11.24.2010

Meditação para combater a ansiedade

A prática tem ensinado muitas pessoas a prestar mais atenção às emoções e ao próprio corpo e a lidar de forma mais saudável com o estresse; estudos mostram sua eficácia no controle de patologias como depressão, pânico e ansiedade.
Criada na índia há mais de 3 mil anos, a me­ditação sempre existiu tanto nas principais religiões quanto nas organizações seculares. Mais recentemente, a prática baseada na autorregulação tem atraído a atenção de pes­quisadores e sido utilizada como aliada eficaz no tratamento de estresse, depressão, síndrome do pânico e transtorno de ansiedade. Nos estudos médicos, dois aspectos são mais frequentemente analisados: a concentração (representada aqui pela meditação transcendental, MT, e técnicas de rela­xamento) e a chamada mindfulness (sem tradução exata no português, é definida como um estado de atenção plena, voltada para o momento presente, de forma intencional, sem julgamento). Esta última tem sido pesquisada pelo programa de redução do estresse baseado em mindfulness (MBSR, na sigla em inglês), criado pelo pesquisador Jon Kabat-Zinn, professor da Universidade de Massachusetts. O programa, que tem como base o treinamento intensivo, é o mais utilizado em estudos sobre meditação devido à sua abordagem bem definida, sistemá­tica e centrada no paciente. Há duas décadas o cientista também utiliza o programa de redução do estresse com base em técnicas de meditação em ambientes hospitalares.
A meditação transcendental envolve o ato de voltar toda a atenção para algo específico. É preciso esforçar-se constantemente para que a concentração fique restrita e a mente não diva­gue. O objeto escolhido pode ser uma imagem, um mantra, uma emoção, a própria respiração ou partes do corpo. Já durante o estilo mindfulness o praticante exercita a "observação desapegada": inicialmente focaliza a atenção na própria respira­ção até que esteja estabilizada. Desse ponto em diante, a pessoa é capaz de observar quaisquer eventos físicos ou mentais que possam surgir no campo da consciência. Esses eventos mudam de um momento para o outro e são observados com curiosidade-e nunca julgados ou avaliados. Essa maneira de estar presente e perceber o ambiente e a si mesmo ajuda o indivíduo a lidar com estresse, dor e doenças.
Um número cada vez maior de estudos mostra isso. O pesquisador Scott Bishop, da Universidade de Toronto, no Canadá, por exem­plo, sugere que mindfulness, que frequentemente é, por si só, o próprio objetivo da meditação, abarca dois componentes: o primeiro é a au­torregulação da atenção (que envolve inibição do processo de elaboração); e o segundo é a possibilidade de vivenciar a experiência com curiosidade, abertura e aceitação.
Embora os mecanismos fisiológicos por meio dos quais a meditação atua ainda não sejam completamente claros para a ciência, é reconhe­cido o fato de que a prática produz a redução generalizada de diversos sistemas fisiológicos, promovendo um estado profundo de relaxa­mento. Alguns autores ressaltam que, durante a meditação, ocorre um estado de funcionamento fisiológico único: consumo de oxigênio reduzido, resistência basal da pele aumentada, frequência cardíaca reduzida e aumento da densidade e am­plitude de ondas cerebrais alfa. Vários trabalhos apontam para o rebaixamento do lactato sanguí­neo, um marcador bioquímico de relaxamento. Níveis elevados da substância no organismo estão associados à hipertensão e ansiedade, mas investigações recentes mostraram que durante a meditação os níveis de ladato declinam significa­ tivamente, o que provavelmente está relacionado à concomitante redução da pressão sanguínea e da necessidade de medicação hipertensiva.
A meditação tem sido associada também a quedas drásticas nos níveis de alerta e excitação, o que ajuda a controlar o estresse e a ansiedade. Além disso, os praticantes parecem dispor de um sistema de recuperação autonômica do estresse mais rápido que os não praticantes.
Há várias confirmações de que a meditação, especialmente a MBSR, reduz sintomas de pa­tologias crônicas e recorrentes como a síndrome do pânico e do transtorno de ansiedade genera­lizada (TAG). Sessões em grupo do programa MBSR têm ensinado as pessoas a cuidar melhor de si e a viver de forma mais saudável. Nos últimos anos, foi desenvolvida uma abordagem terapêutica que integra técnicas de meditação e terapia cognitivo-comportamental, voltada para pacientes com ansiedade crônica e depressão - em especial aqueles que não querem fazer uso de medicamentos controlados, gestantes ou que desejam um tratamento adicional.
