Atualizado em 02/01/2016
Carlos Costa, que chefiou o FBI no
Brasil por quatro anos, fala sobre como os EUA "compraram a Polícia Federal"
e como a "ABIN se prostitui...".
Uma das contas bancárias secretas utilizadas para receber o mensalão é a de
número 284002-2, na agência 3476-2 do Banco do Brasil, em Brasília. O valor
do mensalão
depende do cargo que o indivíduo ocupa (delegado, etc.), mas em média gira em torno de 800 dólares por mês por cabeça.
Revista
CARTA-CAPITAL, Edição 283, de 24/03/2004
Transcrição completa
A HORA DA AUTÓPSIA
Carlos Costa, que chefiou o FBI no
Brasil por quatro anos, fala sobre ordens dos Estados Unidos para
"monitorar" o País e relata: como os EUA "compraram a Polícia Federal",
o terrorismo, o atentado tramado na Tríplice Fronteira, a bomba atômica
que planejavam detonar em Washington...
Por BOB FERNANDES
Por BOB FERNANDES
ALMADA, DO OUTRO LADO DO RIO TEJO E DE LISBOA, DUAS HORAS
da madrugada de 31 de março de 1968. No
segundo andar de sua mansão, Antônio da Fonseca Costa, chefe da temível
Polícia Internacional da Defesa do Estado, a PIDE, do ditador Antônio
de Oliveira Salazar, sacode o filho:
- Acorda, Carlos, acorda, rápido!
Órfão da espanhola Faustina Luengo Mendez,
morta por uma leucemia aos 47 anos quando o filho mal chegara aos 7,
Carlos Alberto Costa se levanta às pressas, assustado. Carlos não
entende por que o pai recolhe alguns poucos pertences familiares e os
amontoa com roupas em duas malas;
junto a uma dúzia de garrafas de vinho do
Porto de mais de 100 anos. Com um militar amigo ao lado, o chefe da
PIDE e o filho partem para o aeroporto de Lisboa. De lá, num avião
militar, embarcam para Madri.
Trinta e seis anos depois, na sacada do
Iate Clube, em frente à Baía de Todos os Santos, dia nublado no verão
de Salvador, Carlos Costa recorda-se da última madrugada da sua
infância em Portugal, e dos condutores da fuga:
Acho que foi a CIA quem nos ajudou até Madri, dias depois fomos para os Estados Unidos...
O chefe da PIDE havia se tornado um
dissidennte. Antônio Costa, que recebia o ditador Salazar para almoços
e jantares em Almada ou em sua casa de campo em Palmela, vizinha a
Setúbal, antevia que os tempos mudariam; não seria possível prosseguir
por muito tempo com seqüestros e prisões a cada vez que um vizinho
acusasse outro de ser comunista ou antigoverno.
NO BRASIL E NO MUNDO, O FBI & Cia
Quatro anos depois, em Cumberland, Rhode
Island, Estados Unidos, Antônio da Fonseca Costa morria de câncer, e
exaustão; turnos de 12 horas, noites e madrugadas adentro em fábricas
de vergalhões, sempre fumando. Morreu paupérrimo. O filho, Carlos,
trabalhou dos 18 aos 20 anos até pagar, ao mesmo tempo em que custeava
os estudos, US$ 5 mil das despesas do funeral.
Por seis meses, no café da manhã, almoço e jantar, Carlos Costa faria suas refeições à base de um único prato:
Com Flakes e leite.
Carlos Costa tem hoje os mesmos 49 anos que
tinha o pai quando deixou a PIDE e Portugal. Carlos acaba de se
aposentar. De 1999 ao fim de 2003, foi o poderoso chefe do FBI no
Brasil. Como o pai, ao recusar-se a obedecer a toda e qualquer ordem
ele construiu uma dissidência, agora revelada.
(Carlos
Costa) NO PALÁCIO
DO PLANALTO. Em 2002, com o presidente interino, Marco Aurélio de Mello, do STF |
Em 2001,
num jantar no restaurante Antiquarius, em São Paulo, marcado a seu convite e com
uma testemunha, Carlos assim se apresentou:
— Sou
o chefe do FBI aqui. Sei o que você tem escrito sobre os nossos serviços
secretos no Brasil, mas saiba que estamos aqui oficialmente e não vamos agir à
margem da lei...
As leis
no Brasil, como veremos na devastadora entrevista que se segue, tornam-se
inacreditavelmente elásticas, complacentes, a partir da ação, ou omissão, por
vezes criminosa, do próprio Estado.
Em 16 de
dezembro último, procurado por Carta Capital, Carlos concedeu a primeira
de uma série de entrevistas que totalizam oito horas, a se contarem apenas as
gravações, feitas em São Paulo, Salvador e Brasília.
Em
trechos dessa longa conversa, além do surpreendente e raro fato em si mesmo de
um agente de um serviço secreto dos EUA abrir a boca - ainda mais um chefe do
FBI com acesso a documentos classificados no mais alto nível -, Carlos Costa
atira para dentro e para fora do Brasil.
Ele, que
por três anos no governo Fernando Henrique e dez meses no governo Lula comandou
o FBI, e na embaixada dos Estados Unidos acompanhou ações dos colegas da Drug
Enforcement Administration (DEA), Central Intelligence Agency (CIA), US Customs,
NAS e outros "Serviços", como se autodenominam os agentes secretos, começa por
dizer, sem meias palavras:
— A
vossa Polícia Federal é nossa, trabalha para nós há anos. [...] Foi comprada por
alguns milhões de dólares. [...] Os Estados Unidos compraram a Polícia
Federal... quem paga dá as ordens...
Quer pagar quanto?
Carlos,
cidadão norte-americano nascido em Portugal, fluente em inglês e espanhol, fala
português com sotaque lusitano. Fonética, sintaxe e a lógica exata dos
portugueses.
(Carlos
Costa) NA EMBAIXADA DOS EUA. Em 99, com o então chefe da Polícia Federal, Wantuir Jacini |
Tome-se
essa informação em conta na leitura das respostas às perguntas de Carta
Capital sobre a instrução, ordem de Washington, para que serviços secretos
grampeassem o Palácio da Alvorada e o Itamaraty.
Pela
primeira e única vez em muitas horas e dias de conversa, Carlos Costa, sempre
bem-humorado, relaxado, fica tenso. Pára, pensa e, visivelmente surpreso,
responde com uma pergunta:
— Me
diga o que você sabe, como soube disso?
A
informação é segura. Os Palácios da Alvorada e Itamaraty foram grampeados a
partir de tais ordens. A data, imprecisa, poderia ser confirmada pelo
entrevistado. A tentativa é inútil. Irritado, Carlos Costa repete:
— Como
você soube? O que você sabe sobre isso?
— Da
ordem, e do grampeamento feito nos Palácios da Alvorada e Itamaraty...
Nesse
instante, Carlos, com a exatidão lusa e a objetividade norte-americana,
levanta-se da cadeira e dá por encerrada a conversa naquela noite:
—
[...] Não confirmo nem desminto... Sem comentários [•••] Não toco nesse
assunto... Ponto final!
Uma
última tentativa:
— Foi
você quem executou essa ordem? Quando?
— Como você ainda verá na nossa conversa daqui por diante,
me recusei a cumprir ordens bem menos graves do que essa. Boa noite!
Algumas
das ordens ele se recusou a cumprir. Sobre uma delas, também grave, falou
claramente, sem rodeios:
BLACK-TIE Na limusine, em Washington, a caminho da posse de Bush Jr. (Carlos Costa) com o então prefeito de Miaime, Joe Carollo e o governador Garotinho. |
—
Houve uma determinação de Washington para que eu "monitorasse" todas as
mesquitas, xeques, aiatolás e líderes da comunidade muçulmana no Brasil e
fizesse "listas". Recusei-me, há ocasiões em que uma pessoa deve se recusar a
cumprir ordens inconstitucionais.
Por outro
lado, assegura ele que os atentados contra alvos israelenses em Buenos Aires, na
primeira metade dos anos 90, foram tramados "dentro do território brasileiro".
Carlos
Costa é um agente secreto com amplíssima e eclética formação. Na Flórida, na
Southeast University, fez um MBA em Gerenciamento de Empresas, com
Especialização em Gestão de Negócios Internacionais. Em Washington, DC, no
Foreign Service Institute (FSI), especializou-se em assuntos econômicos e
sociais de países latino-americanos. Formado em Ciências Políticas e Relações
Exteriores pela University of Rho-de Island, Carlos Costa entrou no FBI em 1982,
numa disputa com 56 mil candidatos por vaga.
No
Federal Bureau of Investigation (FBI), como agente especial, serviu nos
escritórios de Boston, Pittsburgh e Miami. Na sede do FBI, em Washington, foi
também chefe de seção de Contra-Inteligência e Espionagem Industrial
Internacional.
Na Posse, Carlos Costa na companhia de Felix Rodriguez, o agente da CIA cubano-americano que localizou Che Guevara nas selvas da Bolívia e avisou-o de sua execução próxima |
No
Brasil, ao rastrear ações dos serviços secretos dos Estados Unidos ao longo dos
últimos anos, Carta Capítal deparou-se com a movimentação do então chefe
do FBI em reluzentes palácios e salões.
Como se
vê em foto na página ao lado, Carlos Costa esteve na sala do presidente da
República - ao menos quando lá se encontrava, interinamente, o então presidente
do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello.
