Ninguém segura esse mosquito
O número de casos e mortes dobra em 2010 e a esperança são as vacina O Brasil está diante de um novo surto de dengue. O número de casos e mortes decorrentes da doença praticamente dobrou de 2009 para 2010. De janeiro a outubro, foram registrados 936,2 mil diagnósticos positivos no País, ante 489,8 mil no ano passado. No mesmo período, a doença levou à morte 592 pacientes. Em 2009, a dengue matou 312. Onze capitais estão em alerta de epidemia e o Ministério da Saúde colocou à disposição dos municípios cerca de 1 bilhão de reais para o combate à moléstia.
O próprio ministro José Gomes Temporão reconhece falhas no controle da infestação, mas diz ser impossível, hoje, erradicar o Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue no Brasil. “A esperança é uma vacina capaz de combater os quatro tipos de vírus da dengue. Daqui a quatro ou cinco anos chegaremos a ela. Há vários protótipos sendo testados”, afirmou em entrevista concedida recentemente a CartaCapital. O problema é que, há pelo menos 15 anos, pesquisadores do mundo todo têm se empenhado na tarefa e ainda não conseguiram colocar no mercado uma vacina.
De acordo com especialistas, o elevado número de mortes se deve, principalmente, ao fato de o Brasil conviver, desde o início dos anos 90, com três tipos de vírus da dengue, o que aumenta a probabilidade de um indivíduo ser infectado mais de uma vez e desenvolver a febre hemorrágica, versão mais agressiva da doença. A estratégia mais eficaz para conter a transmissão é eliminar os criadouros do vetor, que só consegue desenvolver seus ovos na água parada e em ambientes quentes.
Segundo o Ministério da Saúde, “a manutenção das condições precárias de saneamento básico e a irregularidade da coleta de lixo em muitos municípios brasileiros impedem a redução dos índices de infestação”. Tamanha dificuldade fez o governo mudar a condução de sua política de combate à dengue. Da erradicação do vetor a meta passou a ser o controle, a tentativa de reduzir o número de surtos. Trata-se de um cenário bem diferente de meados dos anos 90, quando o então ministro da Saúde Adib Jatene propôs uma grande operação para eliminar completamente o mosquito. Só que o projeto acabou abandonado, devido à falta de recursos. “Perdemos uma oportunidade histórica. Havia poucos focos espalhados no País”, lamenta Jatene.
“Não sei se o projeto seria bem-sucedido naquela época, mas agora essa hipótese está descartada. O Brasil já erradicou o Aedes aegypti em 1955, quando o mosquito transmitia a febre amarela urbana. Só que o vetor voltou a circular pelo País e a estrutura das cidades mudou radicalmente, favorecendo a sua proliferação”, afirma o entomologista Rafael Freitas, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Alguns países conseguiram êxito no controle do vetor, mas não existe uma solução que sirva para todos os lugares. Acho improvável que o Brasil faça como Cingapura e aplique multa aos moradores que tiverem criadouros do mosquito em casa. Muito menos que se prendam os reincidentes.”
De acordo com o especialista da Fiocruz, o ideal seria que os agentes de saúde visitassem as residências brasileiras a cada 12 dias, tempo do ciclo de vida do mosquito, para identificar e eliminar os criadouros. Mas a tarefa seria quase impossível de financiar. “Para fazer um trabalho adequado, cada agente tem condições de visitar de 25 a 30 casas por dia. Precisaríamos de um verdadeiro exército para cumprir essa tarefa”, afirma Freitas. “É por isso que a vacina é a grande esperança mesmo. E, enquanto ela não chega, a população precisa manter vigilância permanente e eliminar os criadouros domésticos.”
No Brasil, pelo menos três grandes projetos de pesquisa de vacinas contra a dengue estão em andamento. O mais avançado, patrocinado pela Sanofi-Pasteur, divisão do grupo farmacêutico Sanofi-Aventis, prevê para 2015 a apresentação de uma vacina tetravalente (capaz de imunizar contra todos os tipos de dengue) no mercado brasileiro. Ela é fabricada a partir do vírus vivo atenuado e conta com estruturas da vacina contra a febre amarela.