• Pensar melhor
Geralmente, são prescritos ansiolíticos aos pacientes com doenças crônicas e recorrentes relacionadas à ansiedade. A combinação de farmacoterapia e outras abordagens, como a psicoterapia, favorece as chances de recupera­ção. A meditação surge então como uma opção complementar, de baixo custo, que favorece o tratamento. Além disso, reforça a autonomia do paciente. Por isso mesmo a mindfulness é o sistema de meditação mais usado em pesquisas: é conciso, bem definido e, uma vez aprendido, pode ser realizado pelo próprio paciente e usado em paralelo com qualquer terapia tradicional.
Um estudo foi realizado em 1995 pelo psiquiatra John Miller, na Divisão de Medicina Preventiva da Universidade de Massachusetts, com 22 pacientes diagnosticados com ansiedade e pânico. Durante oito semanas os voluntários participaram do programa de redução do estres­se com base em mindfulness, sendo avaliados quatro vezes durante o estudo - na triagem, antes da intervenção, logo depois da interven­ção e três anos mais tarde. Não apenas houve melhoras estatísticas e clínicas significativas nos sintomas tanto subjetivos quanto objetivos de ansiedade e depressão, mas confirmou-se que os resultados persistiram por mais três anos para os que continuaram a praticar. Os autores concluíram que a terapia ajuda a "reestruturar o conteúdo dos pensamentos para alcançar uma relação entre pensamento, estado emocional e ação mais acurada e adaptativa". O estudo mostra que a meditação mindfulness tem em comum com a terapia cognitiva a proposta de aguçar a percepção de si e do ambiente, aju­dando a clarear o raciocínio e as emoções. As duas abordagens consideram também que, se o indivíduo for capaz de mudar sua relação com os próprios pensamentos, poderá alterar padrões de comportamento autodestrutivos.
Outro estudo realizado por Jon Kabat-Zinn, que desde 1992 investiga o tema no Departa­mento de Psiquiatria da Universidade de Massa­chussetts, confirmou as conclusões de Miller. Em sua pesquisa, pacientes ansiosos também foram submetidos ao programa de redução de estresse baseado em mindfulness durante oito semanas ininterruptas. Os resultados mostraram reduções significativas na ansiedade, depressão e fobias em pacientes diagnosticados com transtorno de ansiedade generalizada e pânico. E a maioria dos voluntários continuou com a prática de meditação e disse acreditar no valor duradouro do programa. Os autores observaram que a taxa de desistência foi muito baixa, indicando que a prática foi bem aceita pelos pacientes.
Um trabalho mais recente, realizado em 2007 na Universidade de Pochon-Cha, na Coreia do Sul, investigou os efeitos da meditação mindful­ness em 46 pessoas diagnosticadas com transtor­no de ansiedade generalizada e pânico, algumas das quais sofriam de agorafobia. Os participan­tes foram divididos em dois grupos, sendo um deles submetido à redução de estresse baseado em mindfulness e o outro, ao programa de edu­cação em ansiedade. Comparado ao grupo de educação, o grupo que praticou meditação mos­trou melhoras significativas em todas as escalas que mensuram ansiedade. Esses e tantos outros estudos presentes na literatura evidenciam os efeitos dessa prática nos níveis de ansiedade de pacientes ansiosos e sujeitos normais. No entanto, algumas dessas pesquisas apresentam falhas metodológicas e experimentais, sendo necessária a constante replicação desses resul­tados e formulação de novos experimentos. Es­tudo de 2008, realizado pela pesquisadora Susan Evans, na Universidade Médica Weill Cornell, em Nova York, obteve resultados semelhantes com pacientes que sofriam de transtorno de ansiedade generalizada.
Há algumas décadas, pesquisadores vêm apontando a ligação entre meditação e a te­rapia cognitivo-comportamental. Em 2002, a Associação de Terapia Comporta mental e Cognitiva (então Associação para o Progresso da Terapia Comporta mental) publicou uma edição especial dedicada à integração da filo­sofia budista a essa abordagem psicoterápica. Os autores argumentam que interpretações budistas para o sofrimento estão intimamente relacionadas a deduções embasadas no conhecimento a respeito do "eu". A ideia de karma, por exemplo, estaria "refletida" nas técnicas da terapia cognitivo-comportamental que enfati­zam comportamentos positivos e não prejudi­ciais como terapêuticos. Eles indicam ainda que a meditação pode representar um antídoto útil ao "comportamento não virtuoso" por meio do estado de atenção plena, sem preocupação com julgamentos. A ideia de mindfulness, central no pensamento budista, refere-se a uma conscien­tização cuidadosa dos próprios pensamentos e emoções, fundamental na meditação. A prática busca promover uma forma de consciência de pensamentos negativos na qual qualidades como aceitação, descentralização e desapego favorecem a capacidade de refletir e influenciar as próprias experiências cognitivas. Essa orien­tação direcionada aos próprios pensamentos de forma flexível é capaz de promover a regu­lação afetiva.