No
Distrito Federal, Rio de Janeiro, Bahia, Santa Catarina, São Paulo, Amazonas,
Paraná... País afora o chefe do FBI avistava-se com governadores, ministros,
secretários de Estado, comandantes de polícias militares, secretários de
Segurança Pública. Treinou centenas de homens, mandou dezenas deles aos Estados
Unidos, à sede do FBI, levou Anthony Garotinho - único político brasileiro - à
posse de Bush Júnior.
O
ex-chefe do FBI pagava as contas, da mesma forma que, revela ele em
estarrecedoras páginas adiante, a US Customs, DEA, NAS, CIA, outros "Serviços" e
o próprio FBI pagam contas das polícias do Brasil.
Direto
como pode ser um norte-americano, Carlos Costa relata: a Agência Brasileira de
Inteligência (ABIN) é uma "pedinte", e não apenas dos Estados Unidos.
O Estado
brasileiro? Assistiu, assiste, como se tudo corresse na maior normalidade. É
preciso cortar gastos, con-tingenciar. Então, que mal há se os Estados Unidos,
em troca de acesso total e controle, "doam" alguns milhões de dólares para as
polícias e instituições verde-amarelas a cada ano?
MEMÓRIA E PODER Carlos Costa em 1982, ao entrar no FBI |
— E
depois vocês querem ser levados a sério? -, pergunta e responde ao mesmo
tempo o ex-chefe do FBI.
Quando
atira para fora, Carlos Costa mira na administração Bush. Com a autoridade de
quem chegava a ler e manusear, em média, por semana, mais de 300 documentos,
relatórios e informes Secret e Top Secret, produzidos mundo e Brasil
afora, inclusive pela CIA, aquele que foi um dos únicos 45 chefes do FBI além
das fronteiras dos EUA assegura:
—
Jamais li documento secreto que indicasse a existência de armas de destruição em
massa no Iraque. O que li assegurava o contrário. Discuti com colegas do FBI e
da CIA de qualquer parte do mundo e concordamos que Bush e Blair buscavam uma
justificativa para a guerra.
Ele fala
ainda de outros tempos. De como, nos anos Reagan, os EUA entregaram o antraz
para Saddam Hussein. Conta como, na Guerra das Malvinas, os Estados Unidos
forneciam aos ingleses informações dos satélites sobre as tropas argentinas
enquanto repassavam aos argentinos a localização de navios ingleses que seriam
destruídos.
De
passagem, com a lógica exata de sua língua-mãe, e pitadas de humor britânico,
aborda o recente episódio da espionagem a Kofi Annan, na ONU, e ações também de
espionagem contra o governo de Tony Blair.
Provocado, o ex-chefe do FBI expõe, em detalhes, a interrupção da
ação de terroristas que, há dois anos, trabalhavam para explodir uma bomba
atômica em Washington:
—
[...] iam explodir uma bomba suja. [...] não se fez alarde, isso, se revelado em
toda a sua extensão, provocaria pânico na população americana...
Na embaixada, com o general Wilhelm, comandante militar do Hemisfério Sul |
Carlos
Costa sabe os riscos que corre ao falar. Enquanto prepara capítulos de um livro
sobre o FBI e sua vida como agente secreto, toma precauções contra uma "gripe
súbita". E mortal.
Em alguns
lugares, com algumas pessoas, estão gravações de, segundo ele, "muito, muito
mais do que falamos, ou deixamos de falar aqui, fatos que levariam a uma enorme
repercussão internacional". Com o que já se descortina nas páginas seguintes, é
de se imaginar o que ainda poderia estar por vir.
Às
vésperas do 31 de março brasileiro, marco dos 40 anos do golpe militar e
instalação da ditadura que em 21 anos moldou um país ainda hoje em busca de
cacos, e do qual o que se revela nesta entrevista é uma irretocável alegoria sob
diversos pontos de vista, Carlos Alberto Costa prepara-se para o seu 31 de
março.
Como o
pai, num 31 de março há 36 anos, ele agora se aparta da comunidade dos agentes
secretos. Deixa os bastidores o treinadíssimo espião que administrava milhões de
dólares no escritório do FBI, um hábil negociador, e entra em cena o
palestrante, consultor em relações e comércio internacional, em Inteligência e
Segurança.
Casado
com uma brasileira, pai de um filho brasileiro, o homem que chefiou o FBI no
Brasil por quatro anos, depois de 22 anos como agente secreto, abre a alma para
poder conseguir mudar de vida. Se assim o "Animal" que ele tão bem conhece - os
"Serviços" - o permitir. Será uma longa, árdua e perigosíssima batalha. Mas há
algo que Carlos Costa nunca mais fez e, jura, jamais voltará a fazer na vida.
Ele nunca mais comerá Com Flakes. •
Carta
Capital: Você chefiou o FBI no Brasil? Por
quanto tempo? Carlos Alberto
Costa: Chefiei o FBI no Brasil. Por quatro
anos, até quase o final do ano.
Carta Capital: Como eram,
são, as relações dos serviços secretos dos Estados Unidos com as polícias do
Brasil?
Carlos
Alberto Costa: Você se refere à polícia de
vocês ou à comprada por nós?
Carta Capital: Comprada?
Carlos
Alberto Costa: Sim, comprada. Nossas agências doam milhões de dólares
por ano para a Polícia Federal, há anos, para operações vitais. No ano passado,
a DEA doou uns US$ 5 milhões, a NAS (divisão de narcóticos do Departamento de
Estado), também narcóticos, uns US$ 3 milhões, fora todos os outros. Os
Estados Unidos compraram a Polícia Federal. Há um antigo ditado, e ele é real:
quem paga dá as ordens, mesmo que indiretamente. A verdade é esta: a vossa
Polícia Federal é nossa, trabalha para nós. Os vossos governos parecem não dar
importância à Polícia. Não sei se é herança da ditadura, quando a Polícia era
malvista, mas isso é incompreensível. A Polícia, que deve ser uma entidade
independente da política, independente de influências internas e externas, está,
na prática, em mãos de estrangeiros.
Carta Capital: Isso se refere
a todas as agências americanas que trabalham aqui?
Carlos
Alberto Costa: A CIA é outra história... A
CIA tem a função legal de um Serviço de Inteligência que atua no estrangeiro.
Carta Capital: Sim, mas também "doa", e atua com maior ou
menor autonomia, se o Brasil permite.
Carlos
Alberto Costa: Bom, eu concordo: atua com maior ou menor autonomia, mas
o papel da CIA, do ponto de vista dos Estados Unidos, é correto e legal: é um
Serviço de Inteligência no exterior.
"DOCUMENTO SECRETO ALGUM FALAVA EM ARMAS DE DESTRUIÇÃO MASSIVA. BUSH E BLAIR QUERIAM A GUERRA..." |
Carta Capital: Quanto a CIA
"doa"?
Carlos
Alberto Costa: Não sei. Os outros serviços
secretos são mais abertos, a CIA é fechada... O orçamento da CIA entra no
orçamento da Defesa... Mas, óbvio, como qualquer serviço secreto, utiliza o
dinheiro para comprar, chantagear, pagar propinas...
Carta Capital: Vocês se mexem, se locomovem com facilidade
no Brasil?
Carlos
Alberto Costa: Aqui? Com toda a facilidade. Temos no Brasil o FBI, a
DEA, a CIA e outros Serviços. Somos identificados como diplomatas: attachés,
adidos, assistentes. Eu, por exemplo, fui adido jurídico...
Carta Capital: Mas, em bom português,
vocês são agentes secretos, espiões...
Carlos
Alberto Costa: Se quiser usar esses termos,
é isso mesmo. A questão é que não há razão nenhuma para se ter aqui agentes do
FBI, da DEA, da NAS, da US Customs... Admiro muito como é que países com
sistemas de Inteligência como a China e a Rússia autorizaram a operação do FBI
nos seus territórios com cobertura diplomática. Há um escritório do FBI em Hong
Kong e outro em Pequim. Qual é a necessidade de ter agentes de uma polícia, o
FBI, cuja jurisdição é apenas nos Estados Unidos? Isso é uma violação à lei,
segundo as próprias leis americanas.
Carta Capital: Chávez autoriza o FBI na
Venezuela?
Carlos
Alberto Costa: Chávez herdou um escritório,
mas só que lá esses agentes não fazem nada; são monitorados e não podem se
mexer.
Carta Capital: Antes de entrarmos no específico, na
rotina, no dia-a-dia da embaixada, quais
são as funções dos serviços secretos?
Carlos
Alberto Costa: Digo logo: uma das
importantes funções que nós temos na embaixada é manipular a imprensa
brasileira...
Carta Capital: O quê? Explica
isso aí...
Carlos Alberto Costa: Manipular, conduzir, controlar a imprensa brasileira no que nos
interessa.
Carta Capital: Ah, é?!
Manipular...?
Carlos Alberto Costa: A isso chamamos "influenciar".
Carta Capital: Por favor, detalhe esse "influenciar", dê
exemplos.
Carlos
Alberto Costa: Sem nomes. Começa, digamos assim, com o estabelecimento
de boas relações. Detectamos jornalistas que sejam pró-América - evidente que
isso em órgãos influentes junto à opinião pública - e os convidamos a ir aos
Estados Unidos, com todas as despesas pagas. Essa não era a minha área, mas
começa assim. Influenciar é mudar o pensamento contrário aos nossos interesses.