Os primeiros testes em humanos no Brasil começaram há dois meses em Vitória, com um grupo de 150 jovens de 9 a 16 anos. O estudo, na verdade, é para aferir a segurança, e não a eficácia da droga. “Queremos saber se as pessoas que tomaram a vacina apresentam efeitos adversos. Por isso, aplicamos uma dose em cem pacientes e em outros 50 demos placebo, uma substância inócua, para medir se as reações relatadas por eles têm fundo psicológico ou não”, afirma o pesquisador Reynaldo Dietze, do Núcleo de Doenças Infecciosas da Universidade Federal do Espírito Santo, contratado para fazer o estudo. A vacina voltará a ser aplicada nos voluntários num prazo de seis e 12 meses. “A pesquisa nos indica que essa seria a dosagem adequada, mas esse estudo vai nos dar mais condições de regular tanto a quantidade como o intervalo entre uma aplicação e outra.”
Somente após esse estudo os pesquisadores voltarão a fazer testes em humanos, desta vez para medir a eficácia da vacina e com uma amostra de voluntários bem maior, na casa dos milhares. “É difícil fixar um prazo seguro para dizer quando a vacina chegará ao mercado, porque cada etapa da pesquisa enfrenta desafios distintos e isso também depende da infraestrutura industrial para produzi-la em grandes quantidades e da aprovação dos órgãos de vigilância sanitária”, diz Dietze. “Esse prazo de mais quatro ou cinco anos não deixa de ser uma previsão apenas.”
O laboratório público Bio-Manguinhos, ligado à Fiocruz, trabalha com duas linhas de pesquisa diferentes para vacinas contra a dengue. Uma estuda o vírus atenuado da doença, semelhante ao projeto da Sanofi-Aventis, e a outra o vírus inativado quimicamente. “A vantagem desse segundo modelo é que, em tese, a vacina pode exigir menos aplicações e um intervalo menor entre uma dose e outra”, explica Ricardo Galler, diretor de desenvolvimento tecnológico da empresa. “Enquanto a primeira vacina exige ao menos três aplicações, espaçadas por um período de seis meses, a segunda, com o vírus inativado, pode precisar de duas doses, num intervalo de dois a três meses.”
O problema é que não há previsão de testes em humanos antes de 2012 e, após esse prazo, seria preciso pelo menos mais cinco anos de pesquisa para aferir a eficácia e colocar o produto no mercado. “Existe muita expectativa em relação à vacina, mas não podemos descuidar do controle do vetor. Mesmo se já existisse uma vacina eficaz, combater o Aedes aegypti é essencial para garantir a erradicação da doença”, pondera Galler. “Além disso, não custa lembrar que o mesmo mosquito que transmite a dengue hoje era responsável pela disseminação da febre amarela urbana. A vacina erradicou a doença, mas o vetor sobreviveu e agora é o grande vilão da dengue.”
O próprio ministro José Gomes Temporão reconhece falhas no controle da infestação, mas diz ser impossível, hoje, erradicar o Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue no Brasil. “A esperança é uma vacina capaz de combater os quatro tipos de vírus da dengue. Daqui a quatro ou cinco anos chegaremos a ela. Há vários protótipos sendo testados”, afirmou em entrevista concedida recentemente a CartaCapital. O problema é que, há pelo menos 15 anos, pesquisadores do mundo todo têm se empenhado na tarefa e ainda não conseguiram colocar no mercado uma vacina.
De acordo com especialistas, o elevado número de mortes se deve, principalmente, ao fato de o Brasil conviver, desde o início dos anos 90, com três tipos de vírus da dengue, o que aumenta a probabilidade de um indivíduo ser infectado mais de uma vez e desenvolver a febre hemorrágica, versão mais agressiva da doença. A estratégia mais eficaz para conter a transmissão é eliminar os criadouros do vetor, que só consegue desenvolver seus ovos na água parada e em ambientes quentes.
Segundo o Ministério da Saúde, “a manutenção das condições precárias de saneamento básico e a irregularidade da coleta de lixo em muitos municípios brasileiros impedem a redução dos índices de infestação”. Tamanha dificuldade fez o governo mudar a condução de sua política de combate à dengue. Da erradicação do vetor a meta passou a ser o controle, a tentativa de reduzir o número de surtos. Trata-se de um cenário bem diferente de meados dos anos 90, quando o então ministro da Saúde Adib Jatene propôs uma grande operação para eliminar completamente o mosquito. Só que o projeto acabou abandonado, devido à falta de recursos. “Perdemos uma oportunidade histórica. Havia poucos focos espalhados no País”, lamenta Jatene.
