3.19.2012

Qualidade de vida no trabalho e saúde/doença

Qualidade de vida no trabalho e saúde/doença
 
Quality working life and health/illness
 
1 Centro de Estudos em Saúde Coletiva (Cesco), Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, Rua dos Otonis, 592, 04025-001 São Paulo, SP.   Abstract Using as starting point the discussion of many concepts of the term Quality Working Life (QWL) is assumed the idea of priority to changes in working organization and worker's participation, like pointed out the International Program on Bettering Working Conditions and Labor Environment, proposed by International Labor Organization (ILO), in 1976. Are pointed the limits of QWL in a reality like the Brazilian, where democracy in working places is still so fragile. Besides, vis-à-vis Taylorism/ Fordism, are discussed the changes in the organization of working process that occur in the QWL within the process of job redesign, pointing the necessity to think about epidemiological indicators that show the relationships health/ illness and the new ways of management and organization of the productive process, represented by the working related diseases, whose nexus with working process has a more complex causality.
Key words Quality; Working Process; Workers; Health/Disease Process
 
Resumo A partir da discussão das noções que assumiu a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), priorizou-se a que valoriza as mudanças na organização do trabalho, a participação dos trabalhadores, conforme o Programa Internacional para o Melhoramento das Condições e dos Ambientes de Trabalho (PIACT), da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 1976. Diante da escolha, são apontados os limites da QVT na nossa realidade, em que a democracia nos locais de trabalho é ainda frágil. Ao lado disso, vis à vis o taylorismo/fordismo, discute-se as mudanças na organização do processo de trabalho que acompanham a QVT na reestruturação produtiva, apontando para a necessidade de pensar-se indicadores epidemiológicos que expressem as relações saúde/doença e as novas formas de gestão, divisão e organização da produção, representadas pelas doenças relacionadas ao trabalho, cujo nexo com ele têm causalidade mais complexa.
Palavras-chave Qualidade; Processo de trabalho; Participação; Saúde/Doença
 
 
Introdução
Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) é uma terminologia que tem sido largamente difundida nos últimos anos, inclusive no Brasil. Como incorpora uma imprecisão conceitual, vem dando margem a uma série de práticas nela contidas que ora aproximam-se da qualidade de processo e de produto, ora com esta se confundem. O conceito, através dos programas de qualidade total, vem impregnando propostas de práticas empresariais (Rodrigues, 1991).
Se sua origem pode ser encontrada no longínquo pós-guerra, como conseqüência da implantação do Plano Marshall para a reconstrução da Europa (Vieira, 1993), sua trajetória tem passado por vários enfoques. Uns enfatizam aspectos da reação individual do trabalhador às experiências de trabalho (década de 1960); outros, aspectos de melhoria das condições e ambientes de trabalho, visando maior satisfação e produtividade (década de 1970) (Rodrigues, 1991). Articulada a esta última abordagem, a QVT também é vista como um movimento, no qual termos como gerenciamento participativo e democracia industrial são adotados freqüentemente, como seus ideais (meados da década de 1970). Por fim, nos anos 80, adquire importância como um conceito globalizante, na busca de enfrentar as questões ligadas à produtividade e à qualidade total (Zavattaro, 1999).
Observa-se, assim, que a QVT dialoga com noções como motivação, satisfação, saúde-segurança no trabalho, envolvendo discussões mais recentes sobre novas formas de organização do trabalho e novas tecnologias (Sato, 1999).
Aqui, interessa discutir a vertente que prioriza as condições, ambientes, organização do trabalho e as tecnologias. Vertente esta, advogada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) a partir de 1976, quando lança e fomenta o desenvolvimento do Programa Internacional para o Melhoramento das Condições e dos Ambientes de Trabalho (PIACT). Trata-se de uma proposta que procura articular duas tendências: uma dirigida ao melhoramento da qualidade geral de vida como uma aspiração básica para a humanidade hoje e que não pode sofrer solução de continuidade no portão da fábrica. (...); a outra, concernente a uma maior participação dos trabalhadores nas decisões que diretamente dizem respeito à sua vida profissional (Mendes, 1988a).
Surgida na esteira da cada vez maior mobilização dos trabalhadores europeus pela ampliação de seus direitos no trabalho, que ocorre no final dos anos 60 e início dos 70, a proposta do PIACT incorpora tais demandas (Parmegianni, 1986). Reflexo disso, na década de 1980, consolida-se uma tendência que baseia a QVT na maior participação do trabalhador na empresa, na perspectiva de tornar o trabalho mais humanizado. Agora os trabalhadores são vistos como sujeitos, estando sua realização calcada no desenvolvimento e aprofundamento de suas potencialidades.
Assim, busca-se superar a etapa da prevenção dos acidentes e doenças tidos como diretamente relacionados ao trabalho, para avançar na discussão dos agravos relacionados ao trabalho. Conforme proposição do National Institute of Occupational Safety and Health (NIOSH), passam a incorporar grupos de doenças e acidentes que também ocorrem na população geral, mas que em determinadas categorias de trabalhadores adquirem um perfil patológico diferenciado (Quadro 1).
 
 
Expressão dessas preocupações, o PIACT já propunha uma estratégia de intervenção sobre o processo de trabalho, ou seja, ... a carga de trabalho, a duração da jornada, (...), a organização e o conteúdo do trabalho e a escolha da tecnologia (Mendes, 1988).
Do que foi até aqui exposto, observa-se que se trata de um discurso que remete, num extremo, a mudanças na organização do processo de trabalho como conseqüência do movimento de qualidade do trabalho e/ou da democracia industrial adotada nos países escandinavos no início da década de 1970 (Ortsman, 1984). No extremo oposto, lida com práticas que se preocupam muito pouco com as condições e organização do trabalho, na medida que sua vertente individualista apenas incentiva a prática de hábitos de vida saudáveis (Sato, 1999). Se, em princípio, não se pode banir tais iniciativas, é mister apontar que elas não atingem as relações e a organização do processo de trabalho, categoria esta central para explicar os principais problemas atuais de saúde dos trabalhadores.
Assim, a idéia de QVT procura amalgamar interesses diversos e contraditórios, presentes nos ambientes e condições de trabalho, em empresas públicas ou privadas. Interesses estes que não se resumem aos do capital e do trabalho, mas também aos relativos ao mundo subjetivo (desejos, vivências, sentimentos), aos valores, crenças, ideologias e aos interesses econômicos e políticos (Sato, 1999). Ocorre, porém, que a possibilidade de abarcar-se tal gama de questões e demandas envolve uma rede e um mecanismo complexo de relações, em que o peso específico da atuação dos trabalhadores adquire papel fundamental. A propósito disso, Ciborra e Lanzara (1985), assessores de uma central sindical italiana, criticam a noção de qualidade de vida no trabalho e propõem a terminologia qualidade do trabalho - mais adequada, na medida que procura incluir todas as características de uma certa atividade humana -, apontando que ela encerra uma concepção clínica, voltada à mudança de hábitos de vida e por isso atribuindo ao próprio trabalhador a responsabilidade de adaptar-se, de modo a otimizar sua qualidade de vida e de trabalho. Tal comportamento, não podemos esquecer, abre caminho para uma velha postura ideológica: a culpa da vítima pelo ato inseguro (Lacaz, 1983).
Observa-se, pois, que a idéia de QVT é complexa e mutante. Pressupõe tanto uma abordagem e um aporte informado pela saúde coletiva, como pela clínica; além de embutir uma descontextualização e despolitização das relações saúde-trabalho, tão marcantes no discurso sanitário.
No caso do Brasil, as políticas empresariais de programas de qualidade, conforme mostra Heloani (1994), são caracterizadas por envolver mecanismos de controle da percepção e subjetividade para enquadrar trabalhadores mediante engrenagens que visam introjetar as normas e metas da empresa.
Do lado dos trabalhadores, considerando-se a história recente do movimento sindical, do então chamado novo sindicalismo, que data do final dos anos 70 e início dos 80, ver-se-á que qualidade de vida (no trabalho) não foi uma bandeira de luta expressa, mas sim a melhoria das condições de trabalho e defesa da saúde como direito de cidadania (Ribeiro & Lacaz, 1984). Não seria por isso mesmo que foi usada para contrapor-se ao discurso sobre a saúde defendido por parcela importante do movimento sindical de trabalhadores que, entre nós, sedimentou-se sobre uma plataforma claramente política para explicar a determinação do processo saúde/doença? (Rebouças et al., 1989).
 