• Atividades diárias
Levando essas questões em conta, pesquisado­res da equipe do psiquiatra Zindel Segal, na Uni­versidade de Toronto, criaram em 2002 a terapia cognitiva baseada em mindfulness (TCBM), com o objetivo de reduzir o sofrimento emocional associado aos transtornos de ansiedade e depres­são. Nela, os participantes têm a oportunidade de observar objetivamente seus pensamentos, emoções e sensações físicas. A meditação pode ainda preparar o terreno para a terapia que será realizada posteriormente, tornando os pacientes mais receptivos e menos defensivos, potenciali­zando os efeitos da psicoterapia. Em um estudo realizado em 2005 na Universidade de Berkeley, na Califórnia, pesquisadores da equipe do cien­tista Myra Weiss compararam a eficácia tanto da psicoterapia aplicada isoladamente quanto vinculada à TCBM com pacientes ansiosos e estressados. Os resultados mostraram reduções significativas dessas variáveis nos dois grupos. No entanto, apenas aqueles que praticaram meditação e fizeram psicoterapia conseguiram demonstrar clareza quando deveriam alcançar seus objetivos pessoais, profissionais e afetivos. Além disso, o mesmo grupo encerrou as sessões de terapia muito mais rapidamente que o grupo de controle. As diferenças sugerem que, além de ajudar na redução do estresse, a TCBM aumenta o autocontrole dos praticantes. Anos mais tarde, os pesquisadores constataram também que a maior parte dos pacientes não só seguiu com a prática de meditação, mas teve melhoras nos níveis de energia e atividade diárias. Outro estu­do, realizado também por Myra Weiss, comparou os resultados de duas intervenções, ambas com duração de 12 semanas, em 31 pacientes ansio­sos divididos em dois grupos experimentais, também teve conclusões similares. Só que dessa vez os ganhos terapêuticos foram avaliados em dois momentos: uma semana antes do início e ao término do trabalho. Ambos os grupos mostraram melhoras significativas, mas apenas os que frequentaram sessões de psicoterapia e do programa de redução do estresse baseado em mindfulness alcançaram as metas traçadas e encerraram as sessões de terapia mais cedo do que o outro grupo.
Apesar das constatações e confirmações sobre os benefícios da meditação, futuras pes­quisas ainda são necessárias para elucidar como funciona o intricado processo que nos leva a viajar para dentro de nós mesmos. O convite a essa expedição tem sido feito há séculos. Muitos cientistas já o aceitaram.
• Respiração e ritmo influenciam estados de humor
Entre as várias técnicas da ioga, os exercícios respiratórios (Pránayáma) parecem ser os que exercem maior influência nos estados de humor, justamente pela notória relação das emoções com a respiração. A regulação respiratória depende de uma série de mecanismos involuntários, podendo ser realizada sem a interferência do controle voluntário. Assim, as características da respiração se ajustam de acordo com as emoções. Entretanto, é possível alterar voluntariamente seu ritmo, frequência e profundidade. As técnicas respiratórias orientam justamente esse controle voluntário, exercendo influência em mecanismos involuntários que regulam a respiração e o sistema cardiovascular, podendo modular a interação entre sistema nervoso simpático e parassimpático e, consequentemente, o eixo HPA. Esses exercícios ativam o sistema nervoso autônomo com a finalidade de inibir o sistema simpático e estimular o sistema parassimpático. Com a prática dos exercícios propostos pela ioga, os quimiorreceptores sensíveis à elevação de CO2, localizados no centro respiratório do cérebro (no tronco cerebral), começam a responder menos a esse aumento durante a expiração, de modo que o indivíduo consegue expirar mais prolongadamente, reduzindo a frequência cardíaca. As técnicas têm como finalidade prolongar a expiração e valorizar a retenção de ar. Esse princípio conduz a um treinamento tão forte do SNA que ocorre um aumento das variações da frequência cardíaca, mesmo quando o indivíduo não está praticando, pois o padrão respiratório involuntário é profundamente alterado. Essas pesquisas talvez expliquem por que os praticantes de ioga são menos propensos a desenvolver transtornos de ansiedade e de humor e respondem melhor às alterações emocionais negativas.
Para saber mais
Mindfulness-based cognitive therapy for generalized an­xiety disorder. Susan Evans, Stephen Ferrando, Marianne Findler, Charles Stowell, Co­lette Smart, Dean Haglin., Joumal of Anxiety Disorders 22, págs.716-721,2008.
Buddhist psychology, psycho­therapy and the brain: a cri­tical introduction. Brendan Kelly. Transcultural Psychiatry (43), págs. 5-31, 2008.
Three-yearfollow-up and clini­cal implications of a mindful­ness meditation-based stress reduction intervention in the treatment of anxiety disorders. John J. Miller, Ken Fletcher e Jon Kabat-Zinn. General Hospital Psychiatry 17, págs. 192-200, 1995.
Revista Scientific American - por Camila Ferreira-Vorkapic

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