O DIA teve acesso aos registros do relatório final da Comissão Nacional da Verdade
O assassinato de Aderval Alves
Coqueiro, o primeiro a retornar, uma semana antes, abalou o grupo.
Antônio Joaquim de Souza Machado, responsável por conseguir os
documentos falsos para os que retornavam, era o mais visado. Naquela
manhã, ‘Breno’ tomou um ônibus apressado. Desceu na Av. Princesa Isabel,
em Copacabana, e desapareceu. Machado também.
Quatro décadas depois, é no registro
199/71 do livro de ocorrências da Delegacia de Ordem Política e Social
(Dops) que surgem novos indícios sobre os responsáveis pelo sequestro.
Os documentos aos quais o DIA
teve acesso com exclusividade integrarão o relatório final da Comissão
Nacional da Verdade e foram localizados no Arquivo Público do Estado do
Rio.
Cinco dias antes das prisões, no
relato do plantão dos dias 10 e 11/2/1971, o comissário Laércio Guarçoni
foi designado para presidir a investigação sobre falsificação de
documentos para ‘subversivos’, a pedido do Centro de Informações do
Exército (CIE). Além disso, o informe diz que “às 17h30, o capitão
Brandt, do CIE” apresentou dois elementos envolvidos nas
irregularidades: os motoristas Helvécio Ribeiro e Gerson Santos.
Capitão Brandt é hoje o coronel reformado José
Brandt Teixeira — oficial parceiro do coronel Paulo Malhães no combate à
luta armada. Segundo o oficial falecido em abril, os dois estiveram
juntos na operação que ocultou os restos mortais do deputado federal
Rubens Paiva, em 1973.
“Sempre suspeitei que os fatos
estavam interligados. A morte do Coqueiro e a descoberta do esquema dos
passaportes. Acho que o Antônio Joaquim estava sendo seguido”, afirmou
Sérgio Ferreira, primo de ‘Breno’.
Brandt era o ‘doutor César’ quando
trabalhava para a repressão. “Baixo, meio gordo, é oficial”. Essa foi a
descrição dada por Inês Etienne Romeu, a única sobrevivente da Casa da
Morte de Petrópolis, sobre um de seus torturadores no centro
clandestino. Ele recebeu a medalha do Pacificador com Palma em 15 de
setembro de 1971 — meses depois do desaparecimento de Carlos Alberto e
Antônio Joaquim. Na casa, os torturadores contaram a Inês que os dois
foram os primeiros presos políticos a morrer no local. A reportagem não
conseguiu contato com o oficial.
Ex-policial em contradição
Único envolvido na investigação do
DOPS ainda vivo, o comissário Guarçoni trabalha atualmente como advogado
na capital fluminense. Procurado, disse que não estava mais no DOPS
nessa época. “É impossível. Eu não estava lá ”, afirmou. Ele, no
entanto, também aparece no livro de registros como integrante do plantão
no dia oito de fevereiro, quando um grupo de despachantes envolvido no
caso é preso no centro do Rio.
Guarçoni negou que os policiais torturassem os
presos políticos. “Os presos torciam para ir para o Dops. Era o órgão
que mais respeitava”, afirmou. “Nunca vi, nem tomei ciência sobre
violência contra qualquer preso”, sustentou.Apesar do registro da ocorrência, e de modo incomum, Helvécio Ribeiro e Gerson Santos não possuem fichas de prisão no DOPS ou registro nos arquivos do Serviço Nacional de Informações (SNI), como todos os presos e investigados por combate à ditadura militar. A reportagem descobriu que ambos já faleceram.
Falsário seria um ‘infiltrado’ na guerrilha
A Comissão também descobriu o
possível envolvimento de mais uma pessoa nos sequestros. No arquivamento
da investigação, em 6/10/1972, a justificativa é a morte de uma
testemunha. “Em seu relatório conclusivo, tece considerações de que com o
falecimento de Lucas Blanco torna-se impossível a apuração do fato”,
diz o registro.
Um ano e meio antes, em 5/2/1971, o Diário de
Notícias publicou que “Lucas Blanco, o falsário da VPR” fora preso pelo I
Exército, no Rio. No entanto, diversos integrantes da organização
disseram desconhecer o suposto militante. Ele também não tem registros
de prisão no Dops ou no SNI. Três dias depois do fim da investigação, em
outubro de 1972, o sargento da Aeronáutica Lucas Blanco de Oliveira
recebeu a ordem do mérito do Judiciário Militar.
O DIA
apurou nos cadastros sociais brasileiros que não existem outras pessoas registradas com esse nome antes de 1950.Cronologia
5/2/1971: Lucas Blanco, o ‘falsário da VPR’, é preso.
6/2/1971: Aderval Alves Coqueiro é assassinado pelo Exército.
8/2/1971: Despachantes são presos no Centro.
10 e 11/2/1971: Capitão Brandt do CIE pede investigação sobre documentos.
15/2/1971: Breno e Antonio Joaquim desaparecem.
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