8.01.2010

O mundo tenta salvar uma mulher. O Brasil oferece ajuda.

* Lula diz que Brasil pode receber iraniana condenada à morte. Site da edição internacional da CNN e o do jornal El Universal, foram dois dos veículos que destacaram a afirmação de Lula
.BARBÁRIE NO IRÃ
O mundo tenta salvar uma mulher
Acusada de adultério, iraniana foi condenada à morte por apedrejamento, método de execução agora alterado para enforcamento

– Quem nunca pecou que atire a primeira pedra. Dessa forma, conta a Bíblia, Jesus desafiou um grupo de pessoas e as convenceu a não matar a pedradas uma mulher adúltera, como estavam prestes a fazer. As cenas, embora ambientadas 2 mil anos atrás, são bastante atuais. No lugar de Jesus, porém, são anônimos, políticos e celebridades de todo o mundo a bradar pela vida de Sakineh Mohammadi Ashtiani, uma iraniana condenada pela Justiça de seu país, em pleno século 21, a morrer apedrejada.

Aos 43 anos, Sakineh é acusada de cometer adultério com dois homens e, desde maio de 2006, divide uma cela com outras 25 mulheres acusadas de homicídio na prisão de Tabriz, no noroeste do Irã. Originalmente, ela havia sido sentenciada a receber 99 chicotadas (o que já foi executado), mas seu caso foi reaberto quando a Justiça iraniana a acusou de ter matado o marido. Ela foi inocentada desse crime, mas a pena relativa ao adultério foi revista, e a iraniana acabou sentenciada à pena capital, em 2007.

– Durante o trajeto de 15 minutos até o tribunal, ela estava apenas preocupada com os filhos, mas não estava esperando nada perto de apedrejamento. Por dias, ela parecia um fantasma, vagando em choque, mas quando voltou a si, só chorava. Eu não a vi sem chorar até o último dia em que passei com ela na prisão – relatou a ativista política Shahnaz Gholami, antiga companheira de prisão de Sakineh.

Documentos obtidos pelo Comitê Iraniano contra o Apedrejamento mostram que dois dos cinco juízes que trataram do caso de Sakineh concluíram não haver evidências de adultério.

– É chocante. Ela foi sentenciada a morrer apedrejada porque três juízes acham, apenas acham, que ela teve um relacionamento fora do casamento – disse Mayram Namazie, do comitê.

O anúncio de que a aplicação da pena poderia ser iminente despertou uma grande mobilização internacional, e países como França, Grã-Bretanha e EUA criticaram a decisão de Teerã. Um abaixo-assinado aberto há cerca de um mês na internet deu impulso mundial à campanha. O documento conta com mais de 540 mil assinaturas. Diante de tanta exposição, as autoridades iranianas mudaram o método de execução, para enforcamento. Os prisioneiros no corredor da morte são informados de quando serão mortos somente pouco antes da execução, aumentando seu sofrimento e o da família. Às vezes, seus advogados não são informados sobre a data com 48 horas de antecedência, como determina a lei iraniana.

Após proibir os filhos de Sakineh de falar com a imprensa e impedir a mídia do país de repercutir o caso, o governo do Irã foi atrás do advogado da iraniana, o conhecido ativista dos direitos humanos Mohammad Mostafai. Ele está desaparecido desde o início da semana, após as autoridades de Teerã terem emitido um mandado de prisão contra ele.

Desde 2006, sete mulheres morreram por apedrejamento

Mesmo que o apedrejamento tenha sido suspenso, Sakineh não era a única nesta situação no corredor da morte iraniano – ao menos 11 pessoas estão na fila para serem apedrejadas no Irã, oito delas mulheres, segundo a Anistia Internacional. Desde 2006, sete mulheres foram mortas dessa forma no país.

A retirada do apedrejamento do sistema legal iraniano é uma reivindicação de longa data, inclusive da parte de alguns líderes religiosos, que consideram esse método de execução prejudicial à imagem do Islã. Sob o governo de Mahmoud Ahmadinejad, contudo, a violação dos direitos humanos no Irã só piorou, uma vez que a ala mais conservadora tomou conta do Judiciário, garante a advogada e ativista de direitos humanos Mehrangiz Kar, que durante 22 anos advogou no Irã:

– O apedrejamento surgiu no Irã como método de execução penal apenas em 1979, com a Revolução Islâmica. Antes disso nunca houve um caso de apedrejamento em nosso país, ao contrário do que muitas pessoas possam pensar.

