Carinho e dedicação para conviver com a microcefalia
Mãe de vítima da doença conta que com amor e atenção conseguiu qualidade de vida
Amanda Raiter
Rio
- O largo sorriso que ilumina o rosto de Dilmane Flávio, 51 anos, ao
abraçar carinhosamente o filho Leonardo revela a cumplicidade que há 20
anos existe entre os dois. Não se nota no olhar dela qualquer traço de
amargura por passar duas décadas equilibrando sua vida
pessoal e profissional com o drama que se transformou no pesadelo de
muitas mulheres brasileiras: criar um filho com microcefalia.
O
menino, que teve o diagnóstico da doença aos 2 anos, tinha dificuldade
para desempenhar tarefas simples. A mãe teve que adaptar a casa às
limitações do filho. “Não podia deixar nem o rolo de papel higiênico
inteiro no banheiro porque ele rasgava tudo. Passei a deixar o papel já
cortado e ele usa perfeitamente sozinho”, conta ela, satisfeita
com as conquistas de Leonardo. No banheiro não há box de vidro para
evitar acidentes e, algumas vezes, ele chegou a arrancar o chuveiro.
Dilmane recebeu o diagnóstico de microcefalia
quando Leonardo tinha 2 anos. Ela adaptou sua casa e sua vida pessoal e
profissional para melhorar o dia a dia do filho
Foto: Estefan Radovicz / Agência O Dia
Foram constantes os tratamentos
de fisioterapia e neurologia, além das atividades como a dança. Para
concluir a faculdade de Recursos Humanos, Dilmane deixava o filho com o
pai em um carro parado ao lado da universidade. De dia o jovem ficava na
escola e uma tia.
“Ou eu lutava para crescer
no mercado de trabalho, ou não pagava tudo que era necessário para que
ele se desenvolvesse. Ele não foi alfabetizado, mas consegui melhorar
sua sociabilidade, coordenação motora e até que aprender a dançar. A
música o estimula”, relata.
Mesmo sem convulsão, um sintoma
comum da microcefalia, o paciente faz uso de medicação anti-convulsiva
para controlar a euforia. “É para desacelerar, pois ele vive tudo
intensamente e precisa de estabilidade para evitar que se machuque”,
ressaltou Dilmane.
A Zika é transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti, que se prolifera em água parada e causa ainda a dengue e a chikungunya
Foto: Estefan Radovicz / Agência O Dia
Leonardo tem bom senso de orientação. Sabe o ponto
de ônibus certo para saltar em locais que frequenta. Conhece, por
exemplo, o caminho até a Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico e
Políticas Sociais (Fundec), no Centro de Caxias, onde faz tratamento.
Também reconhece os vizinhos mesmo quando estão muito longe. Para conter
as frustrações de Leonardo, Dilmane vai levá-lo agora para a casa de
veraneio, na Região dos Lagos. O sentimento de frustração resulta em
crises.
Mãe e filho enfrentaram preconceito até mesmo na família,
mas não se deixaram abater. Outra dificuldade foi encontrar a escola
adequada. Ele chegou a passar por seis unidades de ensino em dois anos.
“Toda criança pequena morde, mas quando meu filho mordeu alguém tive que
tirá-lo da classe. Até que encontrei uma no estilo creche-escola, onde
ele estudou por nove anos.”
Dilmane recorda de bons momentos em
uma escola especial particular no Rio. “Eu trabalhava para pagar a
mensalidade de mais de R$ 2 mil na época. Valia a pena, já que na rede
pública faltava professor e ele sofria com o tratamento diferenciado por
não conseguir ficar parado na cadeira.” Parentes convivem com a possibilidade de convulsões e com maior risco de morte
Na
semana passada, o número de casos de microcefalia foi recorde no
Brasil. No país, já a quantidade de pessoas atingidas ultrapassou 4 mil.
No Estado do Rio, são mais de 170 diagnósticos concluídos. Ainda não se
sabe ao certo quantos foram causados pelo Zika vírus.
O
médico Aron Judka Dianent, diretor Clínico da Cruz Verde (entidade
filantrópica que atende pacientes de disfunções neurológicas), detalha
que são raros os casos em que o uma pessoa com microcefalia consegue
qualidade de vida, estudar ou trabalhar. Leonardo, por exemplo, tem um
bom desempenho. Anda e come sozinho, o que para a maioria das vítimas da
doença é quase impossível, apesar dos esforços.
“Infecções
nos primeiros meses de gestação afetam a formação do sistema nervoso do
bebê, que acaba não se desenvolvendo normalmente”, explicou o médico.
Aron conta que não há um estudo no Brasil sobre gastos com uma criança
com microcefalia, mas nos Estados Unidos estima-se que a cada dólar
investido em prevenção, economiza-se R$ 35 em gastos com o paciente. O
médico relatou que a causa mais comum, até os dias atuais, era a
infecção por citomegalovírus. Sobre a zika, ele comenta é causada por
por um vírus ainda muito desconhecido para a ciência.
Até poucos
meses atrás, ainda não havia associação de casos de microcefalia ao Zika
vírus. Segundo o diretor da Cruz Verde, até uma síndrome alcoolica pode
provocar a microcefalia, além de causas genéticas. A medicação, que
deveria ser fornecida pelo estado, tem preços variados, já que trata
mais os sintomas como irritabilidade e convulsões.
Dilmane
Flávio, por exemplo, desembolsa R$ 600 por mês, para comprar os
medicamentos essenciais para a vida do filho Leonardo. Associado a
terapias, atividades e escolas especializadas, o custo cresce muito
mais. “As oficinas pedagógicas custam em torno de R$ 580. A Educação
Especial de qualidade chega a R$ 2.200”, comenta Dilmane.
Shayenne
Karine, de 27 anos, enfrenta muita dificuldade para arcar com as
necessidades da filha Brenda, de 11 anos, portadora de um grau mais
severo da micrice falia, se comparada a Leonardo. Há dois meses a menina
deixou de receber o Neuleptil e já teve convulsão. Isso só tinha
ocorrido três vezes desde o nascimento da criança, devido ao uso do
medicamento.
Fraldas infantis também são itens obrigatórios
para filha de Shayenne. Ela conta com benefícios como em o Bolsa
Família. Sem o medicamento para a garota, não consegue se dedicar nem
mesmo aos bicos que costumava fazer para reforçar o orçamento em casa.
“Não tenho como deixá-la com ninguém. Pode acontecer uma emergência e
todo mundo teme se responsabilizar. É delicado”, contou ela, que sonha
em dar uma cadeira adaptada para a filha ter mais conforto.
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