1.31.2016

Carinho e dedicação para conviver com a microcefalia

Mãe de vítima da doença conta que com amor e atenção conseguiu qualidade de vida

Amanda Raiter
Rio - O largo sorriso que ilumina o rosto de Dilmane Flávio, 51 anos, ao abraçar carinhosamente o filho Leonardo revela a cumplicidade que há 20 anos existe entre os dois. Não se nota no olhar dela qualquer traço de amargura por passar duas décadas equilibrando sua vida pessoal e profissional com o drama que se transformou no pesadelo de muitas mulheres brasileiras: criar um filho com microcefalia.
O menino, que teve o diagnóstico da doença aos 2 anos, tinha dificuldade para desempenhar tarefas simples. A mãe teve que adaptar a casa às limitações do filho. “Não podia deixar nem o rolo de papel higiênico inteiro no banheiro porque ele rasgava tudo. Passei a deixar o papel já cortado e ele usa perfeitamente sozinho”, conta ela, satisfeita com as conquistas de Leonardo. No banheiro não há box de vidro para evitar acidentes e, algumas vezes, ele chegou a arrancar o chuveiro.
Dilmane recebeu o diagnóstico de microcefalia quando Leonardo tinha 2 anos. Ela adaptou sua casa e sua vida pessoal e profissional para melhorar o dia a dia do filho
Foto: Estefan Radovicz / Agência O Dia
Foram constantes os tratamentos de fisioterapia e neurologia, além das atividades como a dança. Para concluir a faculdade de Recursos Humanos, Dilmane deixava o filho com o pai em um carro parado ao lado da universidade. De dia o jovem ficava na escola e uma tia.
“Ou eu lutava para crescer no mercado de trabalho, ou não pagava tudo que era necessário para que ele se desenvolvesse. Ele não foi alfabetizado, mas consegui melhorar sua sociabilidade, coordenação motora e até que aprender a dançar. A música o estimula”, relata.
Mesmo sem convulsão, um sintoma comum da microcefalia, o paciente faz uso de medicação anti-convulsiva para controlar a euforia. “É para desacelerar, pois ele vive tudo intensamente e precisa de estabilidade para evitar que se machuque”, ressaltou Dilmane.
A Zika é transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti, que se prolifera em água parada e causa ainda a dengue e a chikungunya
Foto: Estefan Radovicz / Agência O Dia
Leonardo tem bom senso de orientação. Sabe o ponto de ônibus certo para saltar em locais que frequenta. Conhece, por exemplo, o caminho até a Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico e Políticas Sociais (Fundec), no Centro de Caxias, onde faz tratamento. Também reconhece os vizinhos mesmo quando estão muito longe. Para conter as frustrações de Leonardo, Dilmane vai levá-lo agora para a casa de veraneio, na Região dos Lagos. O sentimento de frustração resulta em crises. 
Mãe e filho enfrentaram preconceito até mesmo na família, mas não se deixaram abater. Outra dificuldade foi encontrar a escola adequada. Ele chegou a passar por seis unidades de ensino em dois anos. “Toda criança pequena morde, mas quando meu filho mordeu alguém tive que tirá-lo da classe. Até que encontrei uma no estilo creche-escola, onde ele estudou por nove anos.”
Dilmane recorda de bons momentos em uma escola especial particular no Rio. “Eu trabalhava para pagar a mensalidade de mais de R$ 2 mil na época. Valia a pena, já que na rede pública faltava professor e ele sofria com o tratamento diferenciado por não conseguir ficar parado na cadeira.”
Parentes convivem com a possibilidade de convulsões e com maior risco de morte
Na semana passada, o número de casos de microcefalia foi recorde no Brasil. No país, já a quantidade de pessoas atingidas ultrapassou 4 mil. No Estado do Rio, são mais de 170 diagnósticos concluídos. Ainda não se sabe ao certo quantos foram causados pelo Zika vírus.
O médico Aron Judka Dianent, diretor Clínico da Cruz Verde (entidade filantrópica que atende pacientes de disfunções neurológicas), detalha que são raros os casos em que o uma pessoa com microcefalia consegue qualidade de vida, estudar ou trabalhar. Leonardo, por exemplo, tem um bom desempenho. Anda e come sozinho, o que para a maioria das vítimas da doença é quase impossível, apesar dos esforços.
“Infecções nos primeiros meses de gestação afetam a formação do sistema nervoso do bebê, que acaba não se desenvolvendo normalmente”, explicou o médico.  Aron conta que não há um estudo no Brasil sobre gastos com uma criança com microcefalia, mas nos Estados Unidos estima-se que a cada dólar investido em prevenção, economiza-se R$ 35 em gastos com o paciente. O médico relatou que a causa mais comum, até os dias atuais, era a infecção por citomegalovírus. Sobre a zika, ele comenta é causada por por um vírus ainda muito desconhecido para a ciência.
Até poucos meses atrás, ainda não havia associação de casos de microcefalia ao Zika vírus. Segundo o diretor da Cruz Verde, até uma síndrome alcoolica pode provocar a microcefalia, além de causas genéticas.
A medicação, que deveria ser fornecida pelo estado, tem preços variados, já que trata mais os sintomas como irritabilidade e convulsões.
Dilmane Flávio, por exemplo, desembolsa R$ 600 por mês, para comprar os medicamentos essenciais para a vida do filho Leonardo. Associado a terapias, atividades e escolas especializadas, o custo cresce muito mais. “As oficinas pedagógicas custam em torno de R$ 580. A Educação Especial de qualidade chega a R$ 2.200”, comenta Dilmane.
Shayenne Karine, de 27 anos, enfrenta muita dificuldade para arcar com as necessidades da filha Brenda, de 11 anos, portadora de um grau mais severo da micrice falia, se comparada a Leonardo. Há dois meses a menina deixou de receber o Neuleptil e já teve convulsão. Isso só tinha ocorrido três vezes desde o nascimento da criança, devido ao uso do medicamento.
Fraldas infantis também são itens obrigatórios para filha de Shayenne. Ela conta com benefícios como em o Bolsa Família. Sem o medicamento para a garota, não consegue se dedicar nem mesmo aos bicos que costumava fazer para reforçar o orçamento em casa. “Não tenho como deixá-la com ninguém. Pode acontecer uma emergência e todo mundo teme se responsabilizar. É delicado”, contou ela, que sonha em dar uma cadeira adaptada para a filha ter mais conforto.

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