Brasil, porém, onde a falta de recursos financeiros, materiais e humanos é bem mais grave, não há até o momento qualquer preocupação com a necessidade, quando da concessão do registro de um medicamento.
Além da limitação da oferta pelos critérios adotados para o registro, essa pode ter outras normas legais de limitação como, por exemplo, a limitação de prescrição pela classificação dos medicamentos em venda livre, venda sob prescrição, venda com retenção de receita, etc.
Também podem ser feitas normas de limitação de dispensação e uso, como a restrição de medicamentos ao uso hospitalar, entre outras.
Quanto maior a oferta de medicamentos, mais difícil é o seu controle e o seu uso correto: um grande número de medicamentos registrados piora a cadeia terapêutica e o nível sanitário de um país, pois aumenta a confusão no registro, dificulta o controle da fabricação, da distribuição, da prescrição, dispensação e uso, inviabiliza o conhecimento adequado sobre os produtos, dificulta o estabelecimento de prioridades de trabalho, etc.
Por isto é importante haver uma oferta racional. O momento do registro é o primeiro momento para esta seleção da oferta. Quando há excesso de produtos registrados e/ou de qualidade duvidosa, como no caso do Brasil, o saneamento do mercado farmacêutico deveria ser uma prioridade dentro de uma política de assistência farmacêutica e de medicamentos para o país.
FABRICAÇÃO
A Vigilância Sanitária também tem atuação no processo de fabricação de medicamentos. Em primeiro lugar, é a ANVISA quem dá a necessária autorização para o funcionamento das empresas do setor, sejam elas produtoras, distribuidoras, importadoras, exportadoras e/ou transportadoras de medicamentos.
É o nível estadual ou municipal que deve fazer a inspeção farmacêutica para avaliar se a empresa tem condições de se instalar para as atividades a que se propõe. A autoridade estadual dá a licença e a ANVISA homologa a decisão local, concedendo a autorização de funcionamento.
Estima-se a existência de cerca de 600 laboratórios produtores de medicamentos autorizados no país, sendo menos de 20 os laboratórios oficiais, estatais.
Uma vez dada a autorização pela Agência, a empresa pode começar a fabricar seus produtos, que já devem estar previamente registrados, como vimos.
A partir daí, a inspeção farmacêutica deveria ocorrer de tempos em tempos, de forma rotineira, para verificar se as boas práticas de fabricação ("GMP", do inglês, Good Manufacturing Practices) estão sendo seguidas, se o controle de qualidade está sendo feito adequadamente.
"Controle Farmacêutico de Qualidade - conjunto de medidas destinadas a garantir, a qualquer momento, durante o processo de fabricação, a produção de lotes de medicamentos, tendo em vista o atendimento das normas sobre atividade, pureza, teor, eficácia e inocuidade."
A preocupação com o controle da qualidade (CQ) dos produtos começou nas próprias indústrias fabricantes, para evitar ou diminuir as perdas que traziam enormes prejuízos econômicos. O conceito foi evoluindo com as mudanças nas necessidades e demandas dos consumidores para a exigência de sistemas de qualidade voltados para a garantia da saúde do consumidor.
Do ponto de vista da VISA, o CQ é o controle mínimo necessário para garantir a qualidade e a segurança de um produto. O CQ deve atender aos limites de aceitação estabelecidos para se considerar um determinado produto com qualidade satisfatória.
Os fabricantes dos produtos são legalmente responsáveis pela garantia da qualidade dos mesmos. Cabe à ANVISA verificar se os produtores estão fazendo o CQ adequadamente.
Entre as estratégias de avaliação inclui-se a inspeção sanitária. Além de se estabelecer um programa rotineiro de inspeções farmacêuticas, deve-se considerar a necessidade de eventuais inspeções a partir da apuração de alguma denúncia contra um determinado produto de uma empresa, da constatação de fraudes ou de qualquer outro problema que possa ter se originado durante o processo de fabricação.
Para esta intervenção nas empresas, os profissionais de vigilância sanitária devem conhecer tanto de tecnologia farmacêutica, como de legislação sanitária: basicamente a Lei nº 6.360/76 e o Decreto nº 79.094/77 (que a regulamenta), a Lei nº 6.437/77, além das normas de GMP. Também é importante conhecer o Código de Defesa do Consumidor, além de Portarias e demais atos relacionados à questão.