A primeira atividade em qualquer reunião da embaixada é uma análise sobre o que
diz a mídia a nosso respeito; Carta Capital, por exemplo, nunca foi vista
com bons olhos lá na embaixada, para dizer o mínimo.
Carta Capital: Imagino o máximo...
Carlos
Alberto Costa: Pois pode imaginar...
Carta Capital: Que argumentos valem para "influenciar"?
Carlos
Alberto Costa: ... muita criatividade. "Influenciar" a imprensa, a
mídia, é uma coisa muito natural de fazer...
Carta Capital: Em português claro:
"Influenciar" significa, inclusive, se necessário, comprar?
Carlos
Alberto Costa: É virar a opinião pública a
nosso favor.
Carta Capital: Tá, mas...
Carlos
Alberto Costa: Seja lá o que for necessário.
Se é comprar, e comprar, ha várias maneiras. Mas deixa isso pra lá... Voltemos
às funções da CIA.
Carta Capital: Voltaremos à mídia adiante. A CIA:
depende do Brasil cercear ou não a atuação da CIA, se deixar
"comprar"...
Carlos
Alberto Costa: É preferível o termo
"influenciar". E também depende o quanto e a quem a CIA, a DEA e os demais vão
"influenciar" no Brasil.
Carta Capital: É melhor usar o termo
"influenciar", assim como em relação à imprensa...
Carlos
Alberto Costa: Agora, o FBI, a DEA, a NAS, a
US Customs (alfândega), o RSO, que são os seguranças internos da
embaixada, e tantos outros serviços, o que estão a fazer aqui? Como é que os
brasileiros, o seu governo, não se perguntam sobre isso? Como é que a imprensa
não investiga, não diz nada a respeito? Todos têm agentes que entram e saem
constantemente, atuam livremente por todo o País, é uma coisa incrível...
Carta Capital: O serviço
secreto do seu presidente também investiga no Brasil?
Carlos Alberto Costa: Sim, e sem autorização da embaixada, autonomamente, nem nos avisam.
Uma das suas funções é investigar a falsificação e exportação de dólares,
modalidade na qual o Brasil, na Tríplice Fronteira, é talvez o maior produtor.
Já os outros serviços secretos...
Carta Capital:
Todos agem como policiais e sem controle algum
dentro do Brasil?
Carlos Alberto Costa: Sim. Se o Brasil assim permite, então muito bem.
"COMO VOCÊ SOUBE?... NÃO TOCO NESSE ASSUNTO... (GRAMPO NO PALÁCIO DA ALVORADA E NO ITAMARATY)" |
Carta Capital: Em nosso
primeiro encontro há três anos, lhe perguntei como é que aluavam CIA, DEA, etc.,
como eram suas ações via Policia Federal. À época você, diplomaticamente,
esquivou-se...
Carlos Alberto Costa: Então eu não
podia falar, muito menos sobre a extensão e a profundidade da nossa presença
aqui. Quando cheguei, em 1999, me surpreendi com a precisão das suas informações
sobre nós, sobre os Serviços, e foi inclusive por isso que depois quis
conhecê-lo e marquei aquele jantar em São Paulo...
Carta Capital: Você pensou em tentar nos "influenciar"?
Carlos
Alberto Costa: Bem... (risos), digamos que eu estava traçando o
seu perfil para ver se havia essa possibilidade. Não havia, mas recordo-me que
fiquei a pensar que provavelmente muitas das fontes que utilizamos estavam a
jogar nos dois lados. Eu estava certo?
Carta Capital: ...voltemos às
polícias do Brasil...
Carlos
Alberto Costa: Olha, se a ABIN mandar seus
agentes trabalharem nos Estados Unidos, isso é muito natural, é função de um
Serviço de Inteligência do presidente. Cabe a cada país anfitrião permitir,
controlar essa presença ou não. Mas a ABIN é um Serviço de Inteligência sem
missão. Não atua no estrangeiro como deve atuar um órgão vinculado à Presidência
da República. Vivia, vive a investigar o MST e outros cidadãos brasileiros mais
ou menos ilustres. Isso é uma violação de direitos civis em qualquer país
democrático. Se a ABIN tivesse que investigar aqui dentro do Brasil, deveria
investigar estrangeiros que aqui atuam, como os agentes de outros países.
Carta Capital: E se a Polícia
Federal fizer ações de polícia dentro dos Estados Unidos?
Carlos
Alberto Costa: Sem monitoramento, nunca
aconteceu. Eu autorizava muitos suportes, dava muito suporte à Polícia Federal
para fazer investigações dentro dos Estados Unidos, mas nenhum policial
brasileiro, em missão oficial, claro, entraria nos Estados Unidos sem a minha
autorização e sem ter seus passos controlados pelo FBI. Por quê? Porque assim o
protocolo é.
Carta Capital: Uma questão muito delicada. Tenho a
informação de que vocês - quando eu digo vocês, me refiro aos serviços secretos
sediados na embaixada americana -
receberam ordens, instruções para grampear a Presidência da República do Brasil
e o Itamaraty...
Carlos
Alberto Costa: Bem... essa pergunta me
surpreende!
Carta Capital: Surpreende? Mas quem executou a missão?
Carlos
Alberto Costa: ...reafirmo: estou surpreso com sua pergunta. O que você
sabe? O que você soube disso?
Carta Capital: Da ordem e do
grampeamento dos Palácios da Alvorada e Itamaraty...
Carlos
Alberto Costa: Não toco nesse assunto. Ponto
final!
Carta Capital: Então você não confirma nem desmente?
Carlos
Alberto Costa: Não confirmo nem desminto. Ponto final!
Carta Capital: Foi você que
executou essa ordem?
Carlos
Alberto Costa: ...Como você verá na nossa
conversa daqui por diante, me recusei a cumprir ordens bem menos graves do que
essa.
Carta Capital: O Estado
brasileiro não controla os agentes estrangeiros?
Carlos Alberto Costa: Não controla. Porque quem paga é quem dá as ordens. Os Estados
Unidos pagam, eles dão as ordens nos setores que lhe são vitais. Os seus
governos não querem uma polícia independente, autônoma, bem paga e bem treinada,
porque temem que o feitiço se volte contra o feiticeiro. É óbvio que qualquer
polícia federal em qualquer país tem que buscar ser a política. Num cenário como
o vosso, se instala um nível de corrupção ao qual temos de dar completa atenção.
Mas mesmo assim tenho um grande respeito pela instituição da Polícia Federal.
Tem bons delegados e agentes, o problema é de falta de autonomia. E que quero
fazer uma ressalva...
Carta Capital: Faça sua
ressalva.
Carlos Alberto Costa: Fiquei quatro
anos na chefia do FBI aqui no Brasil. Os primeiros três no governo passado, do
Fernando Henrique, e só dez meses no governo atual. Até me admirei com o governo
atual, que no cenário internacional tem tomado claras atitudes pró-Brasil e
pró-independência diante dos Estados Unidos, mas, pelo que sei, não creio que o
governo tenha noção do quanto a sua Polícia Federal está infiltrada por nós há
anos, o quanto depende de nós. Por
que não
tem autonomia na prática, não tem recursos.
Carta Capital: Operações como essas, cotidianas no Brasil,
se acontecem nos EUA, o que seria dos policiais norte-americanos envolvidos?
Carlos
Alberto Costa: Nunca aconteceria. Se acontecesse, iriam todos para a
prisão, de cima a baixo.
Carta Capital: Cadeia para o
secretário de Justiça?
Carlos
Alberto Costa: Para todos, inclusive para o
diretor do FBI. Por quê? Porque isso é uma violação à soberania. Agora, quero
lembrar também que nós prestamos suporte e assistência ao Brasil constantemente,
por exemplo, na corrente história de investigação do Banestado. Na investigação
do juiz Lalau, rastreamos as contas e passamos isso tudo para o Brasil. Uma das
coisas de que me honram foi conseguir o Tratado de Cooperação Mútua Legal, que
facilita às polícias federais de ambos os países e os respectivos órgãos
judiciais a se comunicar diretamente. Se estou nos Estados Unidos e necessito de
uma ficha no Brasil para uma investigação, posso requerer diretamente à Polícia
Federal ou ao Judiciário. Então não há razão alguma para os Estados Unidos
manterem aqui policiais e agentes, o que apenas caracteriza uma agressão à
soberania do Brasil.
Carta Capital: Então vocês estão aqui para quê?
Carlos
Alberto Costa: É para ser claro? Para buscar informações e "influenciar"
o anfitrião.
Carta Capital: Influenciar com aspas, inclusive. Vocês fazem
qualquer coisa, quando querem?
Carlos
Alberto Costa: Você entra em contato com o cidadão, compra qualquer
cidadão, passa informações impunemente...
CG: Pode comprar um cidadão tranquilamente?
Carlos
Alberto Costa: Lembra o caso de um fugitivo americano, Shalom Weiss,
refugiado na comunidade hassídica em São Paulo? Ele havia recebido a maior pena
da Justiça americana, 845 anos de prisão por um rombo financeiro na Heritage
Insurance Company; pagamos US$ 95 mil dólares, em cheque, a um informante
brasileiro.
Carta Capital: Como foi essa operação?
Carlos
Alberto Costa: Eu, do FBI, montei uma equipe
com delegados da sua Polícia Federal, de Brasília, todos da minha confiança.
Eles trabalharam para o FBI por uns três ou quatro meses, tudo pago pelo FBI. No
governo Fernando Henrique. Eu não tinha confiança em certos policiais de São
Paulo, e também do Rio, então requeri que essa equipe fosse transferida para São
Paulo para trabalhar no caso, tudo pago.