Nesta sexta-feira, o Comitê Iraniano contra o Apedrejamento divulgou mensagens de Sakineh, agradecendo ao mundo pela mobilização em seu favor. Ela também compartilhou seu pesadelo:

– Todas as noites antes de dormir, eu penso: quem vai jogar as pedras em mim?

Teerã
Punição primitiva
A morte por apedrejamento ainda é usada em alguns países como punição:
A HISTÓRIA
- O apedrejamento é uma prática milenar. Aparece na Bíblia em várias passagens, como na narração da intervenção de Jesus para salvar uma adúltera. Até hoje essa pena é praticada oficialmente em alguns países muçulmanos (Irã, Nigéria e Sudão). O grupo de direitos humanos Stop Stoning (Fim ao Apedrejamento) relata casos, também, em áreas de Paquistão, Somália e Iraque. Apesar de o Alcorão não mencionar o apedrejamento como pena, a lei islâmica aplicada em certas nações justifica essa prática por relatos da vida do profeta Maomé.
A SENTENÇA
- A pena de morte por apedrejamento pode ser aplicada para homens e mulheres, principalmente, em caso de adultério. Assassinato, estupro, assalto à mão armada e tráfico de drogas também podem resultar nessa sentença.
O JULGAMENTO
- Conforme as interpretações da lei islâmica, provar o adultério é muito difícil. É necessário o testemunho de quatro homens justos (ou três homens justos e duas mulheres justas) ou quatro diferentes confissões do réu perante um juiz. No Irã, porém, a maioria das sentenças de morte por apedrejamento não é baseada em testemunhos ou confissões, mas no “conhecimento” ou na “intuição” do juiz, o que também é permitido pela legislação.
A EXECUÇÃO
- O Código Penal islâmico do Irã é muito específico sobre como o apedrejamento deve ser executado. Os homens devem ser enterrados até a cintura, e as mulheres, até a altura do peito. As pedras não devem ser grandes o suficiente para ferir com gravidade, mas pequenas o bastante para não matar de uma vez só. O objetivo é causar o máximo sofrimento pelo máximo de tempo, antes da morte. Em alguns casos, se a pessoa não morre durante o apedrejamento, é libertada. Dificilmente isso ocorre com mulheres – como os homens ficam com os braços livres, podem se defender das pedras.
Fonte: Stop Stoning (www.stop-stoning.org)

Afirmação de Lula sobre iraniana
repercute na imprensa internacional

Sites dão destaque ao possível asilo político a iraniana condenada à morte por adultério

Site da edição internacional da CNN e o do jornal El Universal, foram dois dos veículos que destacaram a afirmação de Lula

A afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que pode abrigar Sakineh Mohammadi Ahstiani, a mulher condenada à morte pelo governo iraniano por ter cometido adultério, teve repercussão na imprensa internacional.

O assunto foi destaque na primeira página do site internacional da CNN.

Além de citar a declaração de Lula e dar detalhes sobre o caso de Sakineh, a emissora americana destacou a participação do governo brasileiro nas negociações internacionais sobre o programa nuclear iraniano.

A edição internacional do site do The New York Times também inclui a oferta de asilo de Lula em seus destaques. Na Venezuela, a edição online do jornal El Universal publicou texto sobre o tema com título “Brasil oferece refúgio a mulher iraniana condenada à morte”.

- Apelo ao líder supremo do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, que permita ao Brasil conceder asilo a esta mulher.

Lula fez a afirmação durante um comício da candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, em Curitiba (PR).

Em 11 de julho, a Justiça iraniana suspendeu temporariamente a condenação. No entanto, o destino da iraniana ainda pode mudar a qualquer momento.

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, chegou a ligar antes do anúncio da suspensão provisória da pena para o ministro da mesma pasta do Irã, Manouchehr Mottaki, para tentar convencê-lo de que ir adiante com o apedrejamento de Sakineh apenas iria atrair mais críticas ao Irã.

Ela divulgou uma carta nesta semana dizendo que tem medo de morrer, publicou a rede CNN em seu site neste sábado.

“ O dia no qual eu recebi a sentença de apedrejamento foi como se eu tivesse caído em um buraco profundo e perdido a consciência. Muitas noites, antes de dormir, eu penso como alguém pode se preparar para jogar pedras em mim, em mirar o meu rosto e as minhas mãos”, escreveu a mulher, de acordo com seus advogados.

Sakineh recebeu 99 chibatas em 2006 por supostamente ter se relacionado com dois homens e confessou o crime durante a sentença. Ela já havia sido julgada por tentar assassinar o marido, mas foi absolvida.

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