Para atividades de inspeção farmacêutica seria fundamental, ainda, contar com o apoio de um laboratório oficial de controle de qualidade para proceder às análises laboratoriais necessárias. O INCQS/FIOCRUZ é o laboratório de referência nacional do Ministério da Saúde e está capacitado para fazer o CQ de todos os produtos sob vigilância sanitária; o que se tem defendido é o estabelecimento de uma rede de laboratórios com os LACENs (Laboratório Central de Saúde Pública). O laboratório oficial de referência da rede pública no Estado do Rio de Janeiro é o Laboratório Noel Nutels.
TRANSPORTE, ARMAZENAMENTO E DISTRIBUIÇÃO
No momento do registro, a ANVISA já influencia na distribuição futura dos medicamentos, uma vez que é o MS quem decide, em última análise, se os produtos poderão ser distribuídos livremente ou a quais tipos de restrição estarão sujeitos, como por exemplo, o caso de medicamentos restritos ao uso hospitalar.
A classificação dos medicamentos quanto à venda e prescrição, em venda livre, venda sob prescrição médica (tarja vermelha), tarja vermelha com retenção de receita e tarja preta, para os medicamentos controlados por causarem dependência física ou psíquica também tem influência na distribuição dos produtos e deve estar sendo avaliada.
Além disso, a distribuição de amostra grátis e a divulgação de outras formas de propaganda de medicamentos são regulamentadas pela vigilância sanitária. A Resoluação da Diretoria Colegiada da ANVISA - RDC nº 102 de 2000, republicada no DOU de 01/06/2001 – é a mais nova legislação em vigor. Aprova o regulamento sobre propagandas, mensagens publicitárias e promocionais, além de outras práticas cujo objeto seja a divulgação, promoção ou comercialização de medicamentos de produção nacional ou importados, quaisquer que sejam as formas e meios de sua veiculação. Todas essas normas são necessárias para garantir o acesso dos usuários a medicamentos e a informações de qualidade.
Cabe, então, aos fiscais da vigilância verificar o cumprimento da legislação sanitária e, quando for o caso, aplicar as penalidades previstas em lei. Essas atividades ocorrem basicamente através da inspeção de farmácias e serviços de saúde, quando se busca avaliar se os medicamentos estão sendo corretamente distribuídos, em que condições estão sendo transportados e armazenados, etc. Já a vigilância em relação à publicidade deve ser feita também nos meios de comunicação de massa.
Além da legislação sanitária já citada, incluindo as Portarias que normatizam as restrições de distribuição e venda (Port. de medicamentos de venda livre, Portaria SVS-MS 344/98 que regulamenta substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial, reeditada em fevereiro de 1999, entre outras), a Lei nº 5.991/73 é suporte essencial para as ações sobre a prática de comercialização, juntamente com as demais regulamentações que vêm se seguindo.
PRESCRIÇÃO
Legalmente, as questões éticas relacionadas à prescrição são regulamentadas pelo Conselho Federal de Medicina e respectivos Conselhos Regionais. Mas a vigilância sanitária também tem responsabilidade no controle da prescrição, uma vez que esta afeta o consumo dos medicamentos.
Assim, é a ANVISA que normatiza, por exemplo, as condições de venda (venda livre, venda sob prescrição médica,etc.), o preenchimento da prescrição (recentemente a Lei dos Genéricos introduziu novas exigências neste sentido); mas, na verdade, apesar do reconhecimento da importância da qualidade da prescrição para o uso racional de medicamentos, não tem havido qualquer atividade de maior impacto neste elo da cadeia.
DISPENSAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO
A dispensação é a atividade de fornecimento e orientação quanto ao uso adequado de medicamentos, correlatos e insumos. Deve ser realizada por farmacêuticos, segundo a legislação vigente, podendo ser feita por outros profissionais apenas em casos excepcionais. Mas, na realidade, a dispensação vem sendo feita no Brasil sem qualquer qualidade e controle. É fato bastante conhecido que os farmacêuticos não estão nas farmácias e hospitais privados, que estão ausentes em muitos serviços públicos de saúde, ficando a dispensação nas mãos de funcionários totalmente despreparados para tal função, que é fundamental para o uso correto dos medicamentos.
O que se vê, fundamentalmente, é a chamada "empurroterapia", uma vez que o medicamento foi reduzido à categoria de uma mercadoria como outra qualquer.