Qualidade de vida no trabalho: um conceito e prática instrumentais
Para Ciborra & Lanzara (1985), são várias as definições da expressão QVT, ora associando-a às características intrínsecas das tecnologias introduzidas e ao seu impacto; ora a elementos econômicos, como salário, incentivos, abonos, ou ainda a fatores ligados à saúde física, mental e à segurança e, em geral, ao bem-estar daqueles que trabalham. Em outros casos, segundo estes autores, considera-se que a QVT é determinada por fatores psicológicos, como grau de criatividade, de autonomia, de flexibilidade de que os trabalhadores podem desfrutar ou, (...) fatores organizativos e políticos, como a quantidade de controle pessoal sobre o posto de trabalho ou a quantidade de poder que os trabalhadores podem exercitar sobre o ambiente circundante a partir de seu posto de trabalho.
Mais ainda: do ponto de vista do planejamento do trabalho, a categoria qualidade do trabalho também apresenta nuanças problemáticas quando envolve questões abstratas, que desconsideram as relações concretas de produção no cotidiano do trabalho dos atores sociais. Assim, as questões conceituais sobre qualidade do trabalho consubstanciam-se, ainda conforme apontam Ciborra & Lanzara (1985): De um lado por não parecer[em] ser definida[s] a partir de concepções explícitas que os atores da organização têm acerca de sua vida de trabalho, assume-se que a dimensão qualitativa do trabalho envolve relações econômicas entre os indivíduos e a empresa e, de outro, pelos problemas básicos de saúde e segurança do posto de trabalho.
Trata-se, então, em última instância, em concordância com Mendes e Dias (1991), de buscar a humanização do trabalho - um dos pressupostos do campo de práticas e saberes informado pelo encontro das formulações emanadas da Saúde Coletiva, da Medicina Social Latino-americana (Laurell, 1991) e da Saúde Pública, campo este denominado Saúde do Trabalhador (Lacaz, 1996).
Diante dessas assertivas, defende-se que dos elementos que explicitam a definição e a concretização da qualidade (de vida no) do trabalho, é o controle - que engloba a autonomia e o poder que os trabalhadores têm sobre os processos de trabalho, aí incluídas questões de saúde, segurança e suas relações com a organização do trabalho - um dos mais importantes que configuram ou determinam a qualidade de vida (no trabalho) das pessoas. E, frise-se, elas são o que são. Por isso, as condições, ambientes e organização do processo de trabalho devem respeitá-las em sua individualidade.
Aqui, a noção de controle deve ser entendida como a possibilidade dos trabalhadores conhecerem o que os incomoda, os fazem sofrer, adoecer, morrer e acidentar-se e articulada à viabilidade de interferir em tal realidade. Controlar as condições e a organização do trabalho implica, portanto, a possibilidade de serem sujeitos na situação. O exercício do controle tem tanto uma face objetiva (poder e familiaridade com o trabalho), como uma face subjetiva, ou seja, o limite que cada um suporta das exigências do trabalho (Sato, 1991).
Frise-se, ainda, que problemas afetos à temática da organização (divisão de tarefas, de homens, de tempo e de espaço) e do (re)planejamento do trabalho são também da maior relevância para que seja abordada de maneira produtiva e objetiva a discussão sobre qualidade do trabalho. E, aqui, é imperioso analisar como, de um lado, o controle e a disciplina fabris e, de outro, a gestão participativa como possibilidade de abertura de canais de negociação capital-trabalho, que levem à busca do encaminhamento das contradições e conflitos de interesses no trabalho, podem interferir no seu encaminhamento sob uma ótica coletiva. Assim, quando se fala de saúde e qualidade no trabalho, é sob este prisma que devem ser tratadas as questões a elas relacionadas. É, pois, equivocado basear a solução dos aspectos que interferem neste binômio em medidas de ordem individual como propõem os programas de qualidade difundidos pelas empresas, dada sua ineficácia e por serem questionáveis seus pressupostos, inclusive do ponto de vista bioético (Berlinguer, 1993). O que se propõe é, portanto, redirecionar o foco do debate e colocá-lo no âmbito das relações sociais de trabalho que se estabelecem no processo produtivo, para que fórmulas simplistas não sejam priorizadas quando se objetiva enfrentar a complexidade das questões que envolvem a temática aqui analisada.
Na perspectiva de ampliar o foco de luz sobre a temática, é esclarecedor atentar para o que observa Cattani (1997) no que diz respeito à autonomia, ao controle e ao poder dos trabalhadores n(d)o processo de trabalho.
O autor fala da antiga discussão do que representa a disciplina fabril sobre o tempo disponível e a vida dos operários com o advento da chamada Revolução Industrial na Europa Ocidental. Esta disciplina sofisticou-se com as mudanças introduzidas a partir das novas formas de organização do trabalho (Fleury e Vargas, 1983) que se consubstanciam hoje no que se denomina reestruturação produtiva, sempre visando a cada vez maior produtividade e a competitividade de mercado (Gorender, 1997).
Assim, do simples relógio da fábrica, que regulava a hora de acordar e de dormir da família operária, ao cronômetro, base da intervenção racional sobre o trabalho construída e difundida por Taylor (1982), houve um disciplinamento e um assujeitamento (Foucault, 1994). Estes refinaram e aprofundaram a disciplina fabril, a qual ganhou cores mais vivas, constituindo-se nos pilares das propostas de organização e gestão do trabalho ainda sob o taylorismo e, posteriormente, sob o fordismo e mesmo sob o toyotismo (Antunes, 1995; Hirata e Zarifian, 1991).
Vários estudos epidemiológicos e qualitativos têm mostrado a importância da ausência de controle e autonomia dos trabalhadores sobre condições e organização do trabalho para explicar diversos problemas de saúde como os cardiovasculares, o sofrimento mental e mesmo os acidentes do trabalho (Gardell, 1982; Karasek, 1979; Karasek et al., 1981; Marmot e Theorell, 1988; Olsen e Kristensen, 1991; Seligmann-Silva, 1997; Vezina, 1998; Wünsch Filho, 1998). É isso que será discutido a seguir.
 