Carta Capital: Tudo o quê?
Carlos
Alberto Costa: Transporte, alojamento, carros, diárias, tudo. Os
policiais federais do Brasil sob nossa direção fizeram um excelente trabalho,
inclusive grampearam a namorada brasileira do fugitivo. E aí essa namorada foi
acompanhada por uma delegada da Polícia Federal num vôo para Viena, Áustria,
onde se reuniu com Weiss. Lá, os agentes do FBI e a polícia local o prenderam.
Esse homem era muito inteligente, tão genial que durante o julgamento, no
tribunal, apenas com um laptop conseguiu fraudar mais US$ 15 milhões. Nós
rastreamos tudo.
Carta Capital: Por que fichar
brasileiros que visitam os Estados Unidos?
Carlos
Alberto Costa: Nestes tempos, os Estados
Unidos cada vez mais se isolam da comunidade das nações. O mundo, desde outubro
do ano passado, investe mais capitais fora dos Estados Unidos do que costumava
investir. E é com investimentos estrangeiros que os Estados Unidos, o maior
devedor do mundo, paga a sua dívida. Se a política externa dos Estados Unidos
continuar nesse rumo, a credibilidade que existe no dólar se dissolverá. A
dívida externa dos EUA só não preocupa o mundo porque é ancorada na fé e
credibilidade total que investidores têm no governo, ou seja, no seu bom nome e
na estabilidade política e econômica. Essa fé significa confiança numa crença
que não está baseada em prova ou fato. E, hoje, cada vez menos se põe muita fé
ou confiança no governo do meu país.
Carta Capital: Por quê?
HÁ ANOS OS EUA COMPRAM A VOSSA Polícia
Federal...
Carlos
Alberto Costa: A administração Bush, com a desculpa de buscar armas de
destruição em massa, atropelou a ONU, desmoralizou-a, ao menos naquele momento,
e agiu unilateralmente...
Carta Capital: O senhor tinha
acesso a documentos reservados sobre o Iraque? Existiam informes secretos que
confirmassem a existência de arsenais de destruição em massa?
Carlos
Alberto Costa: Eu era, até deixar o FBI, em
outubro, um dos únicos 45 chefes do FBI a trabalhar no mundo, fora da fronteira
dos Estados Unidos. Na minha posição tinha acesso, no mais elevado nível,
Secret, Top Secret, a todo e qualquer documento secreto produzido, o que
inclui os da CIA. Afirmo que jamais li um documento secreto que indicasse a
existência de armas de destruição em massa no Iraque. Ao contrário, o que li em
todos os meus quatro anos no Brasil, e em Washington, foram informes que
asseguravam o contrário. Muitas vezes discuti com meus colegas do FBI e da CIA,
de qualquer parte do mundo, e concordamos que a administração Bush, e Blair,
apenas buscava uma justificativa para invadir o Iraque. Fabricava para a
imprensa o contrário do que todos nós afirmávamos, e isso desmoraliza a nossa
comunidade de inteligência. Agora é claro que também no topo dos Serviços de
Inteligência há sempre quem esteja mais interessado nas suas carreiras do que
nos fatos, e são estes os que rearrumam os fatos como quer a administração Bush.
Carta Capital: Dê um exemplo
pessoal?
Carlos Alberto Costa: Muitas vezes tive
altas discórdias com os meus informes de Inteligência porque Washington queria
que eu adaptasse fatos às suas necessidades paranóicas... O problema é que o
senhor Bush não tem a menor compreensão do que seja o mundo, aliás, nem mesmo o
seu próprio país. E essa arrogância está a isolar os Estados Unidos...
Carta Capital: ...do resto do mundo.
Carlos
Alberto Costa: E o mundo está a constatar
que a tal fé e credibilidade no governo dos Estados Unidos é simplesmente a
crença num governo vacilante, arrogante e paranóico. Sem contar que, noutros
tempos, fomos nós, os Estados Unidos, todos nós dos Serviços, que em algum
momento ou circunstância armamos o Noriega no Panamá, demos suporte aos Contras
na Nicarágua, estivemos no Chile de Allende, em toda a América Latina, Central,
Ásia...
Carta Capital: Sempre como
política de governo...
Carlos
Alberto Costa: Uma política de governo.
Assim como fomos nós, todos os nossos Serviços, que treinamos e demos suporte ao
Bin Laden. Ora, isso é algo que já sabemos alguma coisa, você pode me dizer.
O.k., mas aqui quem está a falar é alguém com a autoridade de quem trabalhou 22
anos no FBI e chefiou uma secção de contra-inteligência e espionagem industrial
internacional em Washington.
Carta Capital: Vocês treinaram e armaram Bin Laden quando
ele...
Carlos
Alberto Costa: ...enquanto ele combatia os soviéticos no Afeganistão.
Nós que demos suporte ao Saddam Hussein para ele conter os aiatolás do Irã, nós
é que lhe demos armas químicas...
Carta Capital: Quando e como
vocês deram as armas químicas?
Carlos
Alberto Costa: Fornecemos, por exemplo, o
antraz, assim como outras armas químicas que agora nós, hipocritamente,
anunciamos ir lá procurar.
Carta Capital: Foram mesmo
vocês, diretamente, que deram maneiras para produzir o antraz?
Carlos Alberto Costa: Demos as técnicas e demos toda a assistência.
Carta Capital:
Quem fez isso? Em que época?
Carlos Alberto Costa: Donald Rumsfeld, atual secretário de Defesa dos Estados Unidos, à
época era um representante emissário especial do presidente Ronald Reagan;
início dos anos 80, guerra entre o Iraque e o Irã, com mais de um milhão de
mortos em ambos os lados. Nós não tínhamos relações diplomáticas com o Iraque,
considerado um país que dava suporte ao terrorismo internacional e que estava na
lista de excluídos do Departamento de Estado. No entanto, em 1982, os EUA
removeram o Iraque dessa lista e, em 20 de dezembro de 1983, o mesmo Rumsfeld de
hoje encontrou-se com Saddam Hussein em Bagdá. Confraternizou-se com Saddam e
deu a ele todo o suporte político e militar dos Estados Unidos...
Carta Capital: O que
significa "todo" o suporte?
Carlos Alberto Costa: Como já disse,
entregamos a ele a tecnologia de algumas das armas que agora iríamos procurar com uma guerra, mas não apenas isso. A
Casa Branca e o Departamento de Estado ordenaram ao Banco Export-Import que
financiasse o Iraque na guerra. Isso muito antes de os Estados Unidos
restaurarem relações diplomáticas com o Iraque, o que só aconteceria em novembro
de 1984. E, oficialmente, a nossa posição era de neutralidade.
Carta Capital: A propósito de
neutralidade, qual foi a posição real dos Estados Unidos, dos seus serviços
secretos, na Guerra das Malvinas, da Argentina contra a Inglaterra, em 1982?
Carlos
Alberto Costa: Demos completo suporte de
Inteligência, especialmente de satélites, para os ingleses. Fotografávamos,
tínhamos a posição dos militares argentinos e passávamos para os ingleses. E, ao
mesmo tempo, jogamos também um pouco com os argentinos. Havia uma dúvida: se os
ingleses, depois, devolvessem aos argentinos as ilhas, que teriam petróleo em-
baixo,
nós íamos querer que os argentinos nos facilitassem o acesso. Vendemos armas
para os argentinos, e mais: navios ingleses, se não me engano dois destróieres
que eles destruíram, o fizeram com base em nossas informações, de satélites,
sobre a posição dos ingleses. Os ingleses ficaram pasmos: "Como é que os
argentinos nos localizaram?" Localizaram porque fomos nós que fornecemos suas
posições. À época, Margaret Thatcher esteve em Washington e pressionou o
presidente Reagan. Só então paramos de fornecer informações aos argentinos.
Passamos a enrolá-los.
Carta Capital: Sabe-se que as
coisas foram e são assim no mundo real, em especial o das grandes potências, mas
essa história...
Carlos
Alberto Costa: Essa é a política externa dos
Estados Unidos. São as razões pelas quais hoje não temos paz. É um país que
sempre foi isolado pelo Atlântico e pelo Pacífico, mas agora isso chegou ao
auge. Ninguém duvida que o Saddam Hussein é um criminoso, mas a hipocrisia do
nosso governo é insuperável. Quando, com as nossas armas químicas e nosso
dinheiro, as mesmas atrocidades foram cometidas por Saddam contra os curdos do
norte e as minorias do sul, ignoramos e viramos a cara, até demos suporte. Hoje,
usamos isso como argumento para justificar a guerra. Mas não é possível fazer o
mundo todo de imbecil todo o tempo..
"ISSO AÍ E O BRASIL, P...! JUST DO IT"(JUST DO IT
= apenas faça isso).
Carta Capital: O que isso
quer dizer hoje?
Carlos
Alberto Costa: A credibilidade, a fé nos
Estados Unidos, já não são as mesmas, por exemplo, na comunidade da União
Européia. O euro supera o dólar, os europeus procuram investir na sua própria
casa. O valor do dólar é baseado na fé e credibilidade no governo dos Estados
Unidos. Qual é o cenário hoje nos EUA?
Carta Capital: Diga-nos.