A vigilância sanitária, junto com os conselhos de classe - Conselhos Regionais de Farmácia (CRFs) - tem um enorme campo de atuação aqui, que hoje está muito aquém do que deveria ser.
Minimamente, no momento da dispensação devem ser avaliados o estado de conservação dos medicamentos, as embalagens, adequação da rotulagem, qualidade da informação veiculada. Em outras palavras, é necessário verificar se o produto está devidamente registrado, se constam os nomes do fabricante e do técnico responsável, se está dentro do prazo de validade, se apresenta algum sinal de deterioração ou adulteração, se está armazenado em embalagens e em condições de luz, temperatura e umidade adequadas, etc.
USO
Este é o último elo da cadeia, mas não o menos importante. Ao contrário, toda a cadeia terapêutica é realizada com o objetivo final do consumo do medicamento pelo usuário, seja para o fabricante - que visa à venda e ao lucro - seja para os profissionais de saúde que, na busca da garantia da saúde da população, podem eventualmente necessitar desta ferramenta (o medicamento), seja, ainda, para o usuário que tem o direito ao acesso ao medicamento, quando este for necessário para a prevenção, recuperação, ou cura de uma doença, ou mesmo no alívio de sintomas.
É bom lembrar, principalmente em sociedades medicalizadas e mercantilizadas como a nossa, que o uso do medicamento nem sempre é o tratamento mais adequado; em diversas situações, há várias alternativas terapêuticas não medicamentosas, como exercícios, relaxamento, fisioterapia, acupuntura, alimentação, etc, que são muitas vezes menosprezadas em função da imagem hipervalorizada que é vendida sobre o medicamento, a de que pode curar todos os males, inclusive os devidos às péssimas condições de vida decorrentes do modelo de desenvolvimento dominante.
Dentro de uma política de saúde que privilegie a promoção da saúde, a prevenção de doenças e a vigilância em saúde, poderíamos esperar um consumo bem menor de medicamentos, à exceção talvez de vacinas e outros produtos de uso preventivo.
Atividades importantes de vigilância sanitária que podem influenciar o uso de medicamentos, além de todas as que interferem nos elos anteriores, são aquelas ligadas principalmente à educação, à orientação dos consumidores e profissionais, à divulgação de informações sobre todas as alternativas terapêuticas, além do controle das informações divulgadas, quer sejam explicitamente através de propaganda, quer sejam de forma mais sutil através de bulas, de profissionais de saúde mal informados ou não capacitados, etc.
Aqui também há um campo extenso de ação para profissionais de vigilância sanitária, ainda incipiente no Brasil, que é o da farmacoepidemiologia ou Estudos de Utilização de Medicamentos (EUM). Na verdade, sabe-se muito pouco sobre o uso de medicamentos no Brasil, quase não há dados acerca desta questão. A indústria farmacêutica tem tido uma preocupação muito maior com o consumo, por seus interesses mercadológicos, do que o Estado. Apenas recentemente, em 1998, foi aprovada uma política de medicamentos para o país, através da Portaria nº 3.916/98 (ver Soares, 2002).
Para os estudos de utilização de medicamentos é essencial a atuação integrada com a epidemiologia, com os métodos epidemiológicos, tanto para o conhecimento dos dados de morbidade, das causas de mortalidade e de outros indicadores do nível sanitário de uma população, quanto para os dados especificamente relacionados ao uso de medicamentos.
A FISCALIZAÇÃO SANITÁRIA DE MEDICAMENTOS
A fiscalização é considerada por muitos a atividade principal e mais importante de Vigilância Sanitária, por ser a base da relação entre o produtor e o consumidor, sendo o Poder Público o intermediário na aferição da qualidade dos produtos e serviços prestados. O Poder Público - a União, o Distrito Federal, os Estados e Municípios - tem obrigação legal de, em nome do cidadão, não apenas regulamentar a oferta de produtos mas, também, de exercer a fiscalização e rejeitar produtos que possam trazer danos à sua saúde.
Porém, a fiscalização assume um peso maior nestas ações de Vigilância Sanitária em países como o Brasil, fundamentalmente porque a consciência dos direitos de cidadania é ainda incipiente entre nós, permitindo que distorções absurdas venham ocorrendo impunemente.
O profissional de vigilância sanitária tem poder de polícia administrativa para atuar na fiscalização e, para exercê-lo, conta com a legislação sanitária. A Lei nº 6.437/77 configura as infrações à legislação sanitária federal e estabelece as sanções que devem ser aplicadas pela autoridade sanitária.
