1.19.2012

"Sistema Cerebral de Recompensa"


O Sistema do Prazer, as Drogas e a Sociedade

Autora: Silvia Helena Cardoso, Renato M.E. Sabbatini - 10/06/99, Revista "Cérebro & Mente"


A busca constante por estímulos prazerosos, como alimentos saborosos, uma cerveja geladinha e a relação sexual excitante, está associada a um "sistema cerebral de recompensa", assim denominado pelo neurobiólogo americano James Olds nos anos 60. Trata-se de uma complexa rede de neurônios que é ativada quando fazemos atividades que causam prazer. Este sistema nos fornece uma recompensa sempre que fazemos determinadas atividades, levando-nos, portanto, a repetir aqueles atos. Biologicamente, ele tem uma função específica e essencial: garantir a sobrevivência do indivíduo e da espécie, ao dar motivação para comportamentos como comer, beber e reproduzir-se.
Infelizmente, não somente as funções fisiológicas normais estimulam este sistema, mas também o fazem o álcool e outras drogas de abuso, e as vezes gerando um prazer muito mais intenso do que as funções naturais.
Como afirmam os autores do artigo Abuso de Drogas desta edição, a Dra. T. S. Claudio-da-Silva and Doutor J. Rocha do Amaral, "quando uma pessoa usa uma droga psicoativa e o efeito por ela produzido é de alguma forma agradável, este efeito adquire o caráter de uma recompensa. Como o comprovam estudos experimentais, todos os comportamentos que são reforçados por uma recompensa tendem a ser repetidos e aprendidos". De fato, estudos recentes demonstraram que o sistema de recompensa é subjacente a drogas como morfina, heroína, cocaína, álcool e até mesmo a nicotina do cigarro.
Embora possa provocar inicialmente euforia e bem-estar, dando aos drogaditos uma falsa idéia de efeito benéfico, a influência das drogas sobre o sistema de recompensa, ao tornar-se crônica pela repetição do uso, acaba conduzindo a um poderoso e inescapável ciclo de adição, muitas vezes danificando o cérebro e outros órgãos.
Se pensarmos bem, este simples fato biológico está por trás de uma infinidade de dramas pessoais e sociais e uma modificação talvez irreversível das sociedades, que sofrem pesadamente com o domínio ilícito das atividades de exploração econômica da drogadição. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, estima-se que 63 porcento (1) de todas as atividades criminosas, de roubos a assassinatos praticados por gangues e traficantes, e um número incontável de mortes e doenças, são causadas direta ou indiretamente pelo uso de drogas de abuso por uma parcela relativamente pequena da população. Em países como a Colômbia, e nas grandes cidades do Brasil, estas estatísticas podem ser ainda piores. É, sem dúvida uma epidemia assustadora, e a maior tragédia desse final de século.
Por isso, é tão urgente a compreensão dos mecanismos cerebrais da drogadição pela neurociência. Por que ela ocorre? Como bloqueá-la?
O objetivo dos experimentos nos quais alguns cientistas estão engajados é descobrir a natureza química dos sistemas mediadores da recompensa. Também nesta edição, o Doutor J. Martins de Oliveira, apresenta, em seu artigo "A Síndrome da Deficiência da Recompensa", os mecanismos cerebrais deste sistema intrigante, as causas e conseqüências de sua deficiência e uma breve explanação de escassas tentativas terapêuticas para o fenômeno da adição.
Um dado impressionante que emerge da numerosíssimas pesquisas nesse campo é que a ação de quantidades minúsculas da droga que chegam ao cérebro, alteram de forma tão poderosa o comportamento, ao mexerem com os mecanismos normais da neurotransmissão. Uma descoberta fundamental, na década dos 60s, posteriormente confirmada para muitas outras drogas, é que nosso cérebro tem neurotransmissores com estrutura química semelhante às drogas de adição (como as endorfinas, literalmente, morfinas endógenas!) e receptores químicos nas membranas que reagem especificamente às drogas circulantes.
Portanto, o segredo da compreensão do controle das funções cerebrais na drogadição está principalmente em entender os nossos processos químicos de informação. Se pudermos entender como estes sistemas interagem para produzir estes comportamentos, e se soubermos o suficiente sobre a neuroquímica, poderemos eventualmente intervir e bloquear ou corrigir as alterações.
Mas isso não é tudo. Precisamos também entender melhor os mecanismos psicológicos individuais e sociais que estão por trás do fenômeno da drogadição. Afinal, todos nós temos esses sistemas cerebrais, neurotransmissores e receptores, mas apenas alguns de nós sucumbem ao abuso de drogas.
Estas são questões-chave para o Milênio que se aproxima, e que nós, da Revista "Cérebro & Mente". queremos ajudar a divulgar.

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