Brasileiros começam a testar o remédio
mais eficaz desenvolvido até agora para combater o mal que atinge 40% da
população mundial. Seis laboratórios brigam para saber qual lançará
primeiro a nova droga no mercado
Monique Oliveira
O controle do colesterol está no centro das atenções de médicos de
todas as especialidades, até mesmo dos pediatras. Apesar de cumprir
funções nobres no corpo –, é indispensável à formação das células e
produção dos hormônios sexuais, por exemplo – a substância torna-se um
problema quando o LDL, uma das frações que a compõem e que é conhecida
como mau colesterol, ultrapassa os limites desejáveis. Em excesso, o LDL
se acumula no interior das artérias e bloqueia a passagem do sangue, o
que pode levar ao infarto (se for no coração) ou a um acidente vascular
cerebral. Domar o mau colesterol, portanto, é um dos maiores desafios da
ciência.
A boa-nova é que os pesquisadores estão prestes a dar uma virada nos
rumos dessa batalha com o lançamento de um remédio que é o mais
eficiente recurso descoberto desde as estatinas, a principal medicação
em uso para reduzir o LDL. A substância que pode fazer essa revolução é
uma molécula nova, ministrada na forma de injeção, com periodicidade
quinzenal ou mensal.
CAMINHO CERTO
Eduardo Mekitarian, 67 anos, conseguiu controlar o
colesterol com dieta, exercício e remédio
Os resultados obtidos com testes em cerca de mil pacientes
surpreenderam os pesquisadores. Associada às estatinas, a injeção
conseguiu reduzir em até 72% o LDL, algo jamais alcançado. “O índice
apresentado nos estudos de redução do colesterol é muito alto”, afirma
Leopoldo Piegas, cardiologista do Instituto Dante Pazzanese, que
conduzirá testes com o medicamento. Mesmo em grupos que tomaram apenas o
novo remédio o mau colesterol sofreu uma diminuição significativa. No
próximo ano, dezenas de milhares de pessoas serão submetidas ao uso
experimental do novo remédio. Seis grandes empresas farmacêuticas
multinacionais estão acelerando o planejamento dos seus testes de fase
três – que comprovam a eficácia e a segurança do medicamento em
populações maiores. Elas disputam qual chegará primeiro ao mercado com o
novo remédio. Em junho, por exemplo, durante uma conferência em Paris,
as indústrias Sanofi e Regeneron, parceiras na pesquisa do novo remédio,
anunciaram que farão estudos com 22 mil pessoas em diversos países. O
laboratório Amgen, por sua vez, iniciará avaliações em 20 centros de
referência em cardiologia no Brasil nos primeiros meses de 2013. A
molécula, por hora designada por um amontoado de siglas e números, será
avaliada também em 30 centros latino-americanos. Outras gigantes do
mercado farmacêutico que participam dessa corrida são a Pfizer, a
Novartis, a Merck e a Bristol-Myers em conjunto com a Isis
Pharmaceuticals.
O novo remédio é a maior esperança na luta contra a doença em 25 anos.
“Se essa injeção for aprovada, mudará a história do tratamento do
colesterol”, afirma o cientista Raul Dias dos Santos, diretor da Unidade
de Dislipidemias do Instituto do Coração de São Paulo, outra das
instituições escaladas para avaliar o novo medicamento. O otimismo
cauteloso do pesquisador tem fundamento. Há anos buscam-se novos
caminhos para melhorar o controle do colesterol alterado, que acomete
40% da população mundial e contribui para 56% dos casos de óbitos por
doenças coronárias, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
A injeção é inovadora em vários sentidos. Primeiro, porque atua por
caminhos diferentes das estatinas, que contêm as taxas de gordura no
sangue, inibindo a sua produção no fígado. A molécula bloqueia a
atividade de uma enzima natural do corpo chamada PCSK9. Essa enzima
destrói os receptores de LDL no sangue, cuja função é retirar o excesso
de colesterol ruim em circulação, como ficou demonstrado por estudos
publicados nos últimos dez anos pela revista científica “New England
Journal of Medicine”. Com o avanço das pesquisas, os cientistas
encontraram mais alterações na mesma enzima capazes de gerar baixas
concentrações de LDL no sangue e de ligá-la aos casos de
hipercolesterolemia familiar. São situações em que membros de diversas
idades de famílias inteiras convivem com elevadíssimas taxas de
colesterol. “Não há dúvida de que essa enzima está profundamente
envolvida na regulação do colesterol”, atesta a farmacêutica bioquímica
Marileia Scartezini, da Universidade Federal do Paraná, autora de uma
tese de pós-doutorado sobre mutações genéticas relacionadas a taxas
excessivamente baixas. “A essa altura, já era possível vislumbrar que um
novo medicamento de combate à doença passaria pelo estudo da enzima
PCSK9”, disse à ISTOÉ Gregg Fonarow, diretor do Centro de Cardiologia
Preventiva da Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla).
Hoje o tratamento para o colesterol alto passa necessariamente pelas
estatinas quando o controle não é conseguido com mudanças no estilo de
vida. O problema é que pouca gente consegue mudar a dieta, parar de
fumar e adotar um programa de exercícios semanais, que são as primeiras
recomendações dos médicos a quem começa a mostrar alterações no LDL.
