“Ajuste fiscal” iniciado por Dilma não visa “acertar contas públicas”,
mas mostrar adesão a mito conservador. Caminho pode levá-la ao desastre
por Antonio Martins
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publicado
04/12/2014 19:14
Estranha é a matemática dos que alardeiam a
necessidade de um “ajuste fiscal”. Nas últimas semanas, afirmou-se que o
Orçamento da União, para 2015, contém um “rombo de 100 bilhões de reais”. Defendeu-se
a nomeação de Joaquim Levy para o ministério da Fazenda, sob o
argumento de ser um “especialista em gastos públicos”, cujo
“descontrole” seria responsável pelas agruras econômicas do Brasil.
Abriu-se a caça às despesas a cortar – do seguro-desemprego e auxílio-doença pagos pela Seguridade às linhas de crédito dos bancos públicos.
Então, quase em surdina, sem nenhum destaque nas
manchetes, o Banco Central promoveu, em duas tacadas, a elevação de
0,75% na taxa de juros paga pelo Estado a seus credores. Em termos
reais, já era de longe, a mais alta
do mundo. Agora, subiu a 11,75% ao ano – contra 0,23% nos EUA, 0,08% na
zona do euro, 1,8% nas Filipinas ou 4,42% na Colômbia. Calcule, você
mesmo, o impacto sobre os gastos públicos. Se a dívida pública monta
a R$ 2,183 bilhões, a União transferirá em 2015, aos possuidores de
títulos de Tesouro – quase todos já fartamente endinheirados –, R$ 256
bilhões (o dobro do suposto “rombo”). Só as duas elevações da taxas de
juros mais recentes decretadas pelo BC custarão R$ 16,37 bilhões, cinco
vezes mais que os recursos destinados ao ministério da Cultura, em 2014.
* * *
A construção de mitos políticos
completa-se, às vezes, de modo abrupto. Nos últimos meses, o arranjo
lulista, que marcou o Brasil durante doze anos, deparou-se com um
impasse descrito com sagacidade do Luiz Gonzaga Belluzzo e André Singer.
Após seis anos, a crise econômica global minou as condições antes
existentes para contentar ricos e pobres; para melhorar o padrão de vida
das maiorias sem atingir lucros e privilégios das elites. Sabia-se,
também, que o PT e seus parceiros estavam muito capturados pela máquina
institucional e muito pouco preparados para dar um passo adiante.
Porém, poucos haviam previsto que o
governo Dilma descrevesse, em apenas seis meses, o impressionante
ziguezague que o fez render-se ao “ajuste fiscal” proposto, desde antes
das eleições, pelos conservadores. Hoje, percebe-se com clareza que a
guinada à esquerda de Dilma, durante a campanha, era apenas aparente. A
candidata afirmou ter “coração valente” e prometeu “mais mudanças”. Mas
ao “desconstruir” Marina Silva e ressuscitar Aécio Neves, para tê-lo
como adversário no segundo turno,gerou
a onda que levou à eleição de um Congresso ultra-retrógrado e tornou-se
refém de seus correligionários mais fisiológicos. Um grande sucesso de
marketing eleitoral produziu, em poucas semanas, uma terrível sinuca
política.
Subitamente, o “ajuste fiscal”
converteu-se numa espécie de “Consenso de Brasília”. A oligarquia
financeira exalta-o (com previsível apoio da mídia) porque atende a seus
mais caros interesses. Os políticos conservadores regozijam-se porque
ele obrigará Dilma a descumprir seu programa e corroer sua própria
popularidade. O governo crê que, ao apaziguar os mercados, conquistará
uma trégua.
Mas tudo indica que está preso no que os estrategistas militares costumam chamar de “movimento de pinça”.
A oligarquia financeira, agora instalada no ministério da Fazenda,
exigirá concessões crescentes: já se aposta em novos aumentos das taxas
de juros, nos próximos meses. Mas, ao invés de se satisfazer com estas
concessões, a oposição conservadora irá explorar cada uma delas para
desgastar o governo. Ontem, no Congresso Nacional, parlamentares do PSDB
e do DEM solidarizaram-se com “manifestantes” que, da galeria, xingavam a deputada Vanessa Granhotim (PCdoB-AM) de “vagabunda”.
O Consenso de Brasília é frágil:
ampara-se numa adesão de conveniência. Será crescentemente contestado
pelo setor não-fisiológico da base parlamentar do governo e, em
especial, pelos movimentos sociais que esperavam “mais mudanças”. Mas
inverter o rumo inaugurado pela nomeação de Joaquim Levy exigirá um
movimento intelectual de envergadura. Implica construir, como
alternativa ao impasse do lulismo, um projeto de redistribuição de
riquezas muito mais intenso e profundo que o ensaio tímido vivido entre
2002 e 2014. Quem poderá fazê-lo?
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