O Brasil vive um momento de desencontros e
esperanças, nem todas bem-postas. Primeiríssima entre estas a da mídia
nativa, chega a sustentar que as atuais manifestações de rua se
assemelham àquelas pelo impeachment de Fernando
Collor. Má informação e delírio são alguns dos atributos do jornalismo
pátrio. Quando a Globo mobilizou uma juventude carnavalizada para
solicitar a condenação do presidente corrupto, o próprio já havia sido
atingido fatalmente pelas provas das ligações entre o Planalto e a Casa
da Dinda, levantadas pela IstoÉ. Seu destino estava
selado com ou sem passeatas. No mais, é do conhecimento até do mundo
mineral que imaginar a derrubada de Dilma Rousseff.
Impávida, a
mídia nativa, depois de recomendar repressão enérgica contra os
baderneiros, percebeu a possibilidade de enganar os incautos ao sabor da
sua vocação e tradição, e agora afirma com a devida veemência o caráter
antigovernista das manifestações. Mira-se logo nas próximas eleições.
Difícil mesmo, se não impossível por enquanto, distinguir o que move os
manifestantes. Certa apenas a demanda da periferia no país da
casa-grande e da senzala. Aludo à maioria dos brasileiros que usam
ônibus e desconhecem um certo Estado do Bem-Estar Social, para sofrer as
consequências de sistemas de saúde, educação, transporte coletivo de
péssima qualidade. Sem contar o saneamento básico.
No mais, há espaço nas ruas para as
motivações mais diversas, desde o prazer da festa até a expectativa de
quem aspira a alguma mudança sem saber como se daria e com qual
profundidade. Desde quem se aproveita da confusão para quebrar vidraças e
invadir lojas até os netos e bisnetos dos burguesotes das marchas da
família, com Deus e pela liberdade, que invocavam o golpe em 1964. Todos
juntos, como torcidas uniformizadas, mas ao acaso, sem liderança.
Abrem-se situações expostas a qualquer desfecho e mais uma certeza é a
de que ninguém consegue controlar as ruas.
Entende-se. Igual ao abismo que separa
ricos e pobres há outro entre a nação e as instituições ditas
democráticas. Entre Legislativo, Judiciário e Executivo e esta massa
empurrada em boa parte por intenções nebulosas. Avulta, no quadro, a
ineficácia do Congresso, entregue aos interesses particulares de
deputados e senadores, donde inabilitados a influenciar o destino do
protesto popular e, cada qual, o comportamento dos seus eleitores.
Pergunto aos meus inquietos botões o que
se daria hoje se o PT tivesse mantido as posições anteriores à eleição
de Lula, quando no centro de sua doutrina instalava-se a negativa
peremptória à modernização do atraso. Hoje vemos o PT presa dos
compromissos da chamada governabilidade, disposto às piores concessões e
irremediavelmente esquecido das consignas de outrora. O PT montou a
ratoeira e ali colocou o queijo para atrair os ratos. Ao cabo, ele
próprio gostou do queijo e caiu na armadilha. Não fosse isso, respondem
soturnos os botões, neste instante cavalgaria o agito das ruas. Seria o
partido que lidera antes mesmo de controlar.
O governo não
discrepa do PT, a despeito dos índices elevados de aprovação, conquanto
em leve diminuição e à espera das consequências das manifestações
destes dias. Às vezes porta-se como se o complexo do vira-lata, ao qual
Lula costuma aludir, tomasse conta das suas ações, inclusive no
confronto com a mídia que o ataca e denigre, e também com uma base
pretensamente aliada, predadora voraz. Faltam ao lado da presidenta
tanto uma figura capaz de operar politicamente, como se diz, quanto
parceiros mais competentes e menos comprometidos em alguns ministérios.
Sem esquecer que os problemas do País não se resolvem a partir de uma
lógica meramente tecnocrática.
Seria trágico, e não hesito ao recorrer
ao adjetivo, desperdiçar 12 anos de governo petista, até hoje de efeitos
em geral benéficos. Outra há de ser, porém, a postura nas
circunstâncias. Quero dizer, mais afirmativa, mais desabrida, mais
corajosa. E mais afinada com as promessas do passado. Ouço uma voz
otimista: “Isso tudo terá o efeito de oxigenar a política brasileira”.
Tal é mais uma esperança do momento. Bem-posta, creio eu, desde que não
deságue em nova desilusão. Mino Carta
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