“Infração sanitária - ação ou omissão que resulte da inobservância dos preceitos da legislação em vigor.”
As infrações classificam-se em leves, graves e gravíssimas, e podem ser punidas com as penalidades de: advertência, multa, apreensão de produto, inutilização de produto, interdição de produto, suspensão de vendas e/ou fabricação de produto, cancelamento de registro de produto, interdição parcial ou total do estabelecimento, proibição de propaganda, cancelamento de autorização para funcionamento de empresa e cancelamento do alvará de licenciamento do estabelecimento (Art. 2º).
Quando uma irregularidade é constatada pela autoridade sanitária, esta deve lavrar o auto de infração sanitária (A.I.S.), que é a peça inicial do processo administrativo instaurado para apurar as infrações. O AIS pode ser lavrado no local da infração, ou na sede da repartição competente, pela autoridade sanitária que a houver constatado.
Caso haja diligência (exigência) a ser cumprida, o prazo é de 30 dias após a notificação, que pode ser alterado por motivos de interesse público, através de despacho fundamentado.
Quando houver suspeita de alteração ou fraude, o fiscal sanitário deve interditar o estoque do produto existente no local e lavrar o Auto de Interdição (A.I.), que é assinado pela autoridade, o representante legal da empresa e o detentor do produto, ou seu substituto legal. Na ausência destes, duas testemunhas devem assinar.
A interdição do produto e do estabelecimento como medida cautelar terá a duração necessária para a realização dos testes e análises, não podendo exceder o prazo de 90 dias, findo o qual se dará a liberação automática do produto ou estabelecimento.
O infrator tem direito à defesa. Em caso de discordância com o resultado da análise fiscal condenatória, o infrator pode requerer perícia de contraprova.
perícia de contraprova - é cabível quando a empresa responsável pelo produto condenado discordar do laudo da análise fiscal.
A perícia deve ser realizada no laboratório oficial que expedir o laudo condenatório, com a presença de 3 peritos: aquele que efetuou a análise fiscal, o indicado pela empresa e o indicado pelo órgão fiscalizador.
Não havendo contestação do laudo e nos casos de adulteração ou deterioração flagrantes, o produto deve ser imediatamente inutilizado.
No caso de análise de controle, um laudo condenatório implica no cancelamento do registro do produto e na sua apreensão e inutilização em todo o território nacional; estas medidas são de responsabilidade do MS e somente podem ser efetivadas após a publicação da decisão condenatória irreversível no D.O.U.
É dever do fabricante, garantir a oferta de produtos com qualidade comprovada. É dever do Estado controlar e fiscalizar esta oferta. Assim, é função do trabalhador de vigilância sanitária desenvolver também atividades educativas que visem fortalecer esta consciência da população dos seus direitos e deveres enquanto cidadãos e consumidores em relação à garantia da sua saúde, para que estes possam também atuar na fiscalização e na cobrança do papel do Estado, dos fabricantes e dos próprios consumidores. No Brasil, são os movimentos de defesa do consumidor que vêm assumindo com destaque, nos últimos anos, este papel. O ideal é ter toda a população vigilante. O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) é uma arma fundamental para essa atuação.
EPIDEMIOLOGIA DOS MEDICAMENTOS E FARMACOVIGILÂNCIA
A Farmacoepidemiologia é, como o nome indica, uma aplicação da Epidemiologia ao estudo dos medicamentos. Estuda os determinantes e as conseqüências do consumo de medicamentos, através dos procedimentos normais de Epidemiologia. Este termo surgiu há menos de 20 anos; anteriormente eram chamados de estudos de utilização de medicamentos (EUM).
Alguns autores vêem a Farmacoepidemiologia e a Farmacovigilância como duas faces complementares de uma atividade geral, a da vigilância da vida de um medicamento numa comunidade, que é descrita através de técnicas adequadas, padronizadas e comparáveis.
Como exemplos de estudos farmacoepidemiológicos, podem ser citados:
1)Estudos sobre a oferta de medicamentos;
2)Estudos Quantitativos de Consumo;
3)Estudos sobre a Qualidade do Consumo;
4)Estudos de hábitos de prescrição médica;
5)Estudos de cumprimento da prescrição;
6)Vigilância orientada para problemas.