Perfil patológico e qualidade n(d)o trabalho: as diferentes explicações
Melhorar a qualidade das condições de saúde no trabalho, a partir do enfoque acima discutido, acarreta identificar os problemas em cada situação, com a participação efetiva dos sujeitos do processo de trabalho e replanejá-lo, o que envolve sempre um processo de negociação (Laurell & Noriega, 1989). Não há apenas um modo racional de fazer o trabalho, mas diversos. Diante disso, não cabe somente aos gestores o papel de pensar e replanejar. Devem estar envolvidos também os trabalhadores produtivos para, no limite, acabar com a separação, advinda da administração racional, entre o planejamento e a execução de qualquer trabalho (Laurell & Noriega, 1989; Sato, 1999).
Conforme aponta Dejours (1987), trabalho prazeroso é aquele em que cabe ao trabalhador uma parte importante da concepção. Assim, a inventividade, a criatividade, a capacidade de solucionar problemas, o emprego da inteligência é o que deve ser buscado, e é disso que fala De Masi (1999) quando estuda as principais experiências criativas de trabalho entre meados do século XIX e do século XX, tanto em empresas, como em instituições de pesquisa.
Se sob o taylorismo os indicadores mais diretos da nocividade e da exploração do trabalho estavam relacionados aos acidentes típicos e às chamadas doenças ocupacionais, características dos efeitos das matérias e dos agentes de risco existentes nos ambientes de trabalho onde ocorria a transformação industrial, também a eles associava-se uma maneira de compreender os tais agravos à saúde. Para a Medicina Legal e a Higiene do Trabalho e Industrial, os riscos ocupacionais eram vistos como infortúnios do trabalho: noção que aliava a fatalidade a uma certa suscetibilidade individual para a ocorrência de tais problemas (Barreto, 1929; Bertolli, 1992/93; Mendes, 1995).
A própria Medicina do Trabalho e depois a Saúde Ocupacional caminharam nessa trilha, ao vincularem, de modo redutor, sua visão sobre a forma de adoecer e morrer em conseqüência do trabalho aos agentes patogênicos de natureza física, química e biológica dos ambientes de trabalho onde o trabalhador/ hospedeiro com eles interage (Mendes, 1980). Com isso, o perfil de adoecimento encontrava-se circunscrito às doenças e acidentes ocupacionais puros, isto é, não se concebia que os trabalhadores adoecessem e morressem de maneira semelhante com o que ocorre com a população geral e, também, em conseqüência da inserção em processos de trabalho que se modificam historicamente dentro do mesmo modo de produção. Assim, essas modificações determinam formas de adoecimento e morte que devem ser analisadas do ponto de vista histórico para que se apreenda como as transformações do trabalho atuam na saúde/doença (Dias, 1994). É a introdução da categoria processo de trabalho, como elemento explicativo central na análise das relações entre trabalho e processo saúde/doença, a grande contribuição e ruptura epistemológica que fazem a Medicina Social Latino-Americana (Laurell, 1991) e a Saúde Coletiva (Lacaz, 1996).
Sob o fordismo, o grau de automação que vai sendo imposto ao trabalho, associado a mudanças importantes na forma de organização da jornada, como o regime de turnos alternantes, produz uma mudança no perfil da morbi-mortalidade, que associa-se, no final dos anos 60, ao aumento do absenteísmo, da insatisfação no trabalho, das operações tartaruga como maneiras de resistência ao controle fordista. São sinais do esgotamento desta forma de gestão, divisão e organização do trabalho (Frederico, 1979; Humphrey, 1982).
A cada vez mais clara percepção do esgotamento de um ciclo coloca ao capital a necessidade de pensar em novas formas de gestão, divisão e organização do trabalho, o que começa a acontecer na década de 1970, inicialmente em países do capitalismo central, inspirados no modelo japonês. Esse modelo vai constituir-se no novo paradigma, que reacende a discussão sobre o controle e o disciplinamento dos trabalhadores. E, ressalte-se, é na organização do trabalho, que implica a divisão de tarefas e delimitação das relações sociais de trabalho, que se deve buscar as restrições para a livre manifestação da saúde mental. Ocorre que, entre nós, quando o assunto é a busca do padrão japonês de produção como paradigma de flexibilização produtiva e inovação na organização do trabalho, que seria acompanhado do fim da divisão do trabalho baseada no taylorismo e no relacionamento autoritário na empresa, existem importantes controvérsias. Essa transição/reestruturação produtiva, que engloba a questão da qualidade, tem sido conceituada como um processo que busca compatibilizar uma série de mudanças organizacionais nas relações de trabalho, implicando uma nova definição de papéis das nações e entidades do sistema financeiro, para garantir a competitividade e a lucratividade nas quais as novas tecnologias têm um papel central (Corrêa, 1997). Isso tudo começa no final dos anos 60 e início dos 70, quando evidenciam-se os limites do regime de acumulação baseado no taylorismo/fordismo, até então hegemônicos, como forma de organização do trabalho (Corrêa, 1997). O componente relativo à organização e divisão do trabalho é o lugar dos principais elementos que caracterizam a reestruturação produtiva que traz conseqüências para a vida em sociedade. Junto, aparecem subprodutos, ou seja, o desemprego, a ampliação do trabalho parcial; o trabalho de crianças e adolescentes, das mulheres e as questões de gênero correlatas, bem como a precariedade das relações de trabalho e dos direitos trabalhistas (Antunes, 1995; Brito, 1997; Gomez e Meirelles, 1997).
É mister ainda ressaltar que com o aprofundamento da automação e o avanço das novas tecnologias de informática, que passam a definir os níveis da produção a serem alcançados, houve uma clara sofisticação do disciplinamento que veio acompanhada de uma dissimulação do controle, sob o manto da idéia da qualidade e da competitividade. Tais mudanças na organização do trabalho levam ao abandono relativo as idéias de tarefas e postos de trabalho, tão caros da organização taylorista/fordista. Daí decorrem os modos de polivalência, a articulação das atividades de operação e o controle de qualidade e manutenção (Salerno, 1994).
No Brasil tal estratégia, também uma resposta à atuação do movimento novo sindicalismo, já mencionado, parece assumir um caráter ambíguo: maior delegação de poderes acoplada à dissimulação do controle, representada, por exemplo, pelos Círculos de Controle de Qualidade/CCQs (Humphrey, 1982; Lacaz, 1983). Isso ocorre à medida em que o país passa a se inserir cada vez mais e rapidamente no mercado internacional, conjuntura em que a competitividade está a exigir tais mudanças, visando à melhoria da qualidade do que é produzido. Acontece, porém, que a Gestão Participativa e os CCQs são uma certa forma de implementá-la e, quando se dá por... iniciativa patronal é episódica e reversível (...) ocorrendo concomitantemente à intensificação forçada da mão de obra e da precarização (sic.) dos contratos (Cattani, 1997).
Não por acaso, no Brasil, a possibilidade de organização dos trabalhadores nos locais de trabalho, que deveria ser um dos pilares da busca pela qualidade do trabalho, é uma realidade muito pouco encontrada, quando não considerada indesejável ou até ilegal, dada a histórica repulsa do patronato às manifestações de independência e autonomia das classes trabalhadoras (Rodrigues, 1995).
A organização nos locais de trabalho deveria ser elemento norteador das relações de trabalho, em vista da introdução de novas tecnologias e da automação cada vez mais intensa que se observa nos setores produtivos mais modernos. Assim, é inadmissível falar em qualidade do produto sem tocar na qualidade dos ambientes e condições de trabalho, o que seria sobremaneira auxiliado pela democratização das relações sociais nos locais de trabalho.
Na falta dos elementos acima apontados, pode-se afirmar que esta nova empresa incorpora exigências com relações contraditórias no que se refere à saúde, tais como: maior intensidade do ritmo, maior controle e conhecimento do trabalho; polivalência e criatividade; maior liberdade de ação, reconhecimento maior do trabalho e critérios rígidos de avaliação.
Tais relações expressam-se num quadro variado de queixas no qual prevalecem o mal-estar difuso, como dores de cabeça e nas costas, dificuldade de dormir e cansaço que não melhora com o descanso (Monteiro, 1995).
Os estudos realizados sobre as formas de gestão participativa no Brasil, apontam para uma alienação maximizada na medida que se exige além do trabalho, a afetividade e/ou até o inconsciente (Heloani, 1994). E, quando se trata da análise da participação dos trabalhadores versus poder, observa-se que ela é apenas consultiva e que o poder de decisão não pertence a eles, particularmente em questões cruciais como no caso de demissões, por exemplo (Monteiro, 1995).
Do ponto de vista sanitário, essa realidade contraditória traz consigo um novo perfil de morbi-mortalidade dos trabalhadores. Além das doenças e acidentes associados à organização taylorista/fordista, hoje agrega-se a tendência de mudança deste perfil em que predominam doenças não reconhecidas como do trabalho, na medida que a organização (japonesa) do trabalho é o novo paradigma mundial e dele fazem parte a informática, a automação, a polivalência, a restrição hierárquica, o enxugamento do efetivo (downsizing), o desemprego etc. (Antunes, 1995).
Se, de um lado, a reestruturação exige o surgimento de um trabalhador participativo, escolarizado e polivalente, esta polivalência é vivenciada de forma ambígua, ou seja, como aumento de responsabilidade, maior carga de trabalho e menor autonomia (Monteiro, 1995).
A propósito disso, estudo recente realizado na indústria de papel e celulose gaúcha, corrobora o que foi dito, tendo mostrado que o trabalho exigia forçar a vista, ao lado de obrigar que se trabalhasse em grande velocidade, posição incômoda, o que era acompanhado de forte pressão da chefia. Essa realidade de trabalho predispunha à irritação/nervosismo, dor nas costas, dor de cabeça e cansaço - mais prevalentes no setor administrativo que, mesmo tendo melhores condições e ambientes de trabalho, apresentava cargas mais freqüentes derivadas da forma de organização e divisão do trabalho (Fassa e Facchini, 1995).
Em realidades históricas de capitalismo dependente, tal quadro associa-se à chamada precariedade do trabalho, em que o vínculo temporário e a subcontratação promovem uma perda do poder de barganha dos trabalhadores, com repercussões sobre a capacidade de negociação das condições de trabalho nos contratos coletivos (Lacaz, 1996). Tal situação, no cotidiano, obriga a realização de tarefas para as quais não houve treinamento adequado, em horários prolongados e os mais variáveis, com ritmo acelerado (Monteiro, 1995).
Em busca da meta modernizar ou perecer, fala-se em implemento da produtividade, a qual não se dá pelo aumento da produção por trabalhador, em conseqüência de mudanças tecnológicas, mas sim pela intensificação do trabalho reorganizado. É o que acontece, por exemplo, nas empresas que modernizam a tecnologia de certos momentos produtivos e terceirizam outros, o que provoca a perda de postos de trabalho, estratégia esta muito comum em empresas montadoras (Villegas et al., 1997). A esse respeito é valioso atentar para editorial do jornal Folha de S. Paulo, na edição do dia 14/11/1993, cujo sugestivo título era Produtividade e Miséria e que analisava as estatísticas divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) sobre o aumento da produtividade industrial em meio à redução do emprego. O texto assinalava que junto ao impressionante aumento da produtividade no complexo metal-mecânico e eletrônico de cerca de 40%, nos primeiros sete meses de 1993 e de 23% no período entre 1991 e1993 o que seria mais um recorde mundial, houve redução de 10% no nível de emprego, considerando-se o mesmo período. Esse exército de desempregados, que demanda serviços de saúde, assistência social em função de seu baixo consumo, de insegurança social, constitui a outra face da propalada qualidade e competitividade modernizadora.
Em países periféricos, a coexistência de processos de trabalho arcaicos e modernos explica a ocorrência de um perfil híbrido, no qual os nexos de causalidade com o trabalho tornam-se mais complexos e onde nexos anteriormente não cogitados ou desvalorizados devem ser (re)colocados em pauta.
Nesse panorama sobrevêm tanto uma 'subcarga' qualitativa como uma sobrecarga quantitativa psíquica, podendo ser prognosticada a permanência da heterogeneidade tecnológica, mas com certa homogeneidade desfavorável das condições de trabalho e de vida (Laurell, 1991).
Diante disso, um novo perfil patológico configura-se, o qual é caracterizado pela maior prevalência, na população trabalhadora, de agravos à saúde marcados pelas doenças crônicas, cujo nexo de causalidade com o trabalho não é mais evidente como ocorria com as doenças (e acidentes) classicamente a ele relacionadas, os chamados infortúnios do trabalho. Proliferam então as doenças cardiocirculatórias, gastrocólicas, psicossomáticas, os cânceres, a morbidade músculo-esquelética expressa nas lesões por esforços repetitivos (LERs), às quais somam-se o desgaste mental e físico patológicos e mesmo as mortes por excesso de trabalho, além das doenças psicoafetivas e neurológicas ligadas ao estresse (Gorender, 1997). Seriam, então, tais agravos os indicadores mais apropriados, nos dias que correm, para expressar o grau em que as condições, ambientes e organização do trabalho realmente se enquadram nos padrões de qualidade do trabalho que incorporam os parâmetros aqui defendidos?
Assim, no bojo desse quadro, a morbi-mortalidade tendencial da população trabalhadora aponta para uma prevalência cada vez mais freqüente de agravos caracterizados por um mal estar difuso (Seligmann-Silva, 1997) e por doenças que ocorrem na população geral, mas que entre os trabalhadores passam a ocorrer em faixa etária mais precoce, quando comparada com a população geral. O quadro 2 demonstra como tal tendência se configura de maneira bastante clara.
No quadro observa-se uma predominância das mortes por doenças cardiovasculares, que podem se relacionar à baixa autonomia de decisões no trabalho, às atividades pouco criativas e pequeno apoio social (Marmot & Theorell, 1988); ao que se soma as mortes por causas externas, relacionadas à violência dos centros urbanos, muitas delas como resultado dos acidentes de trajeto ou do trabalho (de trânsito) dos condutores de ônibus e veículos de carga (Lucca & Mendes, 1993) e pelos cânceres relacionados ao uso de substâncias químicas cada vez mais tóxicas (Mendes, 1988b).
Ademais, qualquer análise sobre as principais causas de aposentadoria por invalidez previdenciária durante a década de 1980, conforme mostrado a seguir (Quadro 3), também obriga a pensar na participação do trabalho como determinante desta morbidade, particularmente no que se refere à hipertensão arterial, transtornos mentais e doenças osteoarticulares (Mendes, 1988a).
 
