Com treinamento, tudo é possível. Na verdade, já somos perfeitamente treinados para ficar ciumentos, treinados para o apego, treinados para ser ansiosos e tristes e desesperados e ávidos, para reagir com raiva ao que quer que nos provoque. Somos treinados, de fato, até o ponto dessas emoções negativas surgirem de modo espontâneo, sem que tentemos produzi-las. Assim, tudo é uma questão de treino e do poder do hábito. Dedique a mente à confusão e logo veremos — se formos honestos — que ela se tornará uma mestra sinistra na confusão, competente no seu vício, sutil e perseverantemente dócil em sua escravidão. Dedique a mente na meditação à tarefa de libertá-la da ilusão e veremos que, com o tempo, paciência, disciplina e o treinamento adequado, ela começará a desembaraçar-se e a conhecer sua bem-aventurança e claridade essenciais.
"Treinar" a mente não significa, de modo algum, subjugá-la pela força ou submeter-se a uma lavagem cerebral. Treinar a mente é, antes de tudo, ver de maneira direta e concreta como ela funciona, um conhecimento que você tira dos ensinamentos espirituais e da experiência pessoal na prática da meditação. Aí você pode usar a compreensão para domar a mente e trabalhar habilmente com ela, fazendo-a mais e mais dócil, de modo a poder tornar-se mestre da sua própria mente, empregando-a em seu potencial mais amplo e benéfico. [...]
"Traga sua mente para casa. E solte. E relaxe." Toda a prática da meditação pode ser resumida nesses três pontos cruciais: trazer a mente para casa, soltar e relaxar. [...]
Sua visão e sua postura devem ser as de uma montanha. Sua visão é a somatória de todo o seu conhecimento e a sua visão interior da natureza da mente, que você traz para a meditação. Assim, sua visão traduz e inspira sua postura, expressando o coração do seu ser no modo como você se senta.
Sente-se, portanto, como se fosse uma montanha, com toda a firme e inabalável majestade de uma montanha. Uma montanha está completamente natural e à vontade consigo mesma, não importa quão forte seja o vento que a golpeia ou quão espessa a camada de nuvens ao redor do seu pico. Sentando-se como uma montanha, deixe sua mente elevar-se, voar e pairar no alto.
O ponto mais importante da sua postura é manter as costas retas, como "uma flecha". A "energia interior" fluirá então com grande facilidade pelos canais sutis do corpo e sua mente encontrará o seu verdadeiro estado de repouso. Não force nada. A parte baixa da espinha tem uma curvatura natural; ela deve estar descontraída na vertical. Sua cabeça deve estar confortavelmente equilibrada no pescoço. São seus ombros e a parte superior do torso que vão sustentar a forçar e a graça da postura, e a eles devem manter um forte aprumo, mas sem qualquer tensão.
Sente-se com suas pernas cruzadas. Não é preciso sentar-se na posição de lótus completa, que é mais enfatizada na prática avançada da yoga. As pernas cruzadas expressam a unidade da vida e da morte, o bem e o mal, meios hábeis e sabedoria, os princípios masculino e feminino, o samsara e o nirvana; o humor da não-dualidade. Pode também preferir sentar-se numa cadeira, com as pernas relaxadas, mas mantenha sempre as costas retas.
Nessa tradição meditativa, os olhos devem manter-se abertos: esse é um ponto muito importante. Se você é sensível a perturbações de fora, no início da prática pode ser útil fechar os olhos por algum tempo e aí calmamente voltar-se para o interior.
Sentindo-se estabilizado na calma, abra seus olhos com vagar e verá que seu olhar está mais em paz e tranqüilo. Olhe para baixo, na direção da linha do nariz e num ângulo de cerca de 45 graus para frente. Uma dica prática geral é que sempre que sua mente estiver excitada será melhor baixar os olhos e sempre que estiver sonolenta, trazê-los para cima.
Com a sua mente calma e a claridade da visão interior começando a surgir, você se sentirá livre para trazer seu olhar mais para a horizontal, fitando o espaço diretamente à sua frente. Este é o olhar recomendado na prática Dzogchen.
Nos ensinamentos do Dzogchen, diz-se que sua meditação e seu olhar devem ser como o vasto espaço do grande oceano: todo-abrangente, aberto e sem limites. Como sua visão e postura são inseparáveis, assim também sua meditação inspira seu olhar, e ambos agora fundem-se num só.
Não focalize nada em particular. Em vez disso, volte-se delicadamente para si mesmo e deixe seu olhar expandir-se, abrir-se mais e mais no espaço e tornar-se mais abrangente. Você descobrirá então que sua visão em si se torna mais expansiva, e que há mais paz, mais compaixão no seu olhar, mais equanimidade e estabilidade. [...]