“Não sei se o projeto seria bem-sucedido naquela época, mas agora essa hipótese está descartada. O Brasil já erradicou o Aedes aegypti em 1955, quando o mosquito transmitia a febre amarela urbana. Só que o vetor voltou a circular pelo País e a estrutura das cidades mudou radicalmente, favorecendo a sua proliferação”, afirma o entomologista Rafael Freitas, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Alguns países conseguiram êxito no controle do vetor, mas não existe uma solução que sirva para todos os lugares. Acho improvável que o Brasil faça como Cingapura e aplique multa aos moradores que tiverem criadouros do mosquito em casa. Muito menos que se prendam os reincidentes.”
De acordo com o especialista da Fiocruz, o ideal seria que os agentes de saúde visitassem as residências brasileiras a cada 12 dias, tempo do ciclo de vida do mosquito, para identificar e eliminar os criadouros. Mas a tarefa seria quase impossível de financiar. “Para fazer um trabalho adequado, cada agente tem condições de visitar de 25 a 30 casas por dia. Precisaríamos de um verdadeiro exército para cumprir essa tarefa”, afirma Freitas. “É por isso que a vacina é a grande esperança mesmo. E, enquanto ela não chega, a população precisa manter vigilância permanente e eliminar os criadouros domésticos.”
No Brasil, pelo menos três grandes projetos de pesquisa de vacinas contra a dengue estão em andamento. O mais avançado, patrocinado pela Sanofi-Pasteur, divisão do grupo farmacêutico Sanofi-Aventis, prevê para 2015 a apresentação de uma vacina tetravalente (capaz de imunizar contra todos os tipos de dengue) no mercado brasileiro. Ela é fabricada a partir do vírus vivo atenuado e conta com estruturas da vacina contra a febre amarela.
Os primeiros testes em humanos no Brasil começaram há dois meses em Vitória, com um grupo de 150 jovens de 9 a 16 anos. O estudo, na verdade, é para aferir a segurança, e não a eficácia da droga. “Queremos saber se as pessoas que tomaram a vacina apresentam efeitos adversos. Por isso, aplicamos uma dose em cem pacientes e em outros 50 demos placebo, uma substância inócua, para medir se as reações relatadas por eles têm fundo psicológico ou não”, afirma o pesquisador Reynaldo Dietze, do Núcleo de Doenças Infecciosas da Universidade Federal do Espírito Santo, contratado para fazer o estudo. A vacina voltará a ser aplicada nos voluntários num prazo de seis e 12 meses. “A pesquisa nos indica que essa seria a dosagem adequada, mas esse estudo vai nos dar mais condições de regular tanto a quantidade como o intervalo entre uma aplicação e outra.”
Somente após esse estudo os pesquisadores voltarão a fazer testes em humanos, desta vez para medir a eficácia da vacina e com uma amostra de voluntários bem maior, na casa dos milhares. “É difícil fixar um prazo seguro para dizer quando a vacina chegará ao mercado, porque cada etapa da pesquisa enfrenta desafios distintos e isso também depende da infraestrutura industrial para produzi-la em grandes quantidades e da aprovação dos órgãos de vigilância sanitária”, diz Dietze. “Esse prazo de mais quatro ou cinco anos não deixa de ser uma previsão apenas.”
O laboratório público Bio-Manguinhos, ligado à Fiocruz, trabalha com duas linhas de pesquisa diferentes para vacinas contra a dengue. Uma estuda o vírus atenuado da doença, semelhante ao projeto da Sanofi-Aventis, e a outra o vírus inativado quimicamente. “A vantagem desse segundo modelo é que, em tese, a vacina pode exigir menos aplicações e um intervalo menor entre uma dose e outra”, explica Ricardo Galler, diretor de desenvolvimento tecnológico da empresa. “Enquanto a primeira vacina exige ao menos três aplicações, espaçadas por um período de seis meses, a segunda, com o vírus inativado, pode precisar de duas doses, num intervalo de dois a três meses.”
O problema é que não há previsão de testes em humanos antes de 2012 e, após esse prazo, seria preciso pelo menos mais cinco anos de pesquisa para aferir a eficácia e colocar o produto no mercado. “Existe muita expectativa em relação à vacina, mas não podemos descuidar do controle do vetor. Mesmo se já existisse uma vacina eficaz, combater o Aedes aegypti é essencial para garantir a erradicação da doença”, pondera Galler. “Além disso, não custa lembrar que o mesmo mosquito que transmite a dengue hoje era responsável pela disseminação da febre amarela urbana. A vacina erradicou a doença, mas o vetor sobreviveu e agora é o grande vilão da dengue.”
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