Carlos
Alberto Costa: Clinton havia conseguido um superavit de US$ 127,3
bilhões. Bush, em três anos, cortou impostos, aumentou os gastos, especialmente
na área da Defesa, cortou o orçamento de programas sociais e, nesse tempo,
produziu um déficit de US$ 541 bilhões de dólares. Esse déficit gera riscos para
o mundo. Há muita verdade no velho ditado que diz: "Quando os Estados Unidos
espirram, o mundo apanha uma gripe". A desvalorização do dólar terá, em algum
momento, como conseqüência, a elevação dos juros.
Carta Capital: Qual será, na economia,
o futuro, o legado de Bush?
Carlos
Alberto Costa: Para equilibrar suas contas
externas, os Estados Unidos precisam de um fluxo de capitais externos de volume
equivalente ao déficit, coisa de US$ 1 bilhão/dia de capital estrangeiro. Hoje o
país já não consegue viver simplesmente da sua produção. Simultaneamente, a
comunidade internacional compreende que pode dispensar os Estados Unidos;
mas os
Estados Unidos não podem dispensar o mundo. Os Estados Unidos predatoriamente
sacam da economia mundial o máximo que podem. Muito em breve, para manter sua
hegemonia e padrão de vida, os Estados Unidos terão que lutar militarmente e
diplomaticamente. Somos 4,5% da população do
mundo e
consumimos entre 45% e 50% da matéria-prima do planeta. Maiores consumidores de
petróleo, emitimos por pessoa, a cada ano, 19,7 toneladas de dió-xido de
carbono, que é poluição. O Brasil emite 1,8 tonelada por pessoa. Não se iludam
quanto aos Estados Unidos. O que importa são os seus interesses.
Carta Capital: Vocês, agentes secretos, têm plena
consciência disso?
Carlos
Alberto Costa: Obviamente. Mas nenhum país vai lutar pelos interesses
dos outros. Os governantes americanos fazem o que lhes interessa, e viemos aqui
para cuidar dos nossos interesses. Ponto final. O resto é retórica.
Carta Capital: Mais claro, impossível.
Carlos
Alberto Costa: Posso te falar uma coisa
sobre o juiz Sebastião da Silva?
Carta Capital: Aquele juiz
que tomou a decisão de fichar os americanos que entram no Brasil?
Carlos
Alberto Costa: Sim. Acho que o juiz mostrou
uma fortitude testicular, como se diz no vernáculo americano. Isso é manter a
dignidade do povo brasileiro. Se estão a tratar mal os brasileiros nos Estados
Unidos, então o mesmo tratamento deve ser dado para com os americanos aqui. Eu o
considero um bom brasileiro. Não existe razão nenhuma para que se imponha
fichação aos cidadãos brasileiros. Nunca tive conhecimento de um ato terrorista
cometido por um brasileiro, exceto no seqüestro do embaixador Charles Elbrick,
mas mesmo isso foi em um outro contexto, em 1969. Então, por que fichar
brasileiros que não só têm sido aliados dos Estados Unidos, mas são um povo
pacífico, até demais? É comum na embaixada ouvir relatos de brasileiros
maltratados e humilhados quando entram nos Estados Unidos. E isso aumentou muito
depois do 11 de setembro.
"RUMSFELD ESTEVE COM SADDAM EM 20 DE
DEZEMBRO DE 1982. ENTREGAMOS A ELE AS TÉCNICAS DO ANTRAZ" |
Carta Capital: Há muitas
queixas de maus-tratos a brasileiros dentro dos Estados Unidos?
Carlos Alberto Costa: Constantemente.
Mas se a nossa própria embaixadora queria ser tratada como se fosse um ser
superior a todos...
Carta Capital: A Donna Hrinak?
Carlos
Alberto Costa: Ela mesma. Um dia tentou furar uma fila na entrada do seu
país, mas foi posta na sua posição. Disseram a ela: "Não, você tem de esperar
como todas as outras pessoas". A Polícia Federal agiu certo. Veja o caso do seu
ex-chanceler Celso Lafer... foi humilhado, forçado a tirar os sapatos quando
embarcava nos Estados Unidos.
Carta Capital: O fato é que aqui parece ser a
casa-da-mãe-joana.
Carlos
Alberto Costa: Já sei o que é a mãe-joana, e é isso mesmo. Mas, em
relação aos Serviços Secretos nossos, ao FBI, até no Congresso dos Estados
Unidos já existe uma controvérsia. Alguns congressistas com mais perspicácia
questionam a presença operacional do FBI, uma polícia federal, no estrangeiro.
Mas os próprios agentes do FBI nos Estados Unidos requerem operações de lá;
operações como se o Brasil fosse uma extensão do território norte-americano. Eu
recebia instruções assim: "Localize, conduza a investigação apropriada e prenda
fulano de tal..."
Carta Capital: Recebia
documentos secretos que diziam "localize e prenda tal cidadão", como se você
estivesse em Chicago, Miami?
Carlos
Alberto Costa: Isso. Diziam: "Esse fugitivo
está no Brasil". Eu respondia: "Nós não temos autoridade para fazer uma coisa
dessas, temos de trabalhar em conjunto com a Polícia Federal".
Carta Capital: E qual era a
contra-argumentação de Washington?
Carlos Alberto Costa: Muitos
respondiam, indignados:
"Porra,
isso aí é o Brasil! Just do it! (Apenas faça!)".
Carta Capital: Imagino como
vocês operam, por exemplo, no Paraguai?
Carlos
Alberto Costa: O Paraguai é uma marionete
dos Estados Unidos. Isso ninguém contesta. Muitos altíssimos membros do governo
têm contato direto com os agentes, é uma ligação direta com a embaixada.
Carta Capital: Inclusive o
presidente da República?!
Carlos
Alberto Costa: (Risos. Apenas risos.)
Carta Capital: E o Congresso americano...
Carlos Alberto Costa: O Congresso americano, que financia os escritórios do FBI e os
outros Serviços no estrangeiro, questiona muitas vezes, mas eles são enrolados
pelo bom marketing comunicativo, especialmente o do FBI: o ego da instituição
FBI é movido a poder e dinheiro. É comum ouvir os agentes e o comando a dizerem:
nós somos os melhores e mais poderosos, temos influência no Congresso para obter
orçamento e temos poder. Temos uma unidade na sede em Washington que é só para
lidar, influenciar o Congresso quanto a verbas e outros assuntos. O FBI luta
tenazmente para manter o seu poder e expandi-lo diante dos outros Serviços. E na
verdade o FBI tornou-se uma gorda burocracia que não faz justiça à lenda e ao
contribuinte.
Carta Capital: O Congresso brasileiro deveria estar mais preocupado com o que o
FBI e os outros serviços estão fazendo aqui do que o Congresso do EUA...
Carlos Alberto Costa: O FBI até não é dos piores. A DEA, por exemplo, "contribui" com
milhões de dólares na conta privada de delegados da Polícia Federal... Se quer
fazer uma doação, que a faça aberta. Agora, pôr numa conta privada? Isso é
indicativo de que alguma coisa está errada.
Carta Capital: Que estão a
"influenciar"...
Carlos Alberto Costa: Isso é indicativo
de que você compra a polícia e, quando pede alguma coisa, tem de ser dado. Veja
a preocupação
número 1,
por exemplo, do representante do Departamento de Estado na Seção de Narcóticos,
a NAS. A primeira preocupação dele, a número 1, é que a Polícia Federal aceite o
dinheiro que ele está a doar, entre aspas. Geralmente, uma quantia que varia, a
cada ano, de US$ 1 milhão a US$ 3 milhões.
Carta Capital: Todo ano a
preocupação da NAS é que o Brasil aceite o dinheiro que ele está a "doar". Por
quê?
Carlos
Alberto Costa: Porque, se a Polícia Federal
recusar esse dinheiro, não aceitar, esse representante da NAS não será bem
avaliado, isso vai afetar a sua carreira. Ele não terá demonstrado capacidade
para "influenciar".
Carta Capital: Então, quem não consegue
"influenciar" no Brasil, seja a mídia, a polícia, seja o governo, o Parlamento,
é um fracasso?
Carlos Alberto Costa: Uma instituição mal remunerada, como a Polícia Federal, que não tem
dinheiro para pagar a conta do telefone, não vai aceitar uma doação? Isso é
absolutamente ridículo. O Brasil carece de investir no treinamento e no
pagamento. Como diz o velho ditado americano, não existe almoço grátis. No FBI,
como qualquer outra instituição americana, nós não podemos aceitar um centavo de
ninguém. A minha diferença aqui é que eu, como chefe do FBI, não dava dinheiro
ao Brasil, não comprava o Brasil. Dava assistência técnica, treinos, treinava os
vossos policiais...
Carta Capital: Mas treinar já
é "influenciar", você já está a se infiltrar...
Carlos Alberto Costa: Ah, sim, mas isso é natural. Nós treinamos colegas brasileiros em
técnicas de investigação, a pedido de vocês. Estamos a desenvolver uma
cooperação nesse sentido, não estamos a comprar.
Carta Capital: Voltemos à
mídia. Então, jornalistas também são mandados aos EUA?
Carlos Alberto Costa: Isso são outros programas que não têm a ver com o
FBI...
"OS ATENTADOS NA ARGENTINA, NOS ANOS 1990, FORAM TRAMADOS DENTRO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO..." |
Carta Capital:
Têm a ver com a CIA?
