3.19.2011

Radioatividade: Um risco ampliado pelo homem

Os danos que a radioatividade pode causar à saúde humana justificam as rigorosas normas de segurança adotadas nas atividades que usam a energia nuclear. Mas muitas pessoas podem estar sendo expostas, sem saber, a níveis elevados de radiação, por causa do  acúmulo de elementos radioativos em resíduos de processos industriais.
Inúmeros países, inclusive o Brasil, realizam estudos sobre esse problema, visando reduzir ou eliminar os aumentos da radioatividade natural causados pelas tecnologias criadas pelo homem.

Tecnologia humana aumenta o risco de exposição

Toda a matéria existente no universo é constituída por átomos, que resultam de diferentes arranjos entre prótons, nêutrons e elétrons. Em função desses arranjos, os átomos adquirem propriedades físico-químicas bem definidas, que permitem identificar cada um deles como um elemento químico. No entanto, o mesmo elemento pode ocorrer em diferentes formas, denominadas isótopos, com comportamento químico idêntico. Isótopos de um mesmo elemento têm igual número de prótons, mas diferem no número de nêutrons, o que resulta em átomos mais ou menos instáveis.
A instabilidade dos átomos está associada a um excesso de energia acumulada, que tende a ser liberada sob a forma de radiações. Nesse processo denominado decaimento,  o átomo livra-se do excesso de energia e torna-se mais estável. A radiação emitida pode ser pura energia eletromagnética ou conter ainda partículas saídas do núcleo do átomo. Quando há liberação de partículas, as propriedades químicas do átomo são alteradas e o elemento transforma-se em outro (figuras 1 e 2).
Os átomos que decaem, emitindo radiação, são conhecidos como radioativos.. Essa radiação (com ou sem partículas) é chamada de “nuclear” por se originar do núcleo do átomo, e os dois tipos têm em comum a capacidade de interagir com a matéria à sua volta, alterando sua estrutura. Células vivas expostas a essa radiação, por exemplo, podem ser destruídas ou alteradas, em geral levando a doenças.
A radioatividade é, assim, um processo natural, através do qual átomos instáveis evoluem em busca de configurações mais estáveis. O processo leva à transmutação de elementos químicos e à liberação de energia nuclear. Descoberto no final do século passado, o fenômeno foi desvendado e dominado pelos cientistas, e sua utilização disseminou-se, seja para benefício do homem (na medicina, por exemplo), seja com fins maléficos (caso das bombas nucleares). Desde sua descoberta, a radioatividade vem sendo associada ao aumento do câncer nas populações expostas tanto a fontes naturais quanto a fontes artificiais usadas de modo inadequado, ou em acidentes como a explosão do reator nuclear de Tchernobyl, na Rússia (1986), ou a abertura de uma cápsula de césio radioativo (137Cs) de uso medicinal em Goiânia (1987).
Os seres humanos também podem estar expostos à radioatividade em situações que não envolvem o uso da energia nuclear, e que por isso não estariam sujeitas aos princípios de controle e limitação de dose. São fontes de radiação os isótopos naturais de diversos elementos químicos, presentes no solo, no ar e mesmo em seres vivos (até no organismo humano). Em geral, a exposição a essas fontes não alcança níveis perigosos, mas certas atividades tecnológicas podem aumentar os riscos. Essa possibilidade vem sendo investigada há algum tempo.
A influência do homem sobre os níveis de exposição à radioatividade natural começou quando os ancestrais da espécie escolheram viver em cavernas e ampliou-se quando passaram a minerar e trabalhar metais e bens minerais. No primeiro caso, ao cobrir as entradas de cavernas com peles de animais, o homem primitivo reduziu a renovação do ar nesses ambientes, o que aumentou os níveis internos de radônio. Isso porque esse gás radioativo, produzido durante o decaimento do isótopo 238 de urânio (238U), é capaz de emanar das rochas onde é gerado.
Tal situação é semelhante à vivida por mineiros que trabalham em galerias subterrâneas: o urânio, sempre presente nas rochas (em níveis apreciáveis em alguns casos), constitui uma fonte permanente de radônio, que emana e se acumula dentro das galerias. Caso não exista um sistema de ventilação eficiente, os trabalhadores podem ficar sujeitos a níveis de exposição superiores aos recomendados pela ICRP. É significativa, o que reforça essa possibilidade, a associação entre os teores de radônio em minas subterrâneas e o número de casos de câncer em mineiros.
As indústrias do ciclo do combustível nuclear, incluindo lavra e beneficiamento de minério de urânio, enriquecimento desse elemento, reatores nucleares e plantas de reprocessamento são submetidas, no Brasil e no exterior, a um severo processo de licenciamento e controle. Isso as coloca, sem dúvida, entre as atividades industriais mais rigorosamente controladas. Vários avanços na área de segurança ocorridos no setor nuclear foram depois adotados pelo setor produtivo convencional (não nuclear). A percepção da opinião pública (às vezes equivocada) quanto aos riscos da energia nuclear certamente contribuiu para esse rigor no controle das instalações nucleares.
Agora, um tema que vem despertando muito interesse científico e social é a real possibilidade de ocorrência de exposições à radiação em função de atividades não-nucleares. De fato, materiais usados por diferentes tipos de indústrias não-nucleares (como matérias-primas e componentes de produtos, ou descartados nos processos produtivos) apresentam elevada radioatividade natural. Tais materiais são conhecidos internacionalmente pela sigla NORM (de naturally occurring radioactive materials, ou seja, materiais em que a radioatividade ocorre naturalmente). Os processos industriais a que tais materiais são submetidos podem aumentar a concentração de elementos radioativos (e, portanto, os níveis de radiação emitida) e a exposição de trabalhadores e indivíduos do público à radioatividade.