Há várias razões para manter os olhos abertos. Desse modo é menos provável que você adormeça. Assim, a meditação não é um meio de fugir do mundo, ou de escapar dele para uma experiência como a do transe de um estado alterado de consciência. Ao contrário, é um modo direto de nos ajudar a nos entendermos verdadeiramente e a nos relacionarmos com a vida e o mundo.
Portanto, na meditação mantenha seus olhos abertos, não fechados. Em vez de excluir a vida, você permanece aberto em relação a tudo, e em paz com tudo. Deixe todos seus sentidos — audição, visão, tato — simplesmente abertos, de forma natural, tal como são, sem se apegar às percepções que vêm deles. Como dizia Dudjom Rinpoche: "Embora diferentes formas sejam percebidas, elas são em essência vazias; mesmo na vacuidade percebemos formas, elas são em essência vazias. Embora diferentes sons sejam ouvidos, eles são vazios, mesmo na vacuidade percebemos sons. Também surgem diferentes pensamentos e eles são vazios; mesmo na vacuidade percebemos pensamentos". Não importa o que você veja, não importa o que ouça, deixe como é, sem se apegar. Deixe o escutar no escutar, o ver no ver, evitando que o seu apego entre na percepção. [...]
Ao meditar, mantenha sua boca ligeiramente aberta, como quem está para pronunciar um prolongado e relaxante "aaah". Diz-se que mantendo a boca ligeiramente aberta e respirando por ela, os "ventos kármicos" que criam pensamento discursivos são menos propensos a surgir e erguer obstáculos em sua mente na meditação.
Deixe suas mãos repousadas de modo confortável nos joelhos. Essa é a chamada postura da "mente confortável e tranqüila". [...]
1. Observar a respiração
O primeiro método é muito antigo e o encontramos em todas as escolas do buddhismo. Trata-se de pousar sua atenção, leve e atentamente, na respiração. [...]
Assim, quando você for meditar, respire naturalmente, como sempre faz. Ponha sua atenção de leve na respiração. Quando põe o ar para fora, flua com sua expiração. Cada vez que expira, está soltando e se libertando da sua avidez. Imagine sua respiração se dissolvendo na vastidão da verdade, vastidão que tudo abrange. A cada vez que expira o ar e antes de inspirá-lo de novo, perceberá um intervalo natural, à medida que a avidez se dissolve.
Descanse nesse intervalo, nesse espaço aberto. E quando naturalmente inspirar, não se fixe no ar que entra, mas siga repousando sua mente no intervalo que se abriu ali.
Quando você está praticando, é importante não se deixar envolver em comentários mentais, em análises ou no falatório interno. Não tome os rápidos comentários de sua própria mente ("estou inspirando, e agora estou expirando") como sendo sua verdadeira atenção. O importante é a pura presença. [...]
Algumas pessoas, no entanto, não relaxam e não se sentem à vontade com a observação da respiração; acham isso quase claustrofóbico. Para elas a próxima técnica pode ser mais proveitosa.
2. Usando um objeto
Um segundo método que muita gente pode achar útil consiste em delicadamente descansar a mente num objeto. Você pode usar um objeto de beleza natural que lhe traga alguma inspiração especial, como uma flor ou alguma coisa de cristal. Mas algo que personifique a verdade, como uma imagem do Buddha, de Cristo ou particularmente do seu mestre, é mais poderoso. Seu mestre é seu elo vivo com a verdade; e devido à sua conexão pessoal com ele, só olhar seu rosto já liga você à inspiração e à verdade de sua própria natureza. [...]
3. Recitação de um mantra
Uma terceira técnica, muito usada no buddhismo tibetano (e também no sufismo, no cristianismo ortodoxo e no hinduísmo) é unir a mente com o som de um mantra. A definição de mantra é "aquilo que protege a mente". Aquilo que protege a mente da negatividade, ou que protege você de sua própria mente, chama-se mantra.
Quando você está nervoso, desorientado ou emocionalmente frágil, cantar ou recitar um mantra de forma inspirada pode mudar por completo o estado de sua mente, transformando sua energia e atmosfera. Como isso é possível? O mantra é a essência do som, a materialização da verdade na forma de som. Cada sílaba está imbuída de força espiritual, condensa uma verdade espiritual e vibra com a bênção da fala dos Buddhas. Diz-se também que a mente cavalga na energia sutil da respiração, o prana, que se move pelos canais sutis do corpo e os purifica. Assim, quando você canta um mantra, recarrega a sua respiração e energia com a energia desse mantra, trabalhando assim diretamente sobre sua mente e seu corpo sutil.