“Não é fácil, mas eu consegui”, diz o professor de pós-graduação Eduardo
Mekitarian, 67 anos. Há cinco anos, ele pratica 15 minutos de caminhada
todos os dias, toma estatinas religiosamente e controla a dieta. Não
come pizza mais de duas vezes por mês, tirou do prato embutidos,
crustáceos e reduziu o consumo de carnes. “A transformação aconteceu
quando eu descobri que estava com as coronárias entupidas e fiz uma
cirurgia para colocar safenas. O susto mudou minha vida”, diz ele.
As indicações médicas, porém, não são aceitas por todos. Para alguns,
a necessidade de tomar mais de um comprimido por dia é um empecilho
para perseverar no tratamento. Isso fez com que a designer Ana Vizeu, 33
anos, recusasse os remédios. “Depois de descobrir que tinha o
colesterol alto, pesquisei na internet como era a dieta e vida dessas
pessoas”, conta. “Estou tentando segurar com dieta e exercícios, mas
admito que sem tanta eficácia”, reconhece. A designer tem colesterol
total (a soma de todas as frações) acima de 200 mg/dl (miligramas por
decilitro de sangue) e não conseguiu até agora aderir a uma rotina que
reduza suas taxas. Para a Sociedade Brasileira de Cardiologia, o
colesterol total não deve ultrapassar 200 mg/dl. Níveis entre 200 e 240
mg/dl já são elevados e merecem atenção. Acima desses valores, são
preocupantes.
PESQUISA
O cardiologista Leopoldo Piegas comandará os testes com a injeção
no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo
Embora seja a arma mais eficaz encontrada até hoje, as estatinas têm
sido alvo de duras críticas por seus efeitos colaterais, como perda de
memória e fadiga muscular. Outro efeito indesejado é um incremento na
produção da enzima que destrói os receptores de LDL, responsáveis pela
remoção do mau colesterol. A nova injeção combate justamente essas
enzimas. Alguns pesquisadores acreditam que seja esse o motivo que faz o
remédio ter impacto limitado em casos como o da aposentada Maria Júlia
Lima, 63 anos, de São Paulo, que sofre da forma genética da doença. “Já
tenho duas pontes de safena e meu colesterol total chega a 500 mg/dl”,
diz a aposentada, que toma 12 medicamentos por dia.
Pessoas como Maria Júlia serão as primeiras beneficiadas pela nova
injeção. “É o maior golpe contra o colesterol desde as estatinas”, disse
à ISTOÉ Evan Stein, pesquisadora americana que coordena os estudos
patrocinados pela Regeneron e Sanofi. Os resultados da pesquisa que
chegaram a uma redução de até 72% nos níveis de colesterol foram
publicados em julho pela conceituada revista científica “Lancet”. O
trabalho comparou indivíduos saudáveis que tomaram a injeção
anticolesterol com portadores da forma genética da doença em tratamento
com estatinas e ezetimiba (medicamento que ajuda na diminuição do
colesterol com a absorção do LDL no intestino) por quatro meses. A
Pfizer, que conduz estudo de fase 2, ainda não publicou seus resultados,
mas divulgou que os 48 pacientes analisados não apresentaram efeitos
adversos à sua molécula.
Outro grupo que poderá ser favorecido pelo novo medicamento é aquele
que não se dá com as estatinas, segundo Mariano Janiszewski,
diretor-médico da Amgen no Brasil. “Cerca de 5% a 10% das pessoas não
suportam esses remédio de jeito nenhum, e um número ainda maior não
suporta doses elevadas”, diz a pesquisadora Evan.
Sem tratamento
Ana Vizeu, 33 anos, tem colesterol alto, mas não quer tomar
medicamentos e tem dificuldade para seguir a dieta certa
Apesar da expectativa em torno da nova medicação, há ponderações a
serem feitas. “Mais testes são necessários para que se avaliem as
consequências de se inibir uma molécula natural em ativação no
organismo. Precisamos ver os efeitos disso”, diz a pesquisadora Tânia
Martinez, cardiologista e professora da Universidade de São Paulo. “Eu
mesma perguntei em um congresso se não havia riscos para inflamações ou
tumores. Os pesquisadores do novo medicamento asseguraram que não”,
conta a professora. Porém, até cientistas ligados aos laboratórios
farmacêuticos preferem adotar um tom mais brando diante dessas
possibilidades. “Embora mais de mil pessoas já tenham usado a droga sem
efeitos colaterais, não dá para mapear todas as suas consequências”,
disse a pesquisadora Evan. “Os estudos foram feitos em períodos curtos,
por no máximo 12 semanas. É necessário acompanhar por mais tempo a ação
da molécula fora do terreno cardiovascular.
Uma vez aprovado pelos órgãos que regulam os medicamentos, restará ainda
um desafio: garantir o acesso ao produto. Remédios biológicos estão
entre os mais caros da atualidade. Nos Estados Unidos, por exemplo,
especialistas da American Cancer Society tentam firmar um pacto entre as
companhias que produzem esses medicamentos, as seguradoras e o governo
para que mais pessoas possam usufruir o que a medicina oferece de mais
moderno. No Brasil, alguns remédios desse grupo foram incluídos nos
protocolos de tratamento de instituições públicas, como o Instituto do
Câncer do Estado de São Paulo, e há centenas de liminares para que os
planos de saúde paguem por esses tratamentos. Afinal, é preciso garantir
que as conquistas da ciência cheguem a quem precisa.
Foto: Kelsen Fernandes; Julio Vilela
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