As pesquisas a respeito dos impactos radioativos associados às indústrias não-nucleares baseiam-se na hipótese de que, não sendo conhecidos os riscos a que os trabalhadores e a população estariam sujeitos em função dessas atividades, pode estar ocorrendo exposição inconsciente e indevida à radiação. Em resposta a essa possibilidade, órgãos governamentais e empresas públicas e privadas, em diversos países (desenvolvidos ou em desenvolvimento), vêm investindo em estudos científicos para definir a extensão do problema.
Esses estudos abrem a possibilidade real de adoção de normas sobre o uso industrial de materiais e processos com risco potencial de impacto radiológico e sobre a necessária recuperação de áreas ambientais afetadas por tais atividades. Também servem para alertar as empresas que utilizam tais materiais e processos, levando-as a buscar a tecnologia adequada para eliminar ou controlar esse impacto.
Problema potencial em vários setores
Um exemplo que abrange muitos setores industriais, em especial a siderurgia, é a queima do carvão mineral, que contém elementos radioativos como urânio e tório. Estima-se que, em todo o mundo, sejam queimadas por ano 2,8 bilhões de toneladas de carvão, liberando 9 mil toneladas de tório e 3,6 mil de urânio para o meio ambiente, nas partículas presentes na fumaça e nas cinzas descartadas. Com a queima, são multiplicadas as concentrações (nas cinzas) de elementos radioativos gerados pelo decaimento natural dos isótopos 238 de urânio (238U) e 232 de tório (232Th). Elementos voláteis como o radônio e o isótopo 210 de chumbo (210Pb) tendem a ser liberados na atmosfera.
Uma avaliação do impacto radiológico resultante da queima do carvão para gerar energia elétrica vem sendo realizada, no Reino Unido, pelo National Radiological Protection Board (NRPB), considerando várias vias de exposição: liberação de cinzas e radônio para atmosfera, descarte de cinzas, uso desse material como subproduto industrial e outras. Resultados preliminares indicam que as exposições mais elevadas resultam do emprego das cinzas na construção civil e que a liberação na atmosfera contamina a vegetação local.
A ocorrência de elementos radioativos naturais no petróleo e no gás natural também pode aumentar a exposição à radiação. Quando o óleo é extraído do subsolo, vem acompanhado de sólidos e de água. Sob certas condições, sais de bário e cálcio (sulfatos e carbonatos) sofrem precipitação, carregando com eles os isótopos 226 e 228 do rádio, ambos radioativos. Com o tempo, esses precipitados entopem os dutos, devendo ser removidos e depositados de modo seguro, para evitar exposições à radioatividade. O problema foi observado em plataformas marítimas de petróleo do Mar do Norte, na Europa, em 1981 (e estima-se que existam, em todo o mundo, cerca de 6 mil plataformas desse tipo). Até hoje, porém, as avaliações realizadas mostram que os trabalhadores sofreram baixos níveis de exposição e que o problema se concentra na emissão de efluentes para o mar.
A descarga no mar dessas e de outras águas de processos, contendo elevadas concentrações de elementos radioativos, pode fazer com que esses elementos se acumulem na cadeia alimentar marinha, até atingir altas concentrações no topo dessa cadeia (nos peixes). O consumo desses peixes (e outros animais) contaminados pode aumentar a exposição de seres humanos à radioatividade.
Entre as indústrias em que os problemas de exposição à radiação podem ser mais significativos destacam-se as do ciclo de lavra e beneficiamento de minerais. Isso porque alguns minerais, ao se formarem, incorporaram urânio e tório em proporções superiores à média da crosta terrestre. A extração e o processamento industrial alteram as condições físico-químicas que esses materiais apresentam na natureza, o que pode levar ao lançamento de parcelas significativas dos elementos radioativos no meio ambiente. Um exemplo é a drenagem ácida: a pirita (FeS2) presente nas rochas é oxidada quando exposta ao oxigênio e à água, resultando na produção de ácido sulfúrico (H2SO4). Esse ácido tem a capacidade de lixiviar (remover) da rocha grandes quantidades de metais (radioativos ou não), que podem contaminar águas superficiais (rios, lagos e estuários) e subterrâneas.
Mesmo que isso não aconteça, o próprio processamento de um minério pode concentrar ou mobilizar os elementos radioativos. O aumento da radioatividade natural em resíduos sólidos da mineração, efluentes líquidos e emissões gasosas, e também em produtos e subprodutos que venham a ser usados por outros setores industriais, pode resultar em maior exposição de trabalhadores e da população em geral.
O problema pode ocorrer em muitas indústrias de mineração, em especial as de carvão, nióbio, ouro, ferro, minerais pesados (como zircônio e terras raras). Também merece destaque a indústria de fosfato: na produção do ácido fosfórico (H3PO4) são obtidas grandes quantidades de fosfogesso, subproduto constituído basicamente por sulfato de cálcio (CaSO4). Dependendo das concentrações de urânio e tório na rocha fosfática, o fosfogesso pode apresentar grandes quantidades dos isótopos 226 e 228 de rádio. Apesar do risco, esse subproduto é geralmente armazenado em pilhas, nas proximidades das fábricas, e em alguns casos é despejado em cursos d.água. O problema é maior ainda porque o fosfogesso, como as cinzas do carvão, pode ser usado na construção civil e na agricultura (como fertilizante).
Fonte: Biodizel.com.br

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