Não havia dia em que não se anunciasse a tragédia da Copa, esta vergonha mais do que prevista. Os turistas teriam de dormir ao relento, não teriam o que comer
por Menalton Braff
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AFP PHOTO/GABRIEL BOUYS
Torcedor belga no Maracanã
Aqui,
neste país de terceiro mundo em que a opinião de qualquer um é
ventilada como verdade absoluta, aqui se deve morrer de vergonha. Mas
existe verdade absoluta? Meu amigo Adamastor, que, desde os tempos em
que abandonou o Cabo das Tormentas, por culpa de uns portugueses que o
transformaram em Cabo da Boa Esperança, vem-se dedicando ao estudo da
filosofia, fica vermelho de raiva toda vez que alguém fala em verdade
absoluta.
Mas a vergonha é nossa. Já faz algum tempo
que não posso ligar a televisão sem que me assaltem as ameaças do
desastre, do qual devo sentir vergonha. Para quem ainda não percebeu,
informo que estou falando dos meses que antecederam a Copa. O entulho,
ah, o entulho! Não havia estádio (por falar nisso, alguém pode me dizer
qual a diferença entre estádio e arena?) que não estivesse cercado,
melhor, enterrado em entulho. O que vão dizer os estrangeiros quando
chegarem aqui e tiverem de caminhar tropeçando em entulho? Meu deus do
céu, que vergonha. No mínimo vamos ser banidos do “concerto das nações”.
Perder o assento na ONU?, ora, isso é o de menor gravidade para nossa
vida no futuro.
Mas a vergonha teria outros motivos. Um
deles seriam os andaimes. Ingleses e alemães, o que não sairão por aí
dizendo de nós, ao verem tantos andaimes? E os eficientes japoneses, que
não se conformam com obras inacabadas. O Adamastor me perguntou se lá,
na terra do sol nascente, todas as obras já se acabaram. À falta de uma
resposta segura (nunca fui ao Japão), respondi que, no caso de todas as
obras estarem acabadas, eles, os japoneses, devem pelo menos estar
mortos. Todos eles. Sei lá.
Mas outras razões para que morrêssemos de
vergonha: a mobilidade urbana. Coitados de europeus, africanos,
latino-americanos e todos os outros -anos (que somados chegam a trinta e
um – o Brasil já está aqui). Vão desembarcar (os que vierem de barco e
mesmo os que vierem de avião) em aeroportos cheios de andaimes, essa
coisa vergonhosa, e não terão como chegar aos estádios. Ou arenas. Não
haverá condução, tampouco condição.
E as vagas em hotéis, o que se pode dizer?
Meu deus, não haverá acomodação para todos. Eles, os turistas
torcedores, terão de dormir ao relento, não terão o que comer, onde
tomar banho, onde defecar, onde transar, onde.
Não havia dia em que não se anunciasse a tragédia da Copa, esta vergonha mais do que prevista.
Pois bem, eu, com toda minha timidez,
detesto passar vergonha. Sou mais ou menos como os franceses, que odeiam
o ridículo. O próprio, claro, porque o ridículo dos outros nos diverte.
E, como detesto passar vergonha, resolvi me isolar no meio do mato onde
nem luz elétrica existe. Estou de volta, e fico imaginando quanto vocês
terão sofrido com a vergonheira nacional que foi a 2014 BRAZIL WORLD
CUP.
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