O mantra que recomendo aos meus estudantes é OM AH HUM VAJRA GURU PADMA SIDDHI HUM (ou como dizem os tibetanos: OM AH HUNG BENZA GURU PEMA SIDDHI HUNG), que é o mantra de Padmasambhava, o mantra de todos os buddhas, mestres e seres realizados e por isso único em seu poder para a paz, a cura, a transformação e a proteção nesta época violenta e caótica. Recite-o com tranqüilidade, com profunda atenção, e deixe sua respiração, o mantra e sua consciência lentamente tornarem-se um. Ou cante-o de modo inspirado, e descanse no silêncio profundo que às vezes se segue à ele.
Tal como o oceano tem ondas e o sol tem raios, a radiância própria da mente são seus pensamentos e emoções. O oceano tem ondas, mas não é particularmente perturbado por elas. As ondas são a mesma natureza do oceano. As ondas aparecem, mas para onde vão? De volta ao oceano. E de onde vêm? Do oceano. Do mesmo modo, pensamentos e emoções são a radiância e a expressão da verdadeira natureza da mente. Eles surgem na mente, mas onde se dissolvem? Na própria mente. O que quer que apareça, não o encare como um problema particular; se você não reage de maneira impulsiva, se sabe ser apenas consciente, isso assentará novamente em sua natureza essencial. [...]
Assim, não importa que pensamentos e emoções apareçam, permita que eles venham e assentem, como as ondas do oceano. Não importa o que se perceba pensando, deixe esse pensamento surgir e se assentar, sem interferência. Não se apegue a ele, não o alimente, não lhe preste demasiada atenção; não se agarre a ele e não tente dar-lhe solidez. Nem siga ou convide os pensamentos; seja como o oceano olhando para suas próprias ondas ou o céu do alto observa as nuvens que passam por ele. [...]
As pessoas perguntam sempre: "Por quanto tempo devo meditar? E quando? Devo praticar vinte minutos pela manhã e à noite, ou é melhor fazer várias sessões curtas, ao longo do dia?" Sim, é bom meditar durante vinte minutos, mas isso não significa que vinte minutos é o limite. Nunca li nada sobre vinte minutos nas escrituras; acho que essa é uma noção de tempo que foi inventada no Ocidente, e costumo chamá-la de "Tempo-Padrão Ocidental de Meditação". A questão não é por quanto tempo você vai meditar, a questão é saber se a meditação de fato lhe traz certo estado de presença mental em que você está um pouco aberto e pode entrar em contato com a essência do seu coração. E cinco minutos de prática sentado, plenamente consciente, têm valor muito maior do que vinte minutos de cochilo!
Dudjom Rinpoche dizia que um iniciante devia praticar em sessões curtas. Praticar por quatro ou cinco minutos e então fazer uma pequena pausa de apenas um minuto. Durante a pausa deixar o método de lado, mas não abandonar o estado desperto de sua consciência. É curioso que às vezes, quando você está lutando para praticar corretamente, no exato momento em que descansa o método — se ainda está alerta e no presente — é que a meditação de fato acontece. Por isso a interrupção é parte tão importante da meditação quanto o sentar-se em si. Às vezes digo a alunos que estão tendo problemas com a prática para praticarem na interrupção e descansarem durante a meditação! [...]
Nunca será demais dizer: integrar meditação na ação é a base e o ponto central, o propósito da própria meditação. A violência e a tensão, os desafios e as distrações da vida moderna fazem essa integração ainda mais urgente e necessária.
Como obter então a integração, esse permear do quotidiano com o calmo estado de espírito e o largo desapego da meditação? Não há substituto para a prática regular, porque apenas através da prática real começaremos a experimentar de maneira inquebrantável a tranqüilidade da natureza da nossa mente, sendo assim capazes de sustentar essa experiência na vida de todo dia.
Então, após meditar, é importante não se entregar à tendência que temos para solidificar o modo como percebemos as coisas. Quando você retorna à vida de todo dia, deixe que a sabedoria, a percepção de si mesmo, a compaixão, o humor, a fluidez, o espaço e o desapego que a meditação lhe trouxe penetrem na sua experiência quotidiana. A meditação desperta em você a realização de como a natureza de tudo é ilusória, semelhante ao sonho; mantenha essa consciência mesmo no mais denso do samsara. Um grande mestre disse: "Depois da prática da meditação, devemos nos tornar filhos da ilusão".