Carlos Alberto Costa: Têm a ver, por
exemplo, com o Departamento de Estado, que manda, além de jornalistas, outros
profissionais para conhecerem os seus iguais. É um intercâmbio... mas voltemos
às polícias do Brasil (risos): nós não deveríamos ter, como tivemos e
temos, contato direto com as polícias civis, militares. Só deveríamos nos mover
com monitoramento da Polícia Federal, e todos se movem aqui como querem. Falamos
direto com as polícias, temos relações
diretas com, por exemplo, municípios ou polícias civis ou militares. Como eu
fazia e como o outro faz ainda.
Carta Capital: Direto com
governadores, secretários de Estado, chefes de polícia, comandantes da PM,
soldados...
Carlos
Alberto Costa: Com todos. Se eu faço e
ninguém reclama, continuo a fazer porque está a me servir. Eu tinha mais sucesso
nas relações com as polícias estaduais do que, por exemplo, com a Polícia
Federal, que está muito isolada, às vezes, da realidade da rua, dos
acontecimentos.
Carta Capital: Com você o FBI trabalhava em companhia, em
parceria com alguma outra instituição dos EUA?
Carlos
Alberto Costa: Sim. A CIA é o nosso primo na área de
contra-inteligência, nós trabalhamos muito em conjunto. Muito mais com a CIA do
que com a DEA ou outra organização. O FBI é constituído por uma seção criminal e
outra de contra-inteligência.
Carta Capital: Na contra-inteligência vocês e a CIA se
encontram?
Carlos
Alberto Costa: Óbvio, somos colegas, primos.
Carta Capital: Vocês trabalharam juntos
na questão da Tríplice Fronteira?
Carlos
Alberto Costa: Trabalhamos. A função da CIA
é buscar informações fora do seu país. Se o outro país permite, é uma outra
questão. Já a função do FBI no estrangeiro está errada. A função do FBI é
investigar casos criminais dentro dos Estados Unidos e não fora. Se está fora, é
indicativo de que...
Carta Capital: Está fazendo o
que não deveria, como, aliás, já indica a própria denominação FBI: Federal
Bureau of Investigation. O.k. Federal, mas lá!
Carlos
Alberto Costa: É um órgão federal que não
deveria ter poder investigatório aqui. É desperdício do dinheiro do contribuinte
americano, é falseamento de atividade. Queremos ser tudo e terminamos não sendo
nem bons agentes de investigação criminal nem bons agentes de
contra-inteligência - que deveria ser um órgão distinto, como em outros países,
França, Inglaterra, Espanha...
Carta Capital: Há razões estratégicas
para que o FBI atue fora dos Estados Unidos?
Carlos Alberto Costa: Nem o FBI nem a DEA, nem a US Customs nem a NAS, nenhuma instituição
policial federal deveria estar no Brasil, fora dos Estados Unidos. A própria
"segurança da embaixada", RSO, que também é uma polícia entre eles, tem
influência para obter informações da Polícia Federal sobre dados de cidadãos
brasileiros. Carta Capital: Ah, é? Até esses?
Carlos Alberto Costa: Eu muitas vezes precisava de uma informação rápida sobre alguém e,
para não expor o FBI, pedia a esses seguranças: vão à Polícia Federal obter um
cadastro sobre fulano de tal. Em minutos eu tinha a resposta. Um policial
brasileiro não tem a mesma facilidade. Em outras situações, eu sentava em frente
a um terminal da sua polícia e lia informações sobre brasileiros, estacionava
sempre meu carro na garagem da sede da PF. Sabe quando isso aconteceria com um
policial brasileiro nos Estados Unidos, na Europa, Ásia? Nunca. Um policial ou
representante de uma polícia de um outro país entrar com facilidade e obter
informações sobre um cidadão do seu território sem haver uma razão? Acorda,
Brasil! Aqui fala quem gosta e respeita o seu país.
Carta Capital:
Então essas polícias, entre elas as
norte-americanas, estão aqui afazer o quê?
Carlos Alberto Costa: Toda e qualquer
coisa que seja do nosso interesse. Ponto final. Mas isso é o que nós chamamos de
ações de Inteligência ou contra-inteligência.
Carta Capital: Que eu poderia chamar de espionagem?
Carlos
Alberto Costa: Bom, contra-inteligência é uma coisa e espionagem é
outra.
Carta Capital: O.k. A rede que você montou no Brasil, pelas
minhas informações, é imensa. E isso eram só você e os seus. E a dos demais
Serviços?
Carlos
Alberto Costa: Bem... Vamos para outro assunto. Veja: há alguns dos meus
colegas de outros países com funções limitadas;
eles vêm
aqui só para facilitar alguns contatos, por exemplo, na área de drogas, mas eles
não estão a comprar. A Espanha tem contatos próprios e não está a comprar
ninguém.
Carta Capital: Como é que era o jogo entre vocês, os russos,
a ABIN?
Carlos
Alberto Costa: A ABIN é um órgão que não dá para definir...
Carta Capital: Não dá para
ser definida?
Carlos
Alberto Costa: Não dá para ser definida. A
ABIN foi criada com as boas intenções de um Serviço de Inteligência, mas não tem
as divisas suficientes para se desenvolver. Quando um Serviço de Inteligência se
torna pedinte ante estrangeiros, se expõe, deixa de ser secreto. Corre imensos
riscos. A ABIN, como a Polícia Federal, pede equipamentos, recursos,
treinamento, a vários países, e não apenas aos Estados Unidos. Pedem para
Israel, Rússia, Japão, França, entre outros. A ABIN se prostitui. Quando você
recebe equipamentos de serviços secretos, deve saber que é rotineira a
clonagem...
Carta Capital: O que é
clonagem?
Carlos Alberto Costa: É um duplo embutido no seu equipamento, que transfere para o
"doador" as informações disponíveis naquele equipamento.
Carta Capital:
Uma outra informação que antes não tive como
publicar: a ABIN foi grampeada através de equipamentos que vocês haviam
fornecido?
Carlos Alberto Costa: Não sei... não posso falar... fazer suposição sobre isso, mas...
Carta Capital: Mas vocês
forneceram equipamentos?
Carlos Alberto Costa: ...não sei, mas
calculo, pelos meus contatos, que a ABIN tinha também outros países a fornecer
equipamentos. Deixa eu lhe dizer uma outra coisa: se eles grampearam ou
grampeiam alguém, se eles o fazem com algum equipamento nosso ou alguma coisa, é irrelevante para nós. O uso que
outros fazem dos equipamentos não é problema nosso.
Carta Capital: Vocês, os serviços secretos dos EUA,
forneceram equipamentos a ABIN para grampear?
Carlos
Alberto Costa: Sim. Nós prestamos essa assistência aos nossos parceiros.
Mas isso não indica que nós vamos saber aquilo que eles estão a fazer.
Carta Capital: O.k. Agora
apenas uma hipótese e não sobre grampeamento direto: se houver a necessidade de
monitorar, por exemplo, o que se passa no Palácio da Alvorada num domingo de
tarde. Isso é possível?
Carlos
Alberto Costa: É. Essa é uma tecnologia, de
satélite, que todos sabem que existe.
Carta Capital: A propósito de
monitoramento por satélite vem à cabeça o Sivam, Amazônia...
Carlos Alberto Costa: Isso de dizer que
os americanos querem a Amazônia é paranóia, é uma invenção dos militares
brasileiros para obter verbas. Sempre tive acesso aos documentos secretos e
nunca li uma coisa assim, nunca houve esse interesse, nem há. Até porque a
invasão da Amazônia seria uma missão impossível.
Se nós estamos com esse problema no Iraque, que só tem areia, e fomos derrotados na selva do Vietnã, imagine a Amazônia, um território desconhecido, com milhões de árvores... Seríamos comidos. Senão pelos caboclos, pelo pessoal treinado na selva ou pelos índios, seríamos devorados por mosquitos e cobras.
Esqueçam essa paranóia, a maioria dos norte-americanos pensa que Buenos Aires é a capital do Brasil... Eles não têm a menor idéia do que é a Amazônia. Aliás, tenho a impressão de que o meu ilustre presidente não tem a mais vaga idéia nem do que seja a Amazônia. Muito menos onde ela se encontra.
Se nós estamos com esse problema no Iraque, que só tem areia, e fomos derrotados na selva do Vietnã, imagine a Amazônia, um território desconhecido, com milhões de árvores... Seríamos comidos. Senão pelos caboclos, pelo pessoal treinado na selva ou pelos índios, seríamos devorados por mosquitos e cobras.
Esqueçam essa paranóia, a maioria dos norte-americanos pensa que Buenos Aires é a capital do Brasil... Eles não têm a menor idéia do que é a Amazônia. Aliás, tenho a impressão de que o meu ilustre presidente não tem a mais vaga idéia nem do que seja a Amazônia. Muito menos onde ela se encontra.
A ABIN SE EXPÕE, ELA SE PROSTITUI
(ABIN
= Agência Brasileira de Inteligência)
Carta Capital: E o Brasil,
eles sabem onde fica?
Carlos
Alberto Costa: O ex-embaixador dos Estados
Unidos no Brasil Neil Harrington me disse que, quando lhe ofereceram o cargo,
teve que olhar no mapa para saber onde era o Brasil. Durante um coquetel,
algumas caipirinhas depois, o embaixador me revelou que não conhecia
"absolutamente nada" sobre o Brasil, a sua história, cultura, e pensava que a
língua aqui falada era o espanhol.
Carta Capital: Terroristas no Brasil. O que é fato, o que é
ficção? Vocês apuraram o quê, chegaram
aonde?