 
Conclusão
Pode-se afirmar que a temática da QVT assume maior relevância nos anos 70, quando se dá um esgotamento da organização do trabalho de corte taylorista/fordista, ao qual associa-se um aumento do absenteísmo, da insatisfação no trabalho e da não aderência dos trabalhadores às metas definidas pela gerência. O modelo japonês é o novo paradigma de organização do trabalho, visando superar essa realidade, apesar de tal modelo, conforme apontam alguns estudiosos, reduzir a autonomia nas relações de trabalho, além de envolver um controle importante da vida extraprofissional pela estrita utilização do tempo a serviço da empresa (Antunes, 1995; Hirata e Zarifian, 1991).
Mesmo diante dos vários enfoques que vai assumindo a QVT, interessou aqui ressaltar que para a OIT, a temática é expressada no PIACT, lançado em 1976, procurando articular duas vertentes: uma relacionada à melhoria da qualidade geral de vida como aspiração humana e que não poderia ser barrada no portão das fábricas; e outra relativa à maior participação dos trabalhadores nas decisões que dizem respeito à sua vida e atividade de trabalho. Nesse sentido, a saúde e a qualidade do trabalho não podem ser negociadas como mais um mero elemento da produção. Tal abordagem visava superar a prevenção dos acidentes e doenças considerados diretamente ligados ao trabalho, priorizando a busca de outros nexos saúde-trabalho, para além da causalidade direta. Os agravos à saúde, que também ocorrem na população geral, quando relacionados ao trabalho assumem um perfil diferenciado.
A Organização Mundial da Saúde, no ano de 1979, advogou a estratégia da necessidade de desenvolver-se programas especiais de atenção à saúde dos trabalhadores, visando promover melhorias nas condições da qualidade de vida e trabalho nos países em desenvolvimento (Freitas et al., 1985).
Ressalte-se que a idéia de QVT aqui defendida envolve questões intrinsecamente ligadas às novas tecnologias e seu impacto para a saúde e o meio ambiente; aos salários, incentivos e participação nos lucros das empresas; à criatividade, autonomia, grau de controle e quantidade de poder dos trabalhadores sobre o processo de trabalho (Laurell e Noriega, 1989). Disso decorre que se defenda a conquista de um (re)planejamento do trabalho em que a gestão participativa seja real, com verdadeiros canais coletivos de negociação - capital-trabalho, visando à resolução dos conflitos/contradições de interesses e a superação de uma certa gestão participativa de caráter patronal, episódica e reversível, porque acompanhada da intensificação, da precariedade do trabalho e dos contratos e direitos trabalhistas (Antunes, 1995).
Urge, portanto, um debate que tenha como foco a possibilidade de organização a partir dos locais de trabalho, de forma a possibilitar uma discussão das demandas de maneira democrática e igualitária, visando submeter as questões ligadas à competitividade/produtividade e qualidade do produto à qualidade do trabalho e à defesa da vida e da saúde no trabalho. Daí ser necessária a utilização de outros indicadores sanitários que melhor espelhem as maneiras atuais de consumo da força de trabalho, acopladas à reengenharia produtiva em que prevalece a entrada de novos e desconhecidos insumos quanto à nocividade à saúde e ao ambiente, aliada ao aprofundamento da automação e informatização n(d)o processo produtivo.
 
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Qualidade de vida do trabalhador: discussão conceitual

Calidad de vida del trabajador: discusión conceptual

Quality of life in workers: conceptual approach
 
*Universidade Federal de Santa Catarina
**Universidade Federal do Paraná
***Universidade Federal de Santa Maria
***Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(Brasil)

QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO
 
Resumo
          As atividades laborais produtivas são determinantes para o desenvolvimento da sociedade. As condições e organização do trabalho estão ligadas, tanto com a promoção quanto com a diminuição da qualidade de vida do trabalhador. Assim, buscou-se explorar o tema qualidade de vida do trabalhador, discutindo os principais conceitos focando a legislação brasileira sobre o tema. Qualidade de vida é um conceito marcadamente multidimensional e que depende de fatores internos, como a percepção, e externos, como o ambiente, e no mundo do trabalho, está ligada à motivação para o trabalho e maior produtividade. Apesar da importância do tema ainda existe uma grande lacuna de conhecimento, principalmente em se tratando da qualidade de vida do trabalhador. Apesar disso, os estudos já realizados revelam que salários justos, segurança no trabalho, relevância social, flexibilidade, dentre outros, são fatores determinantes para a qualidade de vida do trabalhador. A legislação brasileira ainda é limitada sobre o tema enfocando normas de segurança e atendimento à saúde, não atendendo à abrangência, a multidimensionalidade e a relevância social do tema.
       