"Num certo sentido tudo é como o sonho, é ilusório, mas mesmo assim você continua fazendo as coisas, com disposição de espírito. Por exemplo, se está caminhando, caminhe alegremente pelo espaço aberto da verdade, sem desnecessária solenidade ou constrangimento. Quando se sentar, seja a cidadela da verdade. Enquanto come, alimente suas negatividades e ilusões na barriga da vacuidade, dissolvendo-as no espaço que permeia tudo. E quando vai ao banheiro, pense que todos os seus obscurecimentos e bloqueios estão sendo limpos e eliminados".
Então o que importa de fato não é só a prática de sentar-se para meditar, mas muito mais o estado da mente em que você se encontra depois da meditação. É esse calmo e centrado estado da mente que você deve prolongar em tudo o que faz.
Comer quando você come e dormir quando você dorme significa estar inteiramente presente em todas as suas ações, sem nenhuma das distrações do ego impedindo-o de estar lá. Isso é integração. E se você quer consegui-la, o que precisa fazer não é praticar apenas como remédio ou terapia ocasional, mas como se isso fosse seu sustento diário ou alimentação. Por isso, um modo excelente de desenvolver a capacidade de integração é praticar num ambiente de retiro, longe das tensões da vida urbana moderna.
Com muita freqüência as pessoas procuram a meditação com a esperança de resultados extraordinários, como visões, luzes ou algum milagre sobrenatural. Quando nada disso acontece, sentem-se desapontadas. Mas o milagre verdadeiro da meditação é mais ordinário e muito mais útil. É uma transformação sutil, que não acontece apenas na sua mente e nas suas emoções mas também e realmente no seu corpo. E é muito curativa. Cientistas e médicos descobriram que, quando você está em boa disposição de espírito, até mesmo as células do seu corpo estão como se se sentissem mais felizes; e quando sua mente está num estado negativo, suas células podem se tornar malignas. O estado geral de sua saúde tem muito a ver com o estado da sua mente e com seu modo de ser.
Torne-se tão engenhoso no inspirar-se para obter sua paz quanto você é nas andanças neuróticas e competitivas do mundo. E se achar que a meditação não chega fácil à sua sala na cidade, seja criativo e saia para a natureza. Ela é sempre uma fonte infalível de inspiração. Para acalmar sua mente, dê um passeio no parque ao nascer do sol, ou observe o sereno numa rosa do jardim. Deite-se na grama e contemple o céu, deixando sua mente se expandir em sua amplidão. Deixe que o céu de fora desperte o céu que há dentro de você. Entre num riacho e misture sua mente à música da água; torne-se um com essa sonoridade incessante. Sente-se ao lado de uma cascata e deixe seu riso purificador refrescar-lhe o espírito. Caminhe numa praia e receba o vento do mar, em cheio, doce, em seu rosto. Comemore e use a beleza do luar para equilibrar sua mente. Sente-se junto a um lago ou num jardim e, respirando tranqüilamente, deixe sua mente quedar-se silenciosa enquanto a lua sobe majestosa e lenta na noite sem nuvens.
Tudo pode ser usado como um convite à meditação. Um sorriso, um rosto no metrô, a visão de uma pequenina flor crescendo numa rachadura do calçamento, um belo traje numa vitrina, o modo como o sol banha vasos de flores no peitoril de uma janela. Esteja desperto para qualquer sinal de beleza e graça. Ofereça cada alegria, mantenha-se desperto em todos os momentos para "as novidades que sempre estão chegando do silêncio".
Aos poucos você se transformará no mestre de sua própria bem-aventurança, o alquimista de sua própria alegria, com todas as espécies de medicamento sempre à mão para elevar, incentivar, iluminar e inspirar cada respiração e movimento seus. O que é um grande praticante espiritual? É alguém que vive sempre em presença do seu próprio eu verdadeiro, alguém que encontrou e usa sempre as fontes da inspiração profunda. Como o moderno escritor inglês Lewis Thompson escreveu: "Cristo, poeta supremo, viveu a verdade tão apaixonadamente que cada gesto seu, a uma só vez Ato puro e Símbolo perfeito, personifica o transcendente".
"Treinar" a mente não significa, de modo algum, subjugá-la pela força ou submeter-se a uma lavagem cerebral. Treinar a mente é, antes de tudo, ver de maneira direta e concreta como ela funciona, um conhecimento que você tira dos ensinamentos espirituais e da experiência pessoal na prática da meditação. Aí você pode usar a compreensão para domar a mente e trabalhar habilmente com ela, fazendo-a mais e mais dócil, de modo a poder tornar-se mestre da sua própria mente, empregando-a em seu potencial mais amplo e benéfico. [...]