Carlos
Alberto Costa: Fizemos uma investigação
conjunta dos atentados à embaixada israelense em Buenos Aires, que em 17 de
março de 1992 matou 29 pessoas e feriu centenas, e à sede da AMIA (Associação
Mutual Israelita Argentina), que matou 85 pessoas e feriu mais de 300 em
1994. O FBI e a CIA prestaram assistência às autoridades argentinas que
investigavam. Eu, antes de assumir no Brasil, tive acesso às informações e
reuniões sobre esses assuntos com os próprios argentinos, em Buenos Aires. O que
eu posso dizer é que os atentados na Argentina foram organizados no Brasil, em
território brasileiro.
Carta Capital: Isso é
absolutamente seguro? Foram organizados no Brasil?
Carlos Alberto Costa: Foram organizados no Brasil, na região de Foz do Iguaçu.
Carta Capital:
Como? Houve reuniões, encontros?
Carlos Alberto Costa: Foi dali que eles planejaram os atentados. Agora, as pessoas que os
organizaram e os fizeram não foram pessoas que necessariamente viviam no Brasil
e muito menos eram brasileiros.
Carta Capital: Mas usaram o
território brasileiro?
Carlos Alberto Costa: Usaram o
território brasileiro, mas ali é uma Tríplice Fronteira...
Carta Capital: Aí entramos numa outra questão:
há
células terroristas na fronteira? Vocês investigaram. Há ou não há?
Carlos
Alberto Costa: Não há. Planejaram-se
atentados ali, é verdade, mas investigamos exaustivamente, nós, a CIA, os
serviços secretos dos países, e não conseguimos comprovar a existência de
células terroristas ali, no entanto...
Carta Capital: No entanto o quê?
Carlos Alberto Costa: Havia, e há, uma
obsessão, uma paranóia do governo Bush, para encontrar terroristas. Ali não há,
pelo menos não comprovamos, apesar de amplas investigações. Há simpatizantes,
mas essa é
uma outra
questão. Sempre houve uma obsessão com a Tríplice Fronteira, e sempre achei isso
uma coisa muito ridícula. Os nossos Serviços de Informação e de Inteligência
estavam, estão, focados no lugar errado. Na Tríplice Fronteira, existem mais ou
menos 40 mil árabes ou descendentes, enquanto São Paulo tem mais libaneses ou
descendentes, por exemplo, do que o próprio Líbano.
Carta Capital: O que acontece, então, na Tríplice
Fronteira?
Carlos
Alberto Costa: Algumas coisas. A primeira delas é que ali é um lugar que
por si só é fora-da-lei. É um lugar de contrabando, e muitos desses grupos
árabes são bons contrabandistas, bons comerciantes, vamos dizer assim. É um
lugar que facilita a troca de mercadorias de segunda classe, pirataria de
equipamento, lavagem de dinheiro...
Carta Capital: Mas grupos terroristas vocês nunca
detectaram?
Carlos
Alberto Costa: Terroristas nunca foram detectados. E investigamos muito,
até porque o Brasil sempre perguntou a nós: "Vocês sabem onde estão os grupos
terroristas?" O que tem é muita retórica...
Carta Capital: Vocês monitoram aquela fronteira já há muitos
anos, não?
Carlos
Alberto Costa: Eu, o FBI pelo menos, jamais consegui confirmar um único
caso de células terroristas ali. Sempre informei isso e os colegas da CIA
informaram o mesmo. O que há são atividades criminosas de outra ordem. Agora,
que dinheiro é recolhido para organizações que têm seus braços terroristas, isso
é uma outra questão.
Carta Capital: Isso vocês
identificaram?
Carlos
Alberto Costa: Há quem envie dinheiro para o
Hezbollah? É certo que há, mas o Hezbollah é um partido político legal que tem o
seu braço armado, terrorista. Bem, em Detroit, em Nova York, nós temos cidadãos
americanos que mandam dinheiro para o Hezbollah, para orfanatos, hospitais, mas
que destino final tem esse dinheiro é algo tão incerto quanto parte do dinheiro
que, Brasil e mundo afora, grupos judaicos enviam para Israel. Quando os
israelenses fazem suas operações, alguém financiou, e certamente o fez via um
braço legal. Da mesma forma, em Boston, em Nova York, simpatizantes do
IRA
mandam e
sempre mandaram dinheiro para a Irlanda....
Carta Capital: E o IRA é
também um partido político com vida legal, assim como os bascos têm partido
político com vida legal...
Carlos
Alberto Costa: A própria família Kennedy, de
católicos irlandeses, sempre simpatizou com os católicos irlandeses, e esses
envolvimentos às vezes são arriscados. Você manda uma contribuição para uma
escola, mas não tem certeza se aquele dinheiro, ou todo ele, servirá exatamente
à escola. Mas, se você me pergunta se é possível que dinheiro da Tríplice
Fronteira chegue aos braços armados do Hezbollah, aí eu respondo: "Sim, possível
é, o que não quer dizer que tenha sido confirmado".
Carta Capital: Bem, vocês têm uma
extrema-direita que age dentro do próprio território americano, com atentados...
Carlos Alberto Costa: Essas milícias de
direita que provocam e provocaram atentados como em Oklahoma existem, isso é
fato. Como é
fato que
o que temos hoje no governo dos Estados Unidos são facções políticas também da
extrema-direita, e elas estão a alienar cada vez mais o país do mundo.
Carta Capital: Dentro dessa
moldura, do pós 11 de setembro, houve a determinação, um empenho extra para que
vocês achassem terroristas dentro do Brasil?
Carlos
Alberto Costa: Sim. Em todo o mundo, e
também no Brasil. Mas essa é uma outra questão muito delicada...
Carta Capital: Muito delicada
por quê? O senhor, além daquela, recebeu alguma outra ordem, instrução,
determinação específica relacionada ao Brasil...
Carlos Alberto Costa: Bem... Depois do
11 de setembro, o FBI queria justificar que estava a fazer alguma coisa contra o
terrorismo. E muita gente dentro do FBI não tem noção de como combater o
terrorismo, não faz a mínima idéia...
Carta Capital: Certo, certo, mas que questão
delicada é
essa a que o senhor se referiu?
CIA, DEA, NAS... OS "SERVIÇOS" "DOAM" À Polícia
Federal...
Carlos
Alberto Costa: Houve uma determinação, uma
ordem de Washington, e houve uma recusa minha. Uma das minhas recusas nesses
quase quatro anos no Brasil...
Carta Capital: Recusa a qual
ordem?
Carlos Alberto Costa: A um monitoramento das mesquitas que existiam...
Carta Capital: No Brasil?
Carlos Alberto Costa: No
Brasil.
Carta Capital: "Monitoramento" que todos os que conhecem um
mínimo de espionagem, contra-inteligência, sabem o que é: fazer escutas, vigiar,
vasculhar. Quem eram os alvos, os xeques?
Carlos
Alberto Costa: Xeques, aiatolás, líderes da comunidade muçulmana, todos
os membros e de todas as formas possíveis. Claro que eu me recusei a fazer isso.
Carta Capital: Isso numa das maiores
comunidades árabes do mundo...
Carlos
Alberto Costa: Eu me recusei a fazer uma
coisa dessas porque...
Carta Capital: Com que argumentação
recusou, se você é da contra-ínteligência, se é exatamente um espião?
Carlos
Alberto Costa: A minha argumentação foi
simples: isso é um crime. É crime nos Estados Unidos porque fere a Constituição,
assim como os direitos civis, é crime na Europa e é crime segundo a Constituição
no Brasil. Uma democracia não pode admitir isso, ainda mais numa escala como a
que pretendiam fazer no Brasil, onde está prescrita a liberdade de religião e
culto.
Carta Capital: Pela lei lá e cá você não poderia "monitorar"
xeques e mesquitas sem autorização legal?
Carlos
Alberto Costa: Correto. E eles ainda pediram que eu fizesse listas...
Carta Capital: Que levantasse
quem eram as pessoas, o que faziam...
Carlos
Alberto Costa: Quem eram as pessoas, suas
atividades... Não me admiraria se hoje em dia isso estiver a acontecer no
Brasil, e se isso um dia vier à tona. Vivemos, infelizmente, um neomacarthismo e
eu, algumas vezes, me recusei a fazer parte disso. Há certas ocasiões em que uma
pessoa deve se recusar a cumprir ordens inconstitucionais.
Carta Capital: Setores importantes da Inteligência no Brasil
temem que esteja a se fabricar um ato terrorista que justifique esse
tipo
de política. Isso é uma informação.
Carlos
Alberto Costa: É provável. Todas as
sociedades temem que um ato de terrorismo vá acontecer dentro delas. Agora, se
será implantado...
Carta Capital: ...fabricado...
Carlos
Alberto Costa: ...fabricado num país alheio. Pelo menos os Estados
Unidos não o fariam... Melhor, escreva aí, com aspas:
"Eu não o
autorizaria", e não creio que os Estados Unidos fariam uma coisa dessas com o
Brasil.
Carta Capital: Ainda com
relação à Tríplice Fronteira e às comunidades árabes, e a ordens e instruções: o
fato de você não ter feito ações não significa que à sua revelia não possam ter
sido feitas, ou que um outro Serviço não o tenha feito?
Carlos
Alberto Costa: Se fizeram, eu não saberia te
dizer, só asseguro que com autorização minha não fizeram. Agora, eu não posso
falar do que está a acontecer hoje em dia, nem quais são as ordens dos que me
substituíram...
