6.18.2015

A saída da Grécia do Euro: o problema político-jurídico


Agora que há razões de substância para uma modificação dos Tratados, a União encontra-se refém dos seus erros e bloqueada pelo medo das ratificações. A Grécia e o Euro são vítimas colaterais desse bloqueio.
1. A crise da dívida externa da Grécia voltou a agudizar-se durante o mês de Junho. Com as negociações entre os credores e o governo grego num impasse, a possibilidade de incumprimento – leia-se, bancarrota – paira no ar. Por sua vez, a discussão em torno de um hipotético abandono do Euro reemergiu com nova intensidade.Na Grécia, no entanto, os eleitores têm-se mostrado largamente favoráveis à sua permanência. O atual governo, que partilha da mesma visão, faz, simultaneamente, o (im)possível por governar sem as políticas de austeridade das instituições europeias e FMI. Do lado da União Europeia, uma hipotética opção grega de abandono do Euro, para desbloquear este (in)sanável impasse, tem sido vista negativamente, por razões econômicas e políticas.Afinal, o Euro foi concebido não só como um projeto econômico, mas também político. No final da década de 1990, esperava-se que a sua adoção desencadeasse uma maior integração, numa lógica política federalizante. O falhado Tratado Constitucional Europeu, abandonado em 2005, era uma peça dessa estratégia. Por essa razão, em termos políticos, qualquer saída do Euro, seja da Grécia (o “Grexit” popularizado pela imprensa anglo-saxônica) ou de outro Estado, será sempre vista como uma derrota da integração europeia. O seu progressivo e contínuo aprofundamento fica em causa. No terreno econômico-financeiro a saída é também potencialmente (muito) negativa. Isso ocorre quer pelo previsível impacto desestabilizador nos mercados financeiros, quer pelas eventuais perdas que acarretaria nos credores – União Europeia e Estados-membros incluídos –, quer ainda por afetar a confiança no Euro, a nível interno e internacional. No entanto, várias declarações políticas de responsáveis europeus e do FMI sugerem não existir hoje o mesmo grau de receio que existia em 2012. Na altura, temia-se que uma hipotética saída grega arrastasse, de forma imparável, outras economias vulneráveis Sul da Europa (Portugal, Espanha ou até a Itália). Aparentemente, hoje não. Se essa percepção é correta ou subestima as consequências dos “estilhaços”, é uma questão em aberto que só o rumo dos acontecimentos poderá clarificar.
2. A discussão sobre a saída do Euro, da Grécia ou de outro Estado em dificuldades, não é nova. Praticamente desde o desencadear da crise financeira e econômica, no Verão de 2008, que está presente, com maior o menor visibilidade, na opinião pública. No entanto, é centrada quase exclusivamente nos aspectos econômico-financeiros. A faceta jurídica, ou melhor, político-jurídica do problema, é relativamente secundarizada, sendo certo que, em qualquer hipotético cenário de saída, as questões político-jurídicas teriam um peso fundamental na decisão. Tal como os aspectos econômico-financeiros, trata-se de uma matéria complexa, especialmente nos seus aspectos puramente jurídicos, e que merece uma abordagem especializada
Ainda que de forma simplificada, vale a pena olhar aqui para o problema e tentar identificar as suas principais vertentes e possíveis soluções. Em primeiro lugar, e este é talvez o aspecto mais conhecido da opinião pública, os Tratados Europeus não prevêem, expressamente, a saída do Euro. A única coisa que está prevista, no artigo 50.º do Tratado da União Europeia, é a saída da própria União Europeia. Em qualquer caso, o Estado-membro que optar por essa via, após notificar dessa intenção o Conselho Europeu (art. 50.º n.º 1), terá de negociar com a União Europeia “um acordo que estabeleça as condições da sua saída, tendo em conta o quadro das suas futuras relações com a União” (art. 50.º n.º 2). Estabelece ainda o mesmo dispositivo (art. 50.º n.º 3) que os Tratados “deixam de ser aplicáveis ao Estado em causa a partir da data de entrada em vigor do acordo de saída ou, na falta deste, dois anos após a notificação.”
Em termos de respeito pela legalidade dos Tratados, a hipótese de uma saída unilateral do Euro, feita, em termos automáticos, através de uma mera notificação desse Estado-membro à União Europeia (por exemplo, ao Conselho Europeu e BCE), está afastada. Quer dizer, “de jure”, um Estado-membro só poderá abandonar a zona Euro saindo, também, da União Europeia. Eventualmente renegociaria, depois, nova adesão a esta, exceptuando o uso do Euro. Se esse processo é concebível numa lógica puramente jurídica, é bastante improvável em termos políticos. A saída e reentrada de um Estado-membro na União seria vista como uma coisa estranha e bizarra pela opinião pública, para além doutros impactos negativos sérios, a nível de certeza das regras jurídicas aplicáveis e do funcionamento econômico.

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