"Traga sua mente para casa. E solte. E relaxe." Toda a prática da meditação pode ser resumida nesses três pontos cruciais: trazer a mente para casa, soltar e relaxar. [...]
A postura
Há uma conexão entre a postura do corpo e a atitude da mente. Mente e corpo estão inter-relacionados e a meditação surge de modo natural quando a sua postura e atitude são inspiradas. [...] A postura pode diferir um pouco de outras a que você talvez esteja acostumado.Sua visão e sua postura devem ser as de uma montanha. Sua visão é a somatória de todo o seu conhecimento e a sua visão interior da natureza da mente, que você traz para a meditação. Assim, sua visão traduz e inspira sua postura, expressando o coração do seu ser no modo como você se senta.
Sente-se, portanto, como se fosse uma montanha, com toda a firme e inabalável majestade de uma montanha. Uma montanha está completamente natural e à vontade consigo mesma, não importa quão forte seja o vento que a golpeia ou quão espessa a camada de nuvens ao redor do seu pico. Sentando-se como uma montanha, deixe sua mente elevar-se, voar e pairar no alto.
O ponto mais importante da sua postura é manter as costas retas, como "uma flecha". A "energia interior" fluirá então com grande facilidade pelos canais sutis do corpo e sua mente encontrará o seu verdadeiro estado de repouso. Não force nada. A parte baixa da espinha tem uma curvatura natural; ela deve estar descontraída na vertical. Sua cabeça deve estar confortavelmente equilibrada no pescoço. São seus ombros e a parte superior do torso que vão sustentar a forçar e a graça da postura, e a eles devem manter um forte aprumo, mas sem qualquer tensão.
Sente-se com suas pernas cruzadas. Não é preciso sentar-se na posição de lótus completa, que é mais enfatizada na prática avançada da yoga. As pernas cruzadas expressam a unidade da vida e da morte, o bem e o mal, meios hábeis e sabedoria, os princípios masculino e feminino, o samsara e o nirvana; o humor da não-dualidade. Pode também preferir sentar-se numa cadeira, com as pernas relaxadas, mas mantenha sempre as costas retas.
Nessa tradição meditativa, os olhos devem manter-se abertos: esse é um ponto muito importante. Se você é sensível a perturbações de fora, no início da prática pode ser útil fechar os olhos por algum tempo e aí calmamente voltar-se para o interior.
Sentindo-se estabilizado na calma, abra seus olhos com vagar e verá que seu olhar está mais em paz e tranqüilo. Olhe para baixo, na direção da linha do nariz e num ângulo de cerca de 45 graus para frente. Uma dica prática geral é que sempre que sua mente estiver excitada será melhor baixar os olhos e sempre que estiver sonolenta, trazê-los para cima.
Com a sua mente calma e a claridade da visão interior começando a surgir, você se sentirá livre para trazer seu olhar mais para a horizontal, fitando o espaço diretamente à sua frente. Este é o olhar recomendado na prática Dzogchen.
Nos ensinamentos do Dzogchen, diz-se que sua meditação e seu olhar devem ser como o vasto espaço do grande oceano: todo-abrangente, aberto e sem limites. Como sua visão e postura são inseparáveis, assim também sua meditação inspira seu olhar, e ambos agora fundem-se num só.
Não focalize nada em particular. Em vez disso, volte-se delicadamente para si mesmo e deixe seu olhar expandir-se, abrir-se mais e mais no espaço e tornar-se mais abrangente. Você descobrirá então que sua visão em si se torna mais expansiva, e que há mais paz, mais compaixão no seu olhar, mais equanimidade e estabilidade. [...]
Há várias razões para manter os olhos abertos. Desse modo é menos provável que você adormeça. Assim, a meditação não é um meio de fugir do mundo, ou de escapar dele para uma experiência como a do transe de um estado alterado de consciência. Ao contrário, é um modo direto de nos ajudar a nos entendermos verdadeiramente e a nos relacionarmos com a vida e o mundo.
Portanto, na meditação mantenha seus olhos abertos, não fechados. Em vez de excluir a vida, você permanece aberto em relação a tudo, e em paz com tudo. Deixe todos seus sentidos — audição, visão, tato — simplesmente abertos, de forma natural, tal como são, sem se apegar às percepções que vêm deles. Como dizia Dudjom Rinpoche: "Embora diferentes formas sejam percebidas, elas são em essência vazias; mesmo na vacuidade percebemos formas, elas são em essência vazias. Embora diferentes sons sejam ouvidos, eles são vazios, mesmo na vacuidade percebemos sons. Também surgem diferentes pensamentos e eles são vazios; mesmo na vacuidade percebemos pensamentos". Não importa o que você veja, não importa o que ouça, deixe como é, sem se apegar. Deixe o escutar no escutar, o ver no ver, evitando que o seu apego entre na percepção. [...]