Carta Capital: Você não sabe
se foi cumprido ou não. Isso vale para tudo? Vale desde o "monitoramento" até...
Carlos
Alberto Costa: Vale para tudo.
Carta Capital: Pelo protocolo, você
deveria ser monitorado pela Polícia Federal brasileira...
Carlos
Alberto Costa: E deveria ter contato só com
uma autoridade da Polícia Federal. A DEA e a NAS, apesar de "doarem", vamos
dizer assim, milhões de dólares para a conta de um só indivíduo da Polícia
Federal, não poderiam ter contato com outras instituições, especialmente
estaduais.
Carta Capital: No total, entre todos os
Serviços, vocês são uns cem funcionários dentro do Brasil, pelo menos. É isso?
Carlos Alberto Costa: Não sei. Não sei quantos estão aqui. E você deve entender que há
coisas que não posso e não devo falar, mesmo depois de aposentado.
"O FBI ORDENOU, MAS ME RECUSEI A 'MONITORAR' (GRAMPO) MESQUITAS, XEQUES, AITOLÁS E LÍDERES NO BRASIL..." |
Carta Capital: Você e a CIA
informavam a embaixadora sobre tudo o que se passava? Como é que funciona isso?
Carlos Alberto Costa: Todos os órgãos do governo federal respondem ao embaixador... Agora
há embaixadores, ou embaixadoras, que querem saber de tudo e há outros que não:
"Vocês fazem aí, não me digam nada a não ser que alguma coisa possa ter graves
repercussões e eu tenha necessidade de saber antes".
Carta Capital: No caso, você
informava?
Carlos Alberto Costa: Eu e outros
Serviços informávamos apenas o que nos
interessava informar.
Carta Capital: Na verdade, os
Serviços dizem o que querem dizer e pronto, acabou.
Carlos
Alberto Costa: É, o que nos interessa. Essa
história de dizer que nós estamos debaixo dela, no caso a embaixadora, é verdade
do ponto de vista legal, mas, na realidade, cada um faz o que tem de fazer e,
claro, vai contar ao embaixador...
Carta Capital: ...metade da missa.
Carlos Alberto Costa: Conforme. Às
vezes nem a metade nem a missa. Há certas coisas que interessam contar, há
outras coisas que nem
vale a
pena contar, e há outras que não se deve contar. Agora, se houver um problema,
algo que possa causar um problema, nós vamos informar. Por exemplo: eu quando
vou pagar um indivíduo...
Carta Capital: Avisa à embaixadora, ao embaixador.
Carlos
Alberto Costa: Às vezes eu posso informar:
"Olha, vai ser pago um indivíduo e tal". Em outros casos não se informa nada. Em
relação à embaixadora Hrinack, ela até fez um bom trabalho, embora na maior
parte do tempo o seu trabalho fosse pôr...
Carta Capital: ...perfume?
Carlos Alberto Costa: Perfume na shit...
Carta Capital:
...que produz o governo americano.
Carlos
Alberto Costa: Que a administração Bush está a produzir (risos).
Essa é a realidade.
Carta Capital: Ela perfumava bem a substância que o governo
Bush produz em grandes quantidades?
Carlos
Alberto Costa: Produz muito daquilo... Agora, como diplomata, acho que
ela é até uma pessoa muito boa nesse assunto, mas como alguém realista das
coisas do mundo ainda falta-lhe muito. Por quê? Porque o mundo do Departamento
do Estado... eles estão sentados em cadeiras de marfim, ou são, como dizemos
também sobre outros no comando do próprio FBI, yes people, pessoas que
dizem sim a tudo e a todos.
Carta Capital: Não foi o seu caso?
Carlos
Alberto Costa: Não foi o meu caso. Há um ditado no FBI: grandes casos,
grandes problemas, pequenos casos, pequenos problemas, se não há casos, não há
problemas. Esses, que nunca tiveram um caso, nunca investigaram um caso, não
fizeram uma operação, são os que entram pela área administrativa...
Carta Capital: E são os que têm o poder.
Carlos
Alberto Costa: O poder. São os que estão no comando do FBI hoje, sem
problemas, mas também sem casos, sem ações em suas carreiras. O diretor do FBI,
Robert Muller, é uma pessoa que não tem o respeito da instituição. E é
detestado, odiado. As pessoas o vêem como um cavaleiro que monta e galopa o
cavalo até morrer, até o cavalo cair de tanto cavalgar, de exaustão. Muitos dos
bons que existiam no FBI, muitos dos mais capacitados, saíram. Um agente hoje
gasta 75% do tempo empacado em burocracia e 25%, se tanto, em investigação. E,
ao investigar, se passa a maior parte do tempo atento ao lema CYA.
Carta Capital: O que é isso?
Carlos
Alberto Costa: Cover Your Ass (Proteja o teu traseiro). Esse se
tornou o lema principal no FBI, desde a instrução na academia. Agora, para quem
está no topo do FBI, o lema é KMA, que vem a ser Kiss My Ass
(Beije minha bunda). A instituição está a se desmoralizar, os agentes sabem que
investigações e agentes que não atendam aos interesses da visão do diretor, da
administração Bush, correm o risco da marginalização.
Carta Capital: Já falamos do FBI, da CIA, até onde você quis
ir. Como é a atuação, especificamente, da DEA no Brasil? Como é que é essa
história, a relação deles no Brasil?
Carlos
Alberto Costa: A DEA doa milhões de dólares para a Polícia Federal, e
não só em equipamentos, também em dinheiro. A DEA faz o que quer, onde quer, e,
ao contrário do protocolo, não tem monitoramento algum nas suas ações. Contrata
informantes, montou uma rede, paga por informações a cidadãos brasileiros,
infiltra-se e vale-se das informações e dos homens da Policia Federal. E tudo
isso porque "doa".
Carta Capital: Cash?
Carlos
Alberto Costa: Cash.
Carta Capital: Através do dinheiro, também a DEA monitora ou
executa as operações da Polícia Federal, em nome da Polícia Federal ou em
parceria com a Policia Federal, como Carta Capital descrevia desde 1999?
Carlos
Alberto Costa: Como a Carta havia
descrito, mas ainda mais. E isso é uma coisa absolutamente impensável nos
Estados Unidos. Nunca ia acontecer com a DEA, o FBI, ou alguma das nossas
instituições. Ninguém dessas instituições pode receber dinheiro como se faz
aqui. É corrupção. E, se a coisa e tão aberta, por que o dinheiro vai para a
conta de uma pessoa privada?
Carta Capital: Porque, se está na conta
da polícia, do Ministério da Justiça, quando o governo contingência gastos,
segura o uso desse dinheiro, prende também esse dinheiro.
Carlos
Alberto Costa: Ora, se o fizer, esse
dinheiro vai para o Tesouro. Agora, em nome disso, entregam a polícia para os
estrangeiros? Não entendo essa lógica.
Carta Capital: Nem eu. Mas o
que a própria DEA diz é que não dá o dinheiro direto para a Polícia Federal,
porque quando o governo contingência não repassa mais esse dinheiro.
Carlos Alberto Costa: Mas é a DEA quem
toma decisões aqui ou é o Congresso brasileiro, o governo do País?
Carta Capital: Essa é uma boa pergunta. E Carta Capital
a tem feito nesses últimos anos, há cinco anos
para ser exato.
Carlos
Alberto Costa: Isso é uma vergonha e é uma
quantia completamente irrisória para nós e para um país continental como o
Brasil.
Carta Capital: À venda por alguns milhões de dólares?
"NAS MALVINAS, DEMOS INFORMAÇÕES DE SATÉLITES PARA OS ARGENTINOS E OS INGLESES, AO MESMO TEMPO..." |
Carlos
Alberto Costa: Pronto. Como é que um país vende a sua Polícia Federal
por alguns milhões de dólares? Outra coisa: será que esse delegado paga impostos
sobre esse dinheiro que entra na sua conta? Isso é, ainda, uma violação da lei
brasileira feita por delegados federais e com a conivência do Estado. E também,
provavelmente, é uma violação das leis americanas, pois não se deve dar dinheiro
a indivíduos e, sim, para instituições. Como é que vocês esperam ser levados a
sério?
Carta Capital: Ou seja: um chefe de seção da Polícia Federal
que recebe US$ 4 milhões, US$ 5 milhões em sua conta pessoal está
violando a lei se não declara ao Imposto de Renda. E, se declara,
como paga?
Carlos
Alberto Costa: Cinco milhões, mas não só.
Não apenas a DEA, a NAS, todas as nossas instituições estão doando...
Carta Capital: O americano é
tão bonzinho!
Carlos Alberto Costa: Nada disso é
proibido nos Estados Unidos. Agora, se o Brasil autoriza, então...
Carta Capital: Estejamos
"influenciados".
Carlos
Alberto Costa: Então não reclamem. "Dinheiro
nosso, ordens nossas".
Carta Capital: A informação que tenho é que, em mais de uma
dessas reuniões dos serviços secretos na embaixada, às segundas-feiras, discutiu-se seriamente a questão de como
"influenciar a imprensa brasileira". É Correto?
Carlos
Alberto Costa: Bom, eu não posso confirmar
uma coisa dessas. Eu não posso afirmar o que é que se passa...
Carta Capital: Numa reunião secreta.
O.k., compreendo perfeitamente...
Carlos Alberto Costa: Nós estamos aