As dúvidas movem a ciência e permitem o
progresso, porque impulsionam os cientistas a tentar esclarecê-las.
Dúvidas, portanto, representam algo inestimável e imprescindível para
todas as áreas da ciência; para a medicina não é diferente. Existe
atualmente um grande número de questões não esclarecidas sobre
diferentes aspectos de muitas doenças; são estas dúvidas que estão
ocupando os cientistas do mundo inteiro neste exato momento e vão
ocupa-los por toda sua vida profissional.
E o que fazem os cientistas? Eles fazem
pesquisas com critérios rigorosos para testar suas hipóteses. Para isto,
devem submeter seu projeto a um comitê de ética e ter cada etapa de seu
trabalho avaliada e aprovada antes mesmo de começar. Quando a pesquisa
termina, os cientistas publicam os resultados em revistas
especializadas, para que os conhecimentos não apenas sejam conhecidos
por todos os demais cientistas, como também para que outros possam
verificar os resultados e tentar reproduzi-los para confirmá-los ou
rejeitá-los. A isto chama-se de método científico e é a única maneira de
se controlar os conhecimentos gerados por pesquisas.
Um cientista mal intencionado publicou
resultados fraudulentos? A única forma será verificar os resultados de
sua pesquisa (eles são obrigatoriamente armazenados durante muitos
anos). Outro tirou conclusões erradas a partir dos resultados de sua
pesquisa? Basta verificar a metodologia, conferir os resultados e ver se
há outras conclusões possíveis. Alguém recebeu verba de um patrocinador
que potencialmente influenciou a análise dos resultados? Informações
sobre verbas são obrigatórias e caso haja uma infração, nenhuma revista
científica publicará mais artigos deste pesquisador. Existiu alguma
fraude com os dados? É possível saber verificando os materiais originais
da pesquisa e os relatórios publicados; várias revistas publicam
imediatamente editoriais quando descobrem algum tipo de erro ou fraude.
Portanto, somente o método científico
nos dá a segurança de que uma determinada informação é segura, porque
deste modo ela pode ser analisada, verificada, confirmada ou abandonada.
Para isso existem as revistas científicas especializadas que só
publicam pesquisas que respeitaram o método científico e que foram
previamente avaliadas por um grupo de pesquisadores imparciais e com
experiência. Quando ocorrem erros, de qualquer natureza, este é o único
modo de eles serem descobertos e corrigidos: através de publicações
científicas padronizadas.
Agora, imagine que alguém lhe diga que
“determinada doença é causada por isto ou por aquilo” ou ainda que
“determinado medicamento causa este ou aquele problema”. Você aceitaria,
de bom grado? Sem pedir nenhuma comprovação científica? Sem pedir para
ver os artigos científicos publicados em revistas especializadas?
Como você pode saber se algo que um
profissional de saúde está dizendo é verdade? Qualquer ideia pode fazer
algum sentido e mesmo assim ser falsa; nem toda lógica é verdadeira,
obviamente. Muitas vezes, um discurso inflamado, aparentemente bem
intencionado, é cheio de conclusões que não tem qualquer fundamento
científico e não se baseia em nenhum achado de pesquisa. No Brasil,
frequentemente pessoas fazem discursos e até mesmo iniciam campanhas
sobre saúde baseadas em suas opiniões pessoais ou suas crenças
políticas; ou seja, no que elas “acham”- é o famoso “achismo”.
E quanto ao TDAH? Existem dúvidas sobre inúmeros aspectos específicos
do TDAH, assim como existem com relação ao câncer, ao diabetes, ao
infarto do miocárdio, ao Parkinson, etc. Mas não existe nenhuma dúvida,
no meio científico, quanto a sua existência: o TDAH é um dos transtornos mais bem estudados em toda a medicina e é descrito por médicos há mais de 2 séculos.
Mas por que algumas pessoas insistem em dizer que “TDAH não existe”?
Em primeiro lugar, vamos esclarecer quem
reconhece o TDAH como uma doença: a Organização Mundial da Saúde. Além
disso, no Brasil, temos a Associação Médica Brasileira, a Associação
Brasileira de Psiquiatria, a Academia Brasileira de Neurologia e a
Academia Brasileira de Pediatria. Você não acha estranho que alguém
conheça “uma verdade” que é ignorada por todas as organizações médicas?
Bem, o modo mais simples e rápido de
terminar uma discussão sobre “a existência do TDAH” seria pedir que os
indivíduos que negam sua existência forneçam artigos científicos que
sustentem sua opinião. Mas eles jamais o farão, porque tais artigos....
não existem! O seu discurso sempre será baseado no “achismo” e sempre
dará a impressão de que estão lutando por uma causa justa, para
“defender” a população de algum mal terrível. Por outro lado, artigos
mostrando que existem bases neurobiológicas e genéticas no TDAH somam
mais de 10.000 atualmente (isto mesmo, dez mil, você leu corretamente).
Algumas pessoas, talvez, fiquem na
dúvida sobre a existência do TDAH porque “todo mundo tem um pouco”. O
que ocorre é que todo mundo tem alguns sintomas de TDAH; este
diagnóstico é feito pela quantidade de sintomas e não na base do
“tudo ou nada”. Exatamente como no diabetes, na hipertensão arterial, no
glaucoma, na osteoporose, etc.: o que dá o diagnóstico é a intensidade
ou quantidade.
Existem também indivíduos que acreditam
que todo e qualquer problema de comportamento (TDAH nem sempre causa
problemas de comportamento, ressalte-se) é causado “pela sociedade”.
Geralmente estas pessoas estão fortemente envolvidas com grupos
políticos que pregam intervenções do governo na sociedade (também
chamada de “engenharia social”, muito comum nos regimes ditatoriais
comunistas). Tais movimentos remontam à ideia comprovadamente equivocada
de que os homens nascem invariavelmente bons e puros e é a sociedade
que os corrompe. Estas ideias, que datam do século XVIII, não
sobreviveram aos achados da genética e das neurociências, que não
existiam naquela época.
Outros, ainda acreditam que todo e
qualquer problema psíquico é causado por fatores psicológicos, apesar da
farta literatura científica sobre as bases neurobiológicas e genéticas
do TDAH. Desnecessário dizer que geralmente tais indivíduos ganham a
vida fazendo tratamento psicológico para as doenças; raramente,
entretanto, falam sobre o seu próprio conflito de interesses.
Por fim, ainda há aqueles que tomam
conhecimento de diagnósticos errados de TDAH, de prescrições equivocadas
de medicamentos, de automedicação para fins recreativos ou para aumento
do desempenho em provas e passam então a dizer que “o diagnóstico é
falho” ou “o tratamento é similar ao uso de uma droga”. Não é difícil
enxergar que a existência destes erros em nada comprometem nem o
diagnóstico nem o tratamento do TDAH. Pense nos antibióticos: eles são
muito prescritos de modo errado. Usam-se antibióticos, por exemplo, para
infecções de garganta com muita frequência, um uso sabidamente
equivocado (elas são causadas na maioria das vezes por vírus, que não
são combatidos com antibióticos). Nem por isso deve-se abolir os
antibióticos, que curam e salvam vidas quando usados corretamente. O
mesmo exemplo ainda serve para aqueles indivíduos que dizem que “os
medicamentos para TDAH são inespecíficos e agem em qualquer pessoa”: de
fato, os antibióticos matam as bactérias em qualquer um, mas só curam aqueles que estão com pneumonia.
TDAH não é um mito. Muito daquilo que se
fala contrariamente ao seu diagnóstico e tratamento são simplesmente
“achismos”, crenças sem fundamento objetivo ou científico; ou seja, são
mitos. E mitos, definitivamente, não são algo em que você deva confiar
quando se trata de sua saúde ou da saúde de seus filhos.
Paulo Mattos
Paulo Mattos
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Mestre e Doutor em Psiquiatria e Saúde Mental
Pós-doutor em Bioquímica
Presidente do Conselho Científico da ABDA
Mestre e Doutor em Psiquiatria e Saúde Mental
Pós-doutor em Bioquímica
Presidente do Conselho Científico da ABDA
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