Ao meditar, mantenha sua boca ligeiramente aberta, como quem está para pronunciar um prolongado e relaxante "aaah". Diz-se que mantendo a boca ligeiramente aberta e respirando por ela, os "ventos kármicos" que criam pensamento discursivos são menos propensos a surgir e erguer obstáculos em sua mente na meditação.
Deixe suas mãos repousadas de modo confortável nos joelhos. Essa é a chamada postura da "mente confortável e tranqüila". [...]
Três métodos de meditação
O Buddha ensinou 84.000 diferentes maneiras para domar e pacificar as emoções negativas, e no buddhismo há incontáveis métodos de meditação. Encontrei três técnicas de meditação que são particularmente eficazes no mundo moderno, e que todos podem usar e se beneficiar. São elas: "observar" a respiração, usar um objeto e recitar um mantra.1. Observar a respiração
O primeiro método é muito antigo e o encontramos em todas as escolas do buddhismo. Trata-se de pousar sua atenção, leve e atentamente, na respiração. [...]
Assim, quando você for meditar, respire naturalmente, como sempre faz. Ponha sua atenção de leve na respiração. Quando põe o ar para fora, flua com sua expiração. Cada vez que expira, está soltando e se libertando da sua avidez. Imagine sua respiração se dissolvendo na vastidão da verdade, vastidão que tudo abrange. A cada vez que expira o ar e antes de inspirá-lo de novo, perceberá um intervalo natural, à medida que a avidez se dissolve.
Descanse nesse intervalo, nesse espaço aberto. E quando naturalmente inspirar, não se fixe no ar que entra, mas siga repousando sua mente no intervalo que se abriu ali.
Quando você está praticando, é importante não se deixar envolver em comentários mentais, em análises ou no falatório interno. Não tome os rápidos comentários de sua própria mente ("estou inspirando, e agora estou expirando") como sendo sua verdadeira atenção. O importante é a pura presença. [...]
Algumas pessoas, no entanto, não relaxam e não se sentem à vontade com a observação da respiração; acham isso quase claustrofóbico. Para elas a próxima técnica pode ser mais proveitosa.
2. Usando um objeto
Um segundo método que muita gente pode achar útil consiste em delicadamente descansar a mente num objeto. Você pode usar um objeto de beleza natural que lhe traga alguma inspiração especial, como uma flor ou alguma coisa de cristal. Mas algo que personifique a verdade, como uma imagem do Buddha, de Cristo ou particularmente do seu mestre, é mais poderoso. Seu mestre é seu elo vivo com a verdade; e devido à sua conexão pessoal com ele, só olhar seu rosto já liga você à inspiração e à verdade de sua própria natureza. [...]
3. Recitação de um mantra
Uma terceira técnica, muito usada no buddhismo tibetano (e também no sufismo, no cristianismo ortodoxo e no hinduísmo) é unir a mente com o som de um mantra. A definição de mantra é "aquilo que protege a mente". Aquilo que protege a mente da negatividade, ou que protege você de sua própria mente, chama-se mantra.
Quando você está nervoso, desorientado ou emocionalmente frágil, cantar ou recitar um mantra de forma inspirada pode mudar por completo o estado de sua mente, transformando sua energia e atmosfera. Como isso é possível? O mantra é a essência do som, a materialização da verdade na forma de som. Cada sílaba está imbuída de força espiritual, condensa uma verdade espiritual e vibra com a bênção da fala dos Buddhas. Diz-se também que a mente cavalga na energia sutil da respiração, o prana, que se move pelos canais sutis do corpo e os purifica. Assim, quando você canta um mantra, recarrega a sua respiração e energia com a energia desse mantra, trabalhando assim diretamente sobre sua mente e seu corpo sutil.
O mantra que recomendo aos meus estudantes é OM AH HUM VAJRA GURU PADMA SIDDHI HUM (ou como dizem os tibetanos: OM AH HUNG BENZA GURU PEMA SIDDHI HUNG), que é o mantra de Padmasambhava, o mantra de todos os buddhas, mestres e seres realizados e por isso único em seu poder para a paz, a cura, a transformação e a proteção nesta época violenta e caótica. Recite-o com tranqüilidade, com profunda atenção, e deixe sua respiração, o mantra e sua consciência lentamente tornarem-se um. Ou cante-o de modo inspirado, e descanse no silêncio profundo que às vezes se segue à ele.
Pensamentos e emoções: as ondas e o oceano
Quando as pessoas começam a meditar, sempre dizem que seus pensamentos estão desenfreados e tornam-se mais agitados do que nunca. Mais eu as tranqüilizo dizendo que esse é um bom sinal. Longe de significar que seus pensamentos estão muito agitados, isso mostra que você ficou mais tranqüilo e está finalmente cônscio do quão ruidosos seus pensamentos sempre foram. Não se desencoraje ou desista. O que quer que surja, apenas mantenha-se presente e continue voltando-se para a sua respiração, mesmo no meio da maior confusão. [...]Tal como o oceano tem ondas e o sol tem raios, a radiância própria da mente são seus pensamentos e emoções. O oceano tem ondas, mas não é particularmente perturbado por elas. As ondas são a mesma natureza do oceano. As ondas aparecem, mas para onde vão? De volta ao oceano. E de onde vêm? Do oceano. Do mesmo modo, pensamentos e emoções são a radiância e a expressão da verdadeira natureza da mente. Eles surgem na mente, mas onde se dissolvem? Na própria mente. O que quer que apareça, não o encare como um problema particular; se você não reage de maneira impulsiva, se sabe ser apenas consciente, isso assentará novamente em sua natureza essencial. [...]
Assim, não importa que pensamentos e emoções apareçam, permita que eles venham e assentem, como as ondas do oceano. Não importa o que se perceba pensando, deixe esse pensamento surgir e se assentar, sem interferência. Não se apegue a ele, não o alimente, não lhe preste demasiada atenção; não se agarre a ele e não tente dar-lhe solidez. Nem siga ou convide os pensamentos; seja como o oceano olhando para suas próprias ondas ou o céu do alto observa as nuvens que passam por ele. [...]
As pessoas perguntam sempre: "Por quanto tempo devo meditar? E quando? Devo praticar vinte minutos pela manhã e à noite, ou é melhor fazer várias sessões curtas, ao longo do dia?" Sim, é bom meditar durante vinte minutos, mas isso não significa que vinte minutos é o limite. Nunca li nada sobre vinte minutos nas escrituras; acho que essa é uma noção de tempo que foi inventada no Ocidente, e costumo chamá-la de "Tempo-Padrão Ocidental de Meditação". A questão não é por quanto tempo você vai meditar, a questão é saber se a meditação de fato lhe traz certo estado de presença mental em que você está um pouco aberto e pode entrar em contato com a essência do seu coração. E cinco minutos de prática sentado, plenamente consciente, têm valor muito maior do que vinte minutos de cochilo!
Dudjom Rinpoche dizia que um iniciante devia praticar em sessões curtas. Praticar por quatro ou cinco minutos e então fazer uma pequena pausa de apenas um minuto. Durante a pausa deixar o método de lado, mas não abandonar o estado desperto de sua consciência. É curioso que às vezes, quando você está lutando para praticar corretamente, no exato momento em que descansa o método — se ainda está alerta e no presente — é que a meditação de fato acontece. Por isso a interrupção é parte tão importante da meditação quanto o sentar-se em si. Às vezes digo a alunos que estão tendo problemas com a prática para praticarem na interrupção e descansarem durante a meditação! [...]
Nunca será demais dizer: integrar meditação na ação é a base e o ponto central, o propósito da própria meditação. A violência e a tensão, os desafios e as distrações da vida moderna fazem essa integração ainda mais urgente e necessária.
Como obter então a integração, esse permear do quotidiano com o calmo estado de espírito e o largo desapego da meditação? Não há substituto para a prática regular, porque apenas através da prática real começaremos a experimentar de maneira inquebrantável a tranqüilidade da natureza da nossa mente, sendo assim capazes de sustentar essa experiência na vida de todo dia.
Então, após meditar, é importante não se entregar à tendência que temos para solidificar o modo como percebemos as coisas. Quando você retorna à vida de todo dia, deixe que a sabedoria, a percepção de si mesmo, a compaixão, o humor, a fluidez, o espaço e o desapego que a meditação lhe trouxe penetrem na sua experiência quotidiana. A meditação desperta em você a realização de como a natureza de tudo é ilusória, semelhante ao sonho; mantenha essa consciência mesmo no mais denso do samsara. Um grande mestre disse: "Depois da prática da meditação, devemos nos tornar filhos da ilusão".
"Num certo sentido tudo é como o sonho, é ilusório, mas mesmo assim você continua fazendo as coisas, com disposição de espírito. Por exemplo, se está caminhando, caminhe alegremente pelo espaço aberto da verdade, sem desnecessária solenidade ou constrangimento. Quando se sentar, seja a cidadela da verdade. Enquanto come, alimente suas negatividades e ilusões na barriga da vacuidade, dissolvendo-as no espaço que permeia tudo. E quando vai ao banheiro, pense que todos os seus obscurecimentos e bloqueios estão sendo limpos e eliminados".
Então o que importa de fato não é só a prática de sentar-se para meditar, mas muito mais o estado da mente em que você se encontra depois da meditação. É esse calmo e centrado estado da mente que você deve prolongar em tudo o que faz.
Comer quando você come e dormir quando você dorme significa estar inteiramente presente em todas as suas ações, sem nenhuma das distrações do ego impedindo-o de estar lá. Isso é integração. E se você quer consegui-la, o que precisa fazer não é praticar apenas como remédio ou terapia ocasional, mas como se isso fosse seu sustento diário ou alimentação. Por isso, um modo excelente de desenvolver a capacidade de integração é praticar num ambiente de retiro, longe das tensões da vida urbana moderna.
Com muita freqüência as pessoas procuram a meditação com a esperança de resultados extraordinários, como visões, luzes ou algum milagre sobrenatural. Quando nada disso acontece, sentem-se desapontadas. Mas o milagre verdadeiro da meditação é mais ordinário e muito mais útil. É uma transformação sutil, que não acontece apenas na sua mente e nas suas emoções mas também e realmente no seu corpo. E é muito curativa. Cientistas e médicos descobriram que, quando você está em boa disposição de espírito, até mesmo as células do seu corpo estão como se se sentissem mais felizes; e quando sua mente está num estado negativo, suas células podem se tornar malignas. O estado geral de sua saúde tem muito a ver com o estado da sua mente e com seu modo de ser.
Inspiração
Disse aqui que a meditação é a estrada para a iluminação e o maior empenho da nossa vida. Todas as vezes que falo a respeito da meditação para meus alunos, sublinho a necessidade de praticá-la com disciplina resoluta e orientada devoção; ao mesmo tempo, sempre lhes digo como é importante fazer isso do modo mais criativo e inspirado possível. Em certo sentido a meditação é uma arte, e você deve trazer até ela o deleite do artista e a fertilidade da invenção.Torne-se tão engenhoso no inspirar-se para obter sua paz quanto você é nas andanças neuróticas e competitivas do mundo. E se achar que a meditação não chega fácil à sua sala na cidade, seja criativo e saia para a natureza. Ela é sempre uma fonte infalível de inspiração. Para acalmar sua mente, dê um passeio no parque ao nascer do sol, ou observe o sereno numa rosa do jardim. Deite-se na grama e contemple o céu, deixando sua mente se expandir em sua amplidão. Deixe que o céu de fora desperte o céu que há dentro de você. Entre num riacho e misture sua mente à música da água; torne-se um com essa sonoridade incessante. Sente-se ao lado de uma cascata e deixe seu riso purificador refrescar-lhe o espírito. Caminhe numa praia e receba o vento do mar, em cheio, doce, em seu rosto. Comemore e use a beleza do luar para equilibrar sua mente. Sente-se junto a um lago ou num jardim e, respirando tranqüilamente, deixe sua mente quedar-se silenciosa enquanto a lua sobe majestosa e lenta na noite sem nuvens.
Tudo pode ser usado como um convite à meditação. Um sorriso, um rosto no metrô, a visão de uma pequenina flor crescendo numa rachadura do calçamento, um belo traje numa vitrina, o modo como o sol banha vasos de flores no peitoril de uma janela. Esteja desperto para qualquer sinal de beleza e graça. Ofereça cada alegria, mantenha-se desperto em todos os momentos para "as novidades que sempre estão chegando do silêncio".
Aos poucos você se transformará no mestre de sua própria bem-aventurança, o alquimista de sua própria alegria, com todas as espécies de medicamento sempre à mão para elevar, incentivar, iluminar e inspirar cada respiração e movimento seus. O que é um grande praticante espiritual? É alguém que vive sempre em presença do seu próprio eu verdadeiro, alguém que encontrou e usa sempre as fontes da inspiração profunda. Como o moderno escritor inglês Lewis Thompson escreveu: "Cristo, poeta supremo, viveu a verdade tão apaixonadamente que cada gesto seu, a uma só vez Ato puro e Símbolo perfeito, personifica o transcendente".
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