Abstract
          The labor production activities are crucial to the development of society. Conditions and work organization are linked with both the promotion and with the decrease in worker’s quality of life. Thus, we tried to explore the subject quality of life of the employee, discussing the main concepts addressing the Brazilian legislation on the subject. Quality of life is a markedly multidimensional concept that depends on internal factors, as the perception, and external factors, as the environment; in the world of work it is connected to the motivation for working and higher productivity. In spite of the importance of the theme, there still is a great lack of knowledge, mainly regarding the worker’s quality of life. Despite this fact, the studies already done show that fair salaries, safety in the work, social relevance, flexibility, beside many others, are determinant factors for the worker’s quality of life. The Brazilian legislation still is limited about the theme, focusing safety rules and health assistance, solving in a limited way the range, the multidimensionality and the social relevance of the theme.
          Keywords: Quality of life. Work. Health promotion










Clarissa Stefani Teixeira*

Érico Felden Pereira**
Lizandra Salau da Rocha***
Anderlei dos Santos****
Eugenio Andrés Díaz Merino*







Introdução
    A pesquisa sobre qualidade de vida do trabalhador pode ser considerada uma ramificação do estudo da qualidade de vida geral e vem recebendo atenção crescente de cientistas das áreas de saúde, ecologia, psicologia, economia, administração e engenharia (VASCONCELOS, 2001), bem como das empresas que têm proposto programas que buscam melhoraria nas condições de trabalho e de vida dos trabalhadores.
    São considerados trabalhadores no Brasil todos os homens e mulheres que exercem atividades para sustento próprio e/ou de seus dependentes, qualquer que seja sua forma de inserção no mercado de trabalho, nos setores formais ou informais da economia. Estão incluídos nesse grupo os indivíduos que trabalharam ou trabalham como empregados assalariados, trabalhadores domésticos, trabalhadores avulsos, trabalhadores agrícolas, autônomos, servidores públicos, trabalhadores cooperativados e empregadores (particularmente, os proprietários de micro e pequenas unidades de produção). São também considerados trabalhadores aqueles que exercem atividades não remuneradas habitualmente, em ajuda a membro da unidade domiciliar que tem uma atividade econômica, os aprendizes e estagiários e aqueles temporária ou definitivamente afastados do mercado de trabalho por doença, aposentadoria ou desemprego (BRASIL, 2001).
    A qualidade de vida no trabalho, normalmente é analisada a partir da relação da qualidade de vida do trabalhador com sua produtividade, mas, cada vez mais, os estudos e intervenções estão focalizados também em aspectos da vida do trabalhador não diretamente ligados ao seu trabalho para a análise da qualidade de vida (OLIVEIRA, 1997; LACAZ, 2000; VASCONCELOS, 2001). Apesar disso, algumas discussões mais recentes trazem a terminologia “qualidade de vida do trabalhador” deixando mais claro que a qualidade de vida não se restringe somente ao local e ao momento do trabalho, mas sim, possui relação com todos os outros aspectos que formam a vida das pessoas (trabalhador e sua família) como a satisfação pessoal, relacionamento familiar, oportunidades de lazer, dentre outros (NAHAS, 2003).
    Mesmo que o tema venha sendo discutido há várias décadas, ainda existem imprecisões conceituais e controvérsias e às vezes o assunto não é discutido com a abrangência necessária que tema exige, limitando-se a análises das condições de vida, prevalências de doenças e comportamentos de riscos nos trabalhadores. Neste sentido, este estudo teve por objetivo apresentar e discutir os principais conceitos da qualidade de vida no trabalho (do trabalhador) com destaque para os estudos e a legislação brasileira.


