Época
Vivi dos 3 aos 30 anos no Rio de Janeiro e consegui pular o Carnaval em todos esses anos. Pular no sentido mais literal, como quem salta um buraco na estrada. Por iniciativa de meus pais e mais tarde por vontade própria, sempre atravessei os dias da folia bem longe da confusão, em alguma cidade tranquila da região serrana do Rio. Ou até num carnaval de menor escala, no litoral norte do Rio, a Região dos Lagos, ou no litoral sul, na baía de Angra dos Reis. Já calhei de passar até carnaval em Veneza. No Rio, nunca. O máximo foi uma descida da Serra para passar um par de horas no Sambódromo e depois voltar para o retiro.
Amo o Rio. Adoro a natureza, os habitantes e o espírito da cidade. Também não tenho nada contra o samba. Nada contra a folia. Nem seus derivados. Minha resistência sempre foi ao caos urbano derivado do encontro da farra com as ruas estreitas, congestionadas, quentes e sem banheiros nem policiamento adequado numa época do ano em que o bonito é a suspensão das regras normais de civilidade e dos serviços urbanos básicos.
A partir de meados da década de 1990, os motivos para evitar a cidade aumentaram. O Rio vinha de uma fase de sumiço do carnaval de rua. A confusão se concentrava na região do Sambódromo. O resto da cidade ficava vazio. Cinemas ofereciam desconto. Restaurantes operavam sem fila. Nem a praia lotava. Esse marasmo começou a mudar quando um grupo de moradores da Zona Sul arquitetou uma operação de milícia para retomar os blocos de rua. Acompanhei de perto esse movimento, que envolveu colegas de redação, fundadores de blocos como o Imprensa que Eu Gamo. O projeto deles prosperou. Em poucos anos, o Rio no carnaval já era tão animado (e ruidoso) quanto Salvador. Não fiquei para ver.
Em 1998, subi a serra de vez. Mudei para São Paulo. Na cidade, tida como o túmulo do samba, o carnaval estava enquadrado na transmissão da TV, isolada num sambódromo paulistano ou restrita a um bailinho e outro. Essa paz, no entanto acabou. E o delicioso bairro que escolhi para morar, a Vila Madalena, dos ateliês, lojas descoladas e espírito aberto, virou a central dos blocos de rua. Hoje, é como se eu morasse na ladeira do Pelourinho, em Salvador. Só no fim de semana passado, seis blocos de rua se alternaram para descer e subir as ribanceiras do bairro. Por cada janela de casa entrava o batuque de um bloco diferente. No celular, piscam as mensagens dos amigos, convidando: “Mansur, desce. O bloco tá passando na porta do seu prédio”. Depois de décadas fugindo do carnaval e dos blocos, eles chegaram até aqui. O que fazer quando a serpentina chega até o 11º andar do seu prédio? Bem, guardei todas as minhas chatices no bolso, tirei a máscara de velho ranzinza, desci e fui atrás do bloco.
(Alexandre Mansur,
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