Procuradores estão preocupados com medida
provisória do governo federal que autoriza o Banco Central a firmar
acordo de leniência com instituições financeiras que tenham cometido
ilegalidades; responsáveis por investigações que serão, de alguma forma,
afetadas pelas delações premiadas dos ex-ministros Guido Mantega e
Antonio Palocci, que prometem entregar irregularidades no setor
financeiro, articulam para recorrer ao Supremo contra a matéria; eles
entendem que a medida poderia impedir o MPF de apurar crimes
identificados pelo Banco Central; o BC sustenta que não há poda nas
atribuições dos investigadores
Responsáveis por investigações que serão, de alguma forma, afetadas pelas delações premiadas dos ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci, que prometem entregar irregularidades no setor financeiro, articulam para recorrer ao Supremo Tribunal Federal com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a matéria, informa reportagem do Globo.
Procuradores ouvidos pelo jornal entendem que a medida poderia impedir o MPF de apurar crimes identificados pelo Banco Central, uma vez que permite que, em alguns casos de risco generalizado para o sistema financeiro, a apuração seja sigilosa.
O BC sustenta que não há poda nas atribuições dos investigadores, e afirma que a MP trata apenas de questões administrativas, não de apuração de crimes.
Leia reportagem do portal Consultor Jurídico sobre a medida provisória:
Por meio de MP, governo permite que Banco Central faça acordos de leniência
Por Tadeu Rover - Foi publicada nesta quinta-feira (8/6) uma medida provisória que aumenta os poderes de punição do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Além de aumentar as multas, a nova norma permite que esses órgãos façam acordos de leniência com empresas que cometam ilegalidades. A MP foi publicada sem a exposição de motivos.
Conforme o texto, esses acordos poderão ser assinados com pessoas físicas ou jurídicas que efetivamente colaborarem para a apuração de infrações, resultando na extinção ou na redução da penalidade administrativa aplicável.
O acordo, diz a MP, só poderá ser assinado com a primeira empresa ou pessoa que procurar o BC para tratar do assunto. Também é necessário que ela confesse sua participação e deixe de praticar o ilícito a partir da data do acordo.
A Medida Provisória 784 prevê ainda que o acordo seja tornado público após efetivado, mas isso pode não acontecer nos casos de interesse das investigações e do processo administrativo. As propostas rejeitadas não serão divulgadas.
Segundo o BC, a atualização no marco legal de punições do Sistema Financeiro Nacional (SFN) aumenta a eficiência e a eficácia dos processos administrativos punitivos.
O texto publicado nesta quinta-feira aumenta para R$ 2 bilhões o valor máximo de multas que podem ser aplicadas pelo Banco Central. O limite anterior era de R$ 250 mil. Já na CVM, agência reguladora do mercado de capitais, o limite da multa que era de R$ 500 mil subiu para R$ 500 milhões.
A Medida Provisória prevê também medidas coercitivas e preventivas, inclusive multa cominatória diária de até R$ 100 mil, que poderá incidir nos casos de recorrência em atender às determinações do supervisor. Os parâmetros e a gradação das penalidades serão objeto de regulamentação a ser baixada pelo BC nas próximas semanas.
O BC passa a dispor também do Termo de Compromisso, meio alternativo de solução de controvérsias. Esse termo visa conferir maior agilidade na supervisão do SFN, facilitando a adoção de medidas corretivas, inclusive a indenização de prejuízos porventura causados.
Direito casuísta
O advogado e professor da USP Heleno Torres afirma que, ao tratar de acordo de leniência, a medida provisória viola o artigo 62 da Constituição Federal, que proíbe a edição de MP sobre direito penal, processual penal e processual civil.
"Se acordo de leniência não for entendido como matéria de direito penal ou de processo penal, sinceramente, acho que serei eu a 'jogar a toalha', porque aí já não terei como dominar o casuísmo que se instalou no direito brasileiro", afirma o professor. Para ele, a questão deveria ter sido tratada em projeto de lei, o que permitiria discussão maior sobre o tema.
A possibilidade de o Banco Central manter em sigilo informações que foram delatadas também é criticada por Torres. "Mesmo que seja apresentado como processo administrativo, por meio desses acordos de leniência crimes serão relatados às autoridades do Banco Central. E ele não pode se omitir a apresentar essas informações ao Ministério Público Federal", diz.
Ele aponta que esse tipo de omissão impede uma atuação livre do Ministério Público, que tem a titularidade das ações penais. "Esse tipo de instrumento não pode ser uma ilha para afastar o Ministério Público das investigações", complementa.
A publicação da medida provisória, que já está em vigor, acontece em um momento que nomes de bancos começam a surgir em delações premiadas de outras investigações. O ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, que negocia delação premiada com os investigadores da "lava jato", é delator de grande interesse do MP por suas conexões com o mercado financeiro.
Tendência internacional
Ex-secretário Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, Beto Vasconcelos ressalta que parte das mudanças contidas na MP 784 já era discutida há algum tempo. Em sua opinião, os acordos tratam apenas de sanções administrativas do Banco Central, não avançando na área penal.
Segundo ele, as alterações de ampliação de condutas vedadas, de aumento e ampliação de sanções e de previsão de acordo de leniência são convergentes com a tendência internacional e das últimas alterações na legislação brasileira, como as leis do Cade, de lavagem de dinheiro e de combate ao crime organizado.
Diante da pluralidade de possibilidades de acordos de leniência com diferentes órgãos, Vasconcelos aponta que a MP cria mais um microssistema gerando um desafio para essas instituições. "O que vai se colocar como desafio é integração desses órgãos para que atuem de forma coordenada convergindo para a legitimação, validação e homologação desses acordos".
Vasconcelos afirma ainda que a MP reforça a diretriz da Lei de Lavagem de Dinheiro que diz que o setor privado financeiro é corresponsável e deve colaborar pela integridade da relação público-privado.
Em nota, o Banco Central afirmou que a MP torna o rito processual mais moderno e ágil e introduz regras específicas para o processo eletrônico, aprimorando a aderência do processo administrativo punitivo aos princípios da finalidade, da razoabilidade e da eficiência.
Além disso, aumenta também a segurança jurídica para os administrados e para o próprio BC, ao definir os tipos administrativos e ao discriminar os efeitos capazes de caracterizar uma infração como grave
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