Qualidade de vida
    O conceito qualidade de vida apresenta várias definições, por vezes divergentes, que dependem, dentre outros fatores, da área de interesse das investigações. Apesar disso, é consenso que não inclui apenas fatores relacionados à saúde, como bem-estar físico, funcional, emocional e mental, mas também outros elementos importantes da vida das pessoas como trabalho, família, amigos, e outras circunstâncias do cotidiano, sempre considerando que a percepção pessoal de quem pretende se investigar é primordial (GILL e FEISNTEIN, 1994). A Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere que a qualidade de vida reflete a percepção dos indivíduos de que suas necessidades estão sendo satisfeitas ou, ainda, que lhes estão sendo negadas oportunidades de alcançar a felicidade e a auto-realização, com independência de seu estado de saúde físico ou das condições sociais e econômicas (OMS, 1998).
    Segundo Tani (2002) determinados aspectos da vida como a felicidade, amor e liberdade, mesmo expressando sentimentos e valores difíceis de serem compreendidos, não se tem dúvida quanto a sua relevância, acontecendo o mesmo com a qualidade de vida. Tani (2002) também destaca que o tema vem sendo usado de forma indiscriminada e oportunista, por exemplo, com muitos políticos que prometem elevar a qualidade de vida da população lançando mão de estatísticas muitas vezes irreais para comprovar seus feitos.
    Importante salientar que muitos estudos fazem uma abordagem superficial do tema evitando definir exatamente o que pretendem medir ou ainda apresentam estas determinações de forma limitada (FARQUHAR, 1995). Além disso, grande parte dos estudos investiga as condições de saúde ou de vida fazendo inferências sobre qualidade de vida a partir destas informações. Porém, muitas vezes estes achados podem não refletir de forma ampla o quão bem se vive a pessoa investigada (RENWICK e BROWN, 1996; MINAYO, HARTZ e BUSS, 2000).
    Em se tratando de qualidade geral podem ser apontados alguns componentes que auxiliam na compreensão teórica do tema. Silva (1999) considera qualidade de vida em seis dimensões ou domínios:
  • Físico: engloba não apenas o quadro clínico do indivíduo (presença/ausência, gravidade/intensidade de doença orgânica demonstrável), mas também, a adoção de uma alimentação saudável, a não aderência a hábitos nocivos de vida e, também, ao uso correto do sistema de saúde;
  • Emocional: envolve desde uma adequada capacidade de gerenciamento das tensões e do estresse até uma forte auto-estima, somadas a um nível elevado de entusiasmo em relação à vida;
  • Social: significa alta qualidade dos relacionamentos, equilíbrio com o meio ambiente e harmonia familiar;
  • Profissional: composta de uma clara satisfação com o trabalho, desenvolvimento profissional constante e reconhecimento do valor do trabalho realizado;
  • Intelectual: significa utilizar a capacidade criativa sempre que possível, expandir os conhecimentos permanentemente e partilhar o potencial interno com os outros;
  • Espiritual: traduzida em propósito de vida baseado em valores e ética, associado a pensamentos positivos e otimistas.
    Silva (1999) enfatiza que, apesar do modelo teórico ser baseado em componentes, a vida não pode ser compartimentalizada de forma estanque, sendo que todas as dimensões se interligam e influenciam-se reciprocamente, respondendo todas em conjunto pela qualidade de vida.
    Além da idéia de multidimensionalidade do conceito de qualidade é importante, mesmo que difícil, se definir cada dimensão para a qualidade de vida das pessoas. A dimensão profissional da qualidade de vida ganha importância pelo fato do trabalho ocupar um espaço muito importante na vida das pessoas, ou seja, quase todo mundo trabalha, e uma grande parte da vida é passada dentro de organizações. Possui também um importante valor na sociedade e as pessoas começam a ingressar nele cada vez mais jovens. Contudo, o mundo do trabalho moderno parece tomar uma configuração sentida pelo homem como mentalmente e espiritualmente pouco saudável. Pode-se dizer tranqüilamente que muitas pessoas adoecem em função do trabalho (ROEDER, 2003).
Qualidade de vida do trabalhador
    Qualidade de vida do trabalhador ou no trabalho é um tema bastante desenvolvido na área da economia e administração que normalmente aborda o conceito no víeis dos programas de qualidade, nos quais a satisfação do trabalhador é um meio para se atingir alta produtividade; mas também é crescente a busca de superação desse paradigma no sentido de considerar, de forma mais humana, as pessoas que estão envolvidas nos processos produtivos (NAHAS, 2003).
    De qualquer forma, as contradições e singularidades que são características marcantes do ser humano são marcas também do contexto da qualidade de vida e saúde do trabalho, ou seja, alguns trabalhadores vão adoecer e outros não, alguns terão sua qualidade de vida deteriorada ao passo que outros terão melhorias mesmo sendo submetidos a condições de trabalho similares; algumas pessoas irão conseguir se adaptar e superar as dificuldades mais facilmente que outras e isso irá depender de inúmeras dimensões e particularidades de cada indivíduo, sendo a identificação e análise dessas dimensões um passo essencial para um maior conhecimento da área, amadurecimento conceitual, bem como, de futuras propostas de intervenção.
    Similar ao conceito de qualidade de vida, a qualidade de vida no trabalho também apresenta uma imprecisão conceitual e vem sendo normalmente relacionada às práticas empresariais de qualidade total e sua discussão ganhou importância no pós-guerra pelo Plano Marshall de reconstrução da Europa (LACAZ, 2000), no qual os Estados Unidos buscou, a partir de investimentos financeiros, alavancar a economia dos países aliados na Europa. Sua origem deu-se nos estudos de Eric Trist e colaboradores na década de 50 na Inglaterra, no qual estudavam um modelo macro para agrupar o trinômio indivíduo/trabalho/organização. As preocupações com as condições de trabalho e influência destas na produção e moral do trabalhador vieram a ser estudadas de forma mais clara somente com a sistematização dos métodos de produção nos séculos XVIII e XIX (RODRIGUES, 1995).
    Na década de 60 o assunto ganhou impulso a partir de uma maior conscientização dos trabalhadores e das responsabilidades sociais da empresa objetivando um último plano para atingir altos níveis de produtividade, mas sem esquecer a motivação e satisfação do indivíduo. Apesar disso, as preocupações com qualidade de vida no trabalho foram em muitos momentos esquecidas frente às mudanças do mercado e economia internacional e necessidade de mudanças das formas de produção (RODRIGUES, 1995).
    A partir dos anos 80 houve uma tendência que fundamentou a qualidade de vida no trabalho na maior participação do trabalhador na empresa, na perspectiva de tornar o trabalho mais humanizado, vendo os trabalhadores como indivíduos ativos dentro do contexto da produção, sendo que sua realização pessoal está baseada no desenvolvimento e aprofundamento de suas potencialidades enquanto trabalhador e ser humano. Até então a preocupação sobre prevenção dos acidentes e doenças tidos como diretamente relacionados ao trabalho era o foco principal. A superação disso, veio na discussão de outros tipos de agravos relacionados principalmente à saúde do trabalhador e que não pareciam diretamente ligados ao trabalho (LACAZ, 2000).
    A qualidade de vida no trabalho engloba muitos aspectos. Rodrigues (1995) e Sucesso (1998), assim como ilustra o Quadro 1, realizam leituras e resumem estes aspectos.
Quadro 1. Aspectos que alicerçam a qualidade de vida no trabalho
Autores
Aspectos que alicerçam a qualidade de vida no trabalho
Rodrigues (1995)
- adequada e satisfatória recompensa;
- segurança e saúde no trabalho;
- desenvolvimento das capacidades humanas;
- crescimento e segurança profissional;
- interação social;
- direitos dos trabalhadores;
- espaço total de vida no trabalho e fora dele;
- relevância social;
Sucesso (1998)
- renda capaz de satisfazer às expectativas pessoais e sociais;
- orgulho pelo trabalho realizado;
- vida emocional satisfatória;
- auto-estima;
- imagem da empresa/instituição junto à opinião pública;
- equilíbrio entre trabalho e lazer;
- horários e condições de trabalhos sensatos;
- oportunidade e perspectivas de carreira;
- possibilidade de uso do potencial;
- respeito aos direitos;
- justiça nas recompensas.
    Conceitualmente França (1997) aborda qualidade de vida no trabalho como um conjunto de ações de uma empresa que envolve a implantação de melhorias e inovações gerenciais e tecnológicas no ambiente de trabalho. A construção da qualidade de vida no trabalho ocorre a partir do momento em que se olha a empresa e as pessoas como um todo, o que pode ser chamado de enfoque biopsicossocial, norteando a realização de diagnóstico, campanhas, criação de serviços e implantação de projetos voltados para a preservação e desenvolvimento das pessoas, durante o trabalho na empresa.
    Os estudos em administração têm lançado inúmeras propostas de gestão, mas infelizmente aquelas que visam proporcionar uma melhor condição de trabalho e satisfação na sua execução, e não apenas aumento do lucro, ainda deixam muito a desejar. Ações concretas no sentido de oportunizar um ambiente de trabalho em um local aprazível, onde se possa sentir satisfação e alegria na execução das atividades profissionais são essenciais (VASCONCELOS, 2001).
    A qualidade de vida no trabalho tende a ser definida como uma forma de pensamento envolvendo além das questões do próprio trabalho, a organização e as pessoas. Neste sentido, pode-se inferir que há preocupação com o bem-estar do trabalhador e com a eficácia organizacional, assim como com a participação dos trabalhadores nas decisões e problemas do trabalho. De forma geral, Rodrigues (1995) fazendo uma leitura de Huse e Cummings (1985) aborda ainda que a operacionalização do conceito de qualidade de vida no trabalho pode ocorrer por meio de quatro aspectos ou programas:
  • A participação do trabalhador: o trabalho é envolvido no processo de tomada de decisão em vários níveis organizacionais, por meio de uma filosofia organizacional adequada. A participação é operacionalizada por meio de análise e solução de problemas na produção feita, por exemplo, pelos ciclos de controle de qualidade e de grupos de trabalho cooperativos;
  • O projeto do cargo: envolve a reestruturação do cargo dos indivíduos ou grupos. Os cargos devem atender às necessidades tecnológicas do trabalhador. O projeto do cargo inclui o enriquecimento do trabalho no qual são fixados a maior variedade da tarefa, feedback e grupos de trabalho auto-regulados;
  • Inovação do sistema de recompensa: envolve todo o plano de cargo e salário da organização e visa minimizar as diferenças salariais e de status entre os trabalhadores;
  • Melhoria no ambiente de trabalho: envolve mudanças físicas ou tangíveis nas condições de trabalho como: flexibilidade de horário, modificação do local dos equipamentos de trabalho, etc. Com essas melhorias os operários tornam-se mais satisfeitos com seus serviços. Neste sentido, pode-se dizer que a qualidade de vida no trabalho afeta positivamente a produtividade de forma indireta, de modo que há aumento da coordenação, motivação e capacidade.
    Estes aspectos, embora importantes, remetem a necessidade da qualidade de vida não ser encarada apenas no ambiente de trabalho, mas também fora dele. O trabalho organizacional conforme aborda Rodrigues (1995) deve ser visto como parte inseparável da vida humana e, a qualidade de vida no trabalho, influencia ou é influenciada por vários aspectos da vida fora do trabalho, sendo que a satisfação no trabalho não pode estar isolada da vida do indivíduo como um todo. Além disso, o trabalho é onde se estabelece muitos dos contatos sociais, assumindo um papel muito importante na vida das pessoas influenciando na forma como se vive, nos hábitos e até mesmo na identidade pessoal de cada um, possuindo assim a satisfação com a vida uma relação estreita no e com o trabalho.
    Categorias conceituais de qualidade de vida no trabalho também são apresentadas por Walton (1973) e retratadas por Fernandes (1996):
  1. Compensação justa e adequada: equidade interna e externa, justiça na compensação e partilha de ganhos de produtividade;
  2. Condições de trabalho: jornada de trabalho razoável, ambiente físico seguro e saudável, ausência de insalubridade;
  3. Uso e desenvolvimento de capacidades: autonomia, autocontrole relativo, qualidade múltiplas, informações sobre o processo total do trabalho;
  4. Oportunidades de crescimento e segurança: possibilidade de carreira, crescimento pessoal, perspectiva de avanço salarial, segurança de emprego;
  5. Integração social na organização: ausência de preconceitos, igualdade, mobilidade, relacionamento, senso comunitário;
  6. Constitucionalismo: direitos de proteção ao trabalhador, privacidade pessoal, liberdade de expressão, tratamento imparcial, direitos trabalhistas;
  7. O trabalho e o espaço total da vida: papel balanceado no trabalho, estabilidade de horários, poucas mudanças geográficas, tempo para lazer da família;
  8. Relevância social do trabalho na vida: imagem da empresa, responsabilidade social da empresa responsabilidade pelos produtos, práticas de emprego.
    Para Silva e Marchi (1997) as ações de implementação de programas de qualidade de vida podem alcançar benefícios que contemplam tanto o próprio trabalhador quanto a empresa, assim como ilustra a Figura 1. Além disso, os mesmos autores inferem ganhos relacionados à saúde, estilo de vida, disposição geral, educação nutricional e riscos cardíacos.
 
