7.06.2014

Haiti elege o Brasil para torcer e país para em dia de jogo

Cerca de 350 haitianos assistiram ao jogo contra a Colômbia em acampamento de Porto Príncipe e torceram como se fosse o Haiti em campo

Copa no Haiti
Crianças haitianas acompanham jogo da seleção brasleira no acampamento Centre KID, em Porto Príncipe
Tão ou mais fanáticos por futebol quanto os brasileiros, os haitianos pararam nesta sexta-feira, 4, para torcer para a seleção que concentra o maior número de fanáticos no país: o Brasil. Fãs do jogador Neymar – que após acidente em campo está fora da Copa do Mundo , cerca de 350 pessoas se reuniram no acampamento de Centre KID, na capital Porto Príncipe, para ver o jogo Brasil X Colômbia e ganhar, ao final da partida pipoca e suco de laranja artificial.
No acampamento vivem cerca de 750 haitianos que perderam suas casas no terremoto de 2010 em barracos de zinco, plástico, madeira, lona ou o material que conseguem encontrar para edificar a moradia que, "temporária", chega aos seus quatro anos e meio de existência.
Ali a movimentação começou cedo: às 13h (14h no Brasil) muitos já competiam por lugares na primeira fila. A transmissão do jogo foi organizada pelo Brabat (Batalhão Brasileiro) subordinado à Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), em uma espécie de laje do acampamento que funciona como espaço de reunião e lazer de Centre KID.
Aos oito minutos do primeiro tempo, o gol marcado pelo Brasil foi celebrado efusivamente. A empolgação inicial fez com que ninguém, a partir dali, desgrudasse os olhos da tela. "Gosto muito do Brasil, mas nem sempre eu consigo assistir aos jogos até o fim porque meu coração bate muito forte e acabo passando mal", contou Vivianne Salnave, 23 anos. Quando perguntam se gosta mais do Brasil ou da Argentina – a segunda seleção mais adorada no país caribenho , ela se irrita: "Eu, Argentina?!! Eu torço pelo Brasil! Meu ídolo é o Neymar, que além de bom jogador é bonito".
Dos 350 que ali estavam, ao menos 50 eram crianças. Vestidas com camisas que levavam as cores da seleção, muitas assistiam apreensivas ao jogo e gritavam durante a partida: "Vai, Neymar! Vai, Neymar!". É o caso dos filhos de Daniela Joseph, 35 anos. Moradora do acampamento há quatro anos, ela conta que sempre torce pelo Brasil e para Neymar marcar gol.
Até o narrador da TV haitiana, que costuma narrar as partidas da Copa de forma monótona, parecia mais animado com o Brasil contra Colômbia. Mesmo com a bola no meio de campo, o tom era de empolgação ou desespero, ainda que longe de lances arriscados.
Na torcida haitiana, no entanto, a emoção era real: a cada lance, falta ou casos que considerassem erros de arbitragem, eles se levantavam e gritavam como se estivessem no estádio. Ainda no primeiro tempo, abordada pela reportagem para falar sobre seu fanatismo em relação ao futebol, Blandine Randolphe, 28 anos, não quis dar entrevista. "Agora não! Quero ver gol!". De pé em cima de uma cadeira, ela acompanhava cada lance enquanto segurava com a mão a lona que cobria a laje.
Ali ao lado, no entanto, Sodex Midy, 26 anos, queria contar sobre sua paixão. "Torço pelo Brasil, meu sangue é brasileiro!", diz entusiasmado. "O jogo do Brasil contra o Chile foi muito sofrido, com muita emoção. Nem consegui comer depois", afirma sobre a partida de sábado, 28, quando o Brasil eliminou o vizinho sul americano nos pênaltis. "Ainda tenho um sonho de ver o Neymar ao vivo", revelou. Quando abordado para tirar uma foto, ele disse: "Se você fosse argentina, eu não deixaria, mas, como é brasileira, não tem problema".
Com seus bebês no colo, as amigas Leotide Ceide, 37 anos, e Mona Midy, 34 anos, disseram não perder um só jogo e falaram sobre um grande sonho: ver Neymar pessoalmente. "Ele é bonito, joga bem e, além de tudo, é brasileiro", disse Leotide, com Lemsley Croisiene, de 1 ano. Mona lembrou ainda de um dia que a marcou. "Quero ver o Neymar como consegui ver Ronaldinho um dia. Foi um dia histórico!", disse.
O fato que marcou a vida de muitos haitianos aconteceu em 2004. Mais precisamente, no dia 14 de agosto de 2004, lembrou o líder comunitário local Billy Domond, 34 anos. "Eu sei porque nunca mais esqueci do dia em que consegui ver meu jogador favorito, o Ronaldinho", conta. No mesmo ano em que teve início no país a Minustah, jogadores brasileiros foram enviados para o país mais pobre das Américas para o que ficou conhecido como Jogo da Paz.
Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Roberto Carlos, Júlio César, Juan, Gilberto Silva, Nilmar e outros jogadores desfilaram por Porto Príncipe em blindados, acenando para uma multidão que corria ao lado e atrás do comboio dizendo o quanto eles eram amados e importantes no país, onde 80% da população vive abaixo da linha da pobreza. Os jogadores enfrentaram a seleção haitiana no estádio da capital diante dos olhos atentos de 15 mil pessoas compareceram.
O resultado de 6 a 0 para o Brasil, com três gols de Ronaldinho Gaúcho, dois de Roger e um de Nilmar, parece não ter ficado na memória como uma derrota para os haitianos. Pelo contrário. "Meu sonho é ver a seleção haitiana jogar no Mundial, o que seria um motivo de grande orgulho para mim", diz Domond. "E mesmo que houvesse novamente um jogo Haiti versus Brasil, como sei que o Haiti não ganharia, eu torceria pelos dois."
A única vez em que o Haiti foi selecionado para uma Copa do Mundo foi em 1974, na Alemanha, quando acabou eliminado após três derrotas na primeira fase.
Segundo tempo
No início da segunda parte do jogo, o clima era de apreensão no acampamento. As moscas, o cheiro de fezes e o esgoto que circula no meio das microvielas que levam aos barracos pareciam secundários. Todos os 350 que ali estavam pareciam ter apenas uma preocupação: um gol do Brasil que garantisse a vitória.
Veio, então, o gol da Colômbia que acabou impedido. Minutos depois, quando a seleção colombiana marcou o gol de pênalti, a tristeza se abateu como uma nuvem carregada. O silêncio – incomum entre os haitianos – reinou até que os torcedores conseguissem recuperar a energia e voltassem a gritar pelo Brasil.
Com o segundo gol da seleção, a euforia foi coletiva e representada por abraços, gritos e crianças pulando entre as fitas de interdição dos postes da laje que diziam "CAUTION".
Ao final da partida, palmas e alívio: o Brasil está na semifinal! Hora de celebrar pelas ruas com as buzinas dos habituais tap taps (caminhonetes lotadas que funcionam como transporte público) pintados com a cara de Neymar ou Kaká, e cornetas – fazendo das ruas um grande Carnaval.

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