Já a Farmacovigilância busca identificar e avaliar os efeitos do uso, agudo e crônico, dos tratamentos farmacológicos no conjunto da população ou em subgrupos de pacientes expostos a tratamentos específicos (Tognoni & Laporte,1989). Originalmente era um conjunto de atividades que pretendia estudar tanto os efeitos indesejáveis dos medicamentos, quanto os desejáveis. Mas como os ECC dão uma idéia bem clara da eficácia de um novo produto em indicações precisas, os estudos de farmacovigilância (ou estudos de fase IV) tendem mais a centrar seus objetivos nos efeitos indesejáveis dos medicamentos.
Assim, a Farmacovigilância pós-comercialização passou a ser definida como: “Procedimento posto em andamento após a autorização do registro de um novo medicamento, desenhado para procurar informações sobre o uso real do medicamento para uma determinada indicação, assim como sobre o aparecimento de efeitos indesejáveis. Método para o estudo epidemiológico das reações adversas aos medicamentos” (Last, 1989)
A iatrogenia é fenômeno conhecido e considerado há muito tempo. Diz-se que as R.A. produzidas por medicamentos são tão antigas quanto a sua própria história. Qualquer produto com atividade farmacológica pode potencialmente atuar como remédio ou como veneno. A rápida introdução de fármacos potentes na quimioterapia moderna a partir dos anos 40, que indubitavelmente trouxe muitos benefícios, trouxe também um número crescente de reações adversas aos medicamentos. Mas foi apenas após quase 50 anos de uso que se descobriu que a dipirona podia causar agranulocitose; somente quase 40 anos depois da introdução do AAS se descobriu que podia causar hemorragia gastrintestinal... Foram tragédias como as do dietilenoglicol nos EUA, nos anos 30 e a da talidomida na Europa, em 1961, que fizeram com que os países mudassem suas regulamentações acerca dos medicamentos passando a exigir a comprovação da segurança e da eficácia, com maior rigor.
Nas resoluções adotadas pela Assembléia Mundial da Saúde em 1962 e 1963 também foi apontada a necessidade de um programa para a promoção da segurança e da eficácia dos medicamentos. Após uma série de reuniões e recomendações aos países-membros para estabelecimento de programas de R.A., um grupo de 10 países começou em 1968 um programa-piloto de intercâmbio da informação obtida nos seus sistemas nacionais de farmacovigilância. A partir de 70, o Sistema Internacional de Farmacovigilância da OMS vem impulsionando o estabelecimento de Programas de Notificação Espontânea de R.A. em diversos países, integrados ao Sistema Internacional de Farmacovigilância.
Um Sistema de Farmacovigilância tem como objetivos detectar precocemente reações adversas (R.A.), medir os riscos e identificar os grupos populacionais mais suscetíveis às R.A.
Como exemplos de estratégias e métodos utilizados em Farmacovigilância podemos citar:
a)Estudos para avaliar e quantificar a eficácia de um tratamento sobre a cura ou prevenção de uma doença;
b)Análises das estatísticas vitais para avaliação de efeitos indesejáveis agudos e subagudos relacionados com administração de um medicamento;
c)Monitorização intensiva de pacientes hospitalizados;
d)Notificação voluntária de R.A.
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BIBLIOGRAFIA:
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BIRIELL, C. & OLSSON, S. O Programa de Farmacovigilância da OMS. In: LAPORTE, J.R. et al. Epidemiologia do Medicamento: princípios gerais.São Paulo-Rio de Janeiro: HUCITEC-ABRASCO, 1989. p. 153-176.
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BRASIL. Lei nº 6.360 de 23 de setembro de 1976 e Decreto 79.094 de 05 de janeiro de 1977, com a redação dada pelo Decreto 793 de 05 de abril de 1993. Dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos, e dá outras providências.
BRASIL. Lei nº 8.080/90 - Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
BRASIL. Lei nº 8.142/90 - Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências.
BRASIL - Lei nº 8.666/93 – Regulamenta o art. 37,XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.
BRASIL - Lei nº 9.787/99. “Lei dos Genéricos.”
BRASIL - Lei nº 9.782/99. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências.
BRASIL/ MS/ SNAS. ABC do SUS: doutrinas e princípios. Brasília, 1990
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Vigilância Sanitária. RADIS Tema, nº 23, abr/mai 2002.
Por: Jussara Calmon Soares
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