Figura 1. Benefícios com a implementação de programas de qualidade de vida.
Adaptado de Silva e Marchi (1997)
    Diante dessas abordagens é possível perceber que os autores apontam possibilidades de uma melhor qualidade de vida do trabalhador. Participação nas decisões, salários dignos, respeito aos direitos, possibilidade de aperfeiçoamento e crescimento profissional, dentre outros, são aspectos também apontados como essenciais na melhoria das condições de trabalho. No entanto, buscar essas melhorias nas empresas não é tarefa fácil.
    Dentro da amplitude da correlação saúde/trabalho é importante ressaltar que não está apenas ligada ao trabalhador em si. A divisão entre espaço de trabalho e espaço privado só é eventualmente pertinente na análise econômica, mas torna-se inconsistente a partir do momento em que se trata das relações sociais e das questões de saúde. Desta forma toda a família, o cônjuge, os filhos e mesmo os pais fazem parte do esforço em enfrentar as dificuldades no trabalho, sendo atingidos indiretamente, mas também fortemente, pelos efeitos da situação do trabalho sobre aquele que nela se encontra exposto (uma parte da violência comum nas relações conjugais, uma parte do alcoolismo e das doenças têm relação com as dificuldades no trabalho e tocam todos os membros da família).
    Voltando a questão que o trabalho também possui uma importante função na realização e satisfação pessoal, o prazer no trabalho e os benefícios provenientes da relação de trabalho no registro da saúde também têm repercussões favoráveis na economia das relações da família e no desenvolvimento psíquico e afetivo dos filhos (DEJOURS, 1992). Essa abordagem mostra ainda que assim como em todos os âmbitos da vida humana, a qualidade de vida e saúde possuem uma relação estreita. Os estudos em psicopatologia do trabalho, psicopatologia e psicossamática de acordo com Dejours (1992), cada vez mais levam os pesquisadores a investigar a doença, a loucura ou a morte. Mesmo que haja situações preocupantes que envolvem os trabalhadores é importante ainda entender como tantas pessoas, se não a maioria delas, conseguem resistir, sobreviver, e até conquistar um pouco de felicidade vivenciando condições de vida tão duras e desestabilizantes.
    Rodrigues (1995) fazendo uma leitura de Shamir e Salomon (1985) destaca algumas variáveis no contexto da qualidade de vida e trabalho:
  • Características da tarefa: autonomia, com uma supervisão menos rígida, feedback, variedade de habilidade, significado da tarefa e identidade da tarefa;
  • Relações sociais: o local de trabalho permite ao indivíduo um relacionamento social extra-familiar com grupos restritos, sendo que as maiores fontes de satisfação com o emprego e para com a qualidade de vida do indivíduo pode afetar e eficiência organizacional;
  • Estresse relacionado ao emprego: principalmente gerado pela questão dos papéis, fato que em casa muitas vezes o trabalho pode render mais. Um dos principais fatores de estresse é quando duas partes do conjunto de papéis esperam comportamento diferentes da parte do ocupante do papel;
  • Relações no trabalho e fora do trabalho: muita diferença entre os locais de convívio e certa transferência do comportamento entre ambos locais;
  • Status, poder e igualdade: uma maior igualdade dos trabalhadores dentro da organização pode trazer benefícios;
  • Outras funções latentes do trabalho: o trabalho impõe uma estrutura de tempo sobre o dia e define aspectos de status e identidade pessoal.
    Os pontos-chave na discussão da qualidade de vida no trabalho se agrupam nas questões de controle, que engloba a autonomia e o poder que os trabalhadores têm sobre os processos de trabalho, incluindo questões de saúde, segurança e suas relações com a organização do trabalho que é um dos componentes mais importantes que configuram ou determinam a qualidade de vida no trabalho das pessoas. As condições, ambientes e organização do processo de trabalho devem respeitá-las em sua individualidade (LACAZ, 2000).
    Lacaz (2000) propõe o redirecionamento de foco do debate da qualidade de vida do trabalhador nas relações sociais de trabalho que se estabelecem no processo produtivo. Segundo o autor não é possível falar em qualidade sem discutir a qualidade dos ambientes e condições de trabalho. Isso é viabilizado por meio das relações sociais no trabalho onde às questões ligadas à competitividade/produtividade e qualidade do produto devem ser analisadas à luz da qualidade do trabalho e à defesa da vida e da saúde dos trabalhadores. No Brasil, percebe-se um enfraquecimento de um dos pilares da busca da qualidade de vida do trabalho, ou seja, na organização dos trabalhadores.
    Dejours (1992) aponta que a organização do trabalho tem um papel fundamental para a saúde do trabalhador. Esta organização abarca não só a divisão das tarefas entre os operadores, os ritmos impostos e os modos operários prescritos, mas, sobretudo a divisão dos homens para garantir esta divisão de tarefas, representada pelas hierarquias, as repartições de responsabilidade e os sistemas de controle. Porém, quando essa organização entra em conflito com o funcionamento psíquico dos homens, e não há mais possibilidade de adaptação surge um sofrimento patogênico que vai necessitar a criação de outras estratégias de proteção. No entanto, é importante salientar que o sofrimento nem sempre é patogênico e pode ser criativo, sendo que o trabalho também é responsável por prazer e realização pessoal. Importante salientar que de qualquer maneira o trabalho nunca é neutro em relação à saúde, favorecendo a doença ou a saúde.
    Entre os determinantes da saúde do trabalhador estão compreendidos os condicionantes sociais, econômicos, tecnológicos e organizacionais responsáveis pelas condições de vida e os fatores de risco ocupacionais – físicos, químicos, biológicos, ergonômicos, psicossociais e de acidentes mecânicos e aqueles decorrentes da organização laboral – presentes nos processos de trabalho. Assim, as ações de saúde do trabalhador têm como foco as mudanças nos processos de trabalho que contemplem as relações saúde-trabalho em toda a sua complexidade, por meio de uma atuação multiprofissional, interdisciplinar e intersetorial (BRASIL, 2001).
    Assunção (2003) faz uma crítica a metodologia de associação direta entre os diagnósticos médicos guiados pela Classificação Internacional das Doenças com as condições de trabalho, já que os sintomas nem sempre são específicos e se referem à complexidade psicofisiológica dos seres humanos e à dinamicidade das situações de trabalho. As inúmeras transformações econômicas advindas da globalização e da modificação nos processos de produção em busca de uma maior produtividade implicam numa maior instabilidade e insegurança para os trabalhadores e isso, sem dúvida, reflete na saúde dos trabalhadores.
    O surgimento de novas formas de adoecimento mal caracterizadas, como o estresse e a fadiga física e mental e outras manifestações de sofrimento relacionadas ao trabalho, configura, portanto, situações que exigem mais pesquisas e conhecimento para que se possa traçar propostas coerentes e efetivas de intervenção (BRASIL, 2001).
    Uma patologia que consta na lista de doenças relacionadas ao trabalho e de grande importância na questão da qualidade de vida do trabalhador é o estresses e doenças associadas. Estresse ou síndrome geral de adaptação, segundo Azevedo e Kitamura (2006), trata do conjunto de reações que o organismo desenvolve ao ser submetido a circunstâncias que exigem esforço de adaptação, sendo uma resposta neuro-endrócrina do organismo a estímulos que ameaçam romper o equilíbrio dinâmico. Esse estresse é importante para a evolução do ser humano, no entanto quando há falhas dos mecanismos de adaptação, eventos de alta gravidade podem ser desencadeados e podem conduzir o organismo a morte.
    Ainda segundo Azevedo e Kitamura (2006) diversos aspectos do ambiente de trabalho podem ser geradores de estresse e determinado tipo de estresse está associado ao rebaixamento da qualidade de vida dos trabalhadores. Os quadros de estresse e de doenças relacionadas como a síndrome Burnout conhecida como a síndrome do esgotamento profissional, neuroses profissionais, síndrome da fadiga, transtornos psicossomáticos e doenças cardiovasculares que estão associadas às condições difíceis de trabalho, problemas de adaptação, acúmulo de trabalho, exigências por produção dentre outras inúmeras condições podem prejudicar a saúde do trabalhador. Os autores destacam que o ser humano oscila entre situações de estresse que possibilita a criatividade e aquele que pode prejudicar, assim como, entre momentos de boa e má qualidade de vida. Logo, há a necessidade dos indivíduos e grupos sociais organizarem recursos internos e externos para superar situações de estresses patológico que pode ser extremamente prejudicial ao trabalhador.
    Lacaz (2000) utilizando como fonte as publicações do National Institut of Occupational Safety and Health de 1983 aponta os dez principais grupos de doenças e acidentes relacionados com o trabalho nos Estados Unidos.
  1. Doenças pulmonares: asbestose, bissinose, silicose, pneumoconiose dos trabalhadores do carvão, câncer de pulmão, asma ocupacional;
  2. Lesões musculoesqueléticas: distúrbios da coluna lombar, do tronco, extremidades superiores, pescoço, extremidades inferiores, fenômeno de Raynaud traumaticamente induzido;
  3. Cânceres ocupacionais (outros que não de pulmão): leucemia, mesotelioma, câncer de bexiga, de nariz e de fígado.
  4. Amputações, fraturas, traumas oculares e politraumatismos;
  5. Doenças cardiovasculares: hipertensão, coronariopatias e infarto agudo do miocárdio;
  6. Distúrbios da reprodução: infertilidade, abortamento espontâneo, teratogênese;
  7. Distúrbios neurotóxicos: neuropatias periféricas, encefalites tóxicas, psicoses, alterações de personalidade (relacionadas a exposições ocupacionais);
  8. Perdas auditivas relacionadas com exposição ao ruído;
  9. Afecções dermatológicas: dermatoses, queimaduras térmicas e químicas, contusões;
  10. Distúrbios da esfera psíquica: neuroses, distúrbios de personalidade, alcoolismo e dependência de drogas.
    Conforme relatórios do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS citado em Lacaz (2000) as principais causas de aposentadoria por invalidez previdenciária no Brasil, na década de 1980 são respectivamente: hipertensão arterial, transtornos mentais, doenças osteoarticulares, doenças cardiovasculares, epilepsias, doenças infectocontagiosas.
    Brasil (2001) faz referencia à lista de doenças relacionadas ao trabalho, citada na portaria 1.339 de 18 de novembro de 1999 e classifica as doenças em relação ao trabalho da seguinte forma:
  • GRUPO I: doenças em que o trabalho é causa necessária, tipificadas pelas doenças profissionais, stricto sensu, e pelas intoxicações agudas de origem ocupacional. Este grupo tem conceituação legal no âmbito da SAT da previdência social e sua ocorrência deve ser notificada segundo regulamentação na esfera da saúde, da previdência social e do trabalho, como por exemplo aquelas doenças legalmente reconhecidas.
  • GRUPO II: doenças em que o trabalho pode ser um fator de risco, contributivo, mas não necessárias, exemplificadas pelas doenças comuns, mais freqüentes ou mais precoces em determinados grupos ocupacionais e para as quais o nexo causal é de natureza eminentemente epidemiológica. A hipertensão arterial e as neoplasias malignas (cânceres), em determinados grupos ocupacionais ou profissões, constituem exemplo típico.
  • GRUPO III: doenças em que o trabalho é provocador de um distúrbio latente, ou agravador de doença já estabelecida ou pré-existente, tipificadas pelas doenças alérgicas de pele e respiratórias e pelos distúrbios mentais, em determinados grupos ocupacionais ou profissões.
    Para Dejours (1992) nesse contexto é fundamental o conceito de normalidade. A normalidade é fundamentalmente enigmática e nunca é dada como um presente da natureza. Para tanto, supõe-se uma construção feita por cada um dos indivíduos, uma luta incessante para reconquistar o que se perde, refazer o que se desfez, reestabilizar o que se desestabiliza. O ser humano é capaz de criar estratégias inteligentes para se defender (consciente e in consciente mente) e se manter dentro da normalidade, o que normalmente é conquistado a custo de certas patologias crônicas, notadamente patologias somáticas, para onde submerge uma parte do sofrimento que não consegue encontrar soluções adequadas, isto é, soluções que passem pela transformação da situação concreta de maneira a adequá-la melhor às necessidades e aos desejos do indivíduo.
    Ainda em relação à normalidade Dejours (1992) explica que as estratégias defensivas e a inteligência do indivíduo em relação à luta contra as dificuldades desestabilizantes e patogênicas, é de grande valor na decisão de tratamentos inovadores em relação às abordagens médicas psiquiátricas clássicas. Nesse sentido a busca pelas razões e não apenas pelo tratamento de sintomas se faz necessária, conhecendo melhor o ser humano que se está pretendendo tratar. Importante salientar também que o trabalho ocupa um lugar muito mais importante na luta contra a doença do que se supunha até agora nas concepções científicas. O termo trabalho deveria fazer parte da própria definição de saúde, por exemplo, sob a forma do direito fundamental de contribuir para a saúde e o trabalho social, por um lado, e de obter em troca um reconhecimento social equivalente, sendo um erro abordar o tema bem-estar social sem abordar também as questões do trabalho.
    De grande importância também nesta discussão é a apresentação dos aspectos legais na qualidade de vida e saúde do trabalhador. A legislação brasileira sobre o tema trata da saúde do trabalhador e não da qualidade de vida, que embora sejam conceitos relacionados, apresentam diferenças. Mesmo com tentativas de tornar o conceito de saúde mais amplo, segundo Fleck et al. (1999) e Minayo, Hartz e Buss (2000) o termo saúde ainda é bastante relacionado com sintomas e morbidades enquanto a qualidade de vida com a felicidade e a satisfação com vida sendo, desta forma, um conceito mais amplo e relacionado a mais fatores da vida.
    De acordo com o Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde (BRASIL, 2001), a execução das ações voltadas para a saúde do trabalhador é atribuição do Sistema Único de Saúde, prescritas na Constituição Federal de 1988 e regulamentadas pela Lei Orgânica de Saúde (LOS). O artigo 6.º dessa lei confere à direção nacional do Sistema a responsabilidade de coordenar a política de saúde do trabalhador.
    Ainda de acordo com este Manual no parágrafo 3.º do artigo 6.º da LOS, a saúde do trabalhador é definida como um conjunto de atividades que se destina, por meio das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde do trabalhador, assim como visa à recuperação e à reabilitação dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, sendo que esse conjunto de atividades abrange:
  • a assistência ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho;
  • a participação em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho;
  • a participação na normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador;
  • a avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde;
  • a informação ao trabalhador, à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidente de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional;
  • a participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas;
  • a revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho;
  • a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a interdição de máquina, do setor, do serviço ou de todo o ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde do trabalhador.
    Além da Constituição Federal e da LOS, outros instrumentos e regulamentos federais orientam o desenvolvimento das ações nesse campo, no âmbito do setor Saúde, entre os quais se destacam a Portaria/MS n.º 3.120/1998 e a Portaria/MS n.º 3.908/1998, que tratam, respectivamente, da definição de procedimentos básicos para a vigilância em saúde do trabalhador e prestação de serviços nessa área. A operacionalização das atividades deve ocorrer nos planos nacional, estadual e municipal, aos quais são atribuídos diferentes responsabilidades e papéis (BRASIL, 2001).
    A norma regulamentadora NR4 (Portaria SIT n.º17, 02/08/07) prevê a obrigatoriedade de Serviços especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho, com a finalidade de promover a saúde e proteger a integridade do trabalhador no local de trabalho, para as empresas privadas e públicas, os órgãos públicos da administração direta e indireta e dos poderes Legislativo e Judiciário, que possuam empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Além disso, equipes de engenheiro de segurança do trabalho, médico do trabalho, enfermeiro do trabalho e auxiliar de enfermagem do trabalho devem constituir o quadro de profissionais especializados (BRASIL, 2008).
    No plano internacional, desde os anos 70, documentos da OMS, como a Declaração de Alma Ata e a proposição da estratégia de saúde para todos, têm enfatizado a necessidade de proteção e promoção da saúde e da segurança no trabalho, mediante a prevenção e o controle dos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho. O tema vem recebendo atenção especial no enfoque da promoção da saúde e na construção de ambientes saudáveis pela Organização Pan-Americana da Saúde. A Organização Internacional do Trabalho, na Convenção/OIT nº. 155/1981, adotada em 1981 e ratificada pelo Brasil em 1992, estabelece que o país signatário deve instituir e implementar uma política nacional em matéria de segurança e do meio ambiente de trabalho (BRASIL, 2001).
    Mesmo com a regulamentação e propostas visualizadas nos parágrafos anteriores, a prática nos programas de qualidade de vida no trabalho estão aquém do discurso, ficando restrita, muitas vezes, a prevenção de acidentes não discutindo a organização da empresa e as relações que se estabelecem na mesma de forma mais ampliada. Além disso, a Análise Ergonômica do Trabalho (AET) prevista na NR17 (Portaria nº. 3.214, 08/06/79) que visa estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente (BRASIL, 2008).
    Porém, juntamente com estratégias como as já previstas pela legislação, há necessidade de superar a simples lógica econômica mecanicista, considerando valores que embora não estejam diretamente ligados ao lucro, são resultantes de consenso e da valorização da saúde das pessoas como parte fundamental da estrutura das empresas (GUTIERREZ E ALMEIDA, 2006). Porém, um dos empecilhos encontrados é a busca pela maior rentabilidade empresarial que muitas vezes sufoca os trabalhadores, o que pode vir a refletir sobre sua saúde física e mental (VASCONCELOS, 2001).
    Por fim um conceito que parece ser determinante para a qualidade de vida do trabalhador é a flexibilização do trabalho. O termo flexibilidade nas empresas tem sendo relacionado à capacidade de se adaptar rapidamente as exigências do mercado e que a necessidade crescente de flexibilidade de procedimentos tecnológicos e mesmo da racionalidade econômica pode repercutir na qualidade de vida do trabalhador (PICCININI, 2004). Mas, além disso, o termo flexibilidade também pode ser vislumbrado em outros sentidos: a flexibilidade na atuação e na rotina de trabalho nas empresas principalmente em relação a prazos e horários, períodos de descanso e férias, possibilidades de práticas de ginástica laboral e de lazer e também para buscar crescimento tanto pessoal como na organização da empresa.
Considerações finais
    Diante das leituras realizadas se verificou que a preocupação com a qualidade de vida do trabalhador está relacionada a uma maior produtividade, visto que as abordagens que tratam do tema trazem como fundamentação o trinômio (qualidade de vida – motivação - maior produção), sendo pouco abordada a qualidade de vida do trabalhador em sua complexidade enquanto ser humano. Salários justos, relevância do trabalho, flexibilização da empresa e das exigências de produção, além de um posicionamento claro da empresa quanto as medidas para a promoção da qualidade de vida para seus funcionários são estratégias esperadas e que podem beneficiar o contexto geral de produção da empresa e as condições para as atividades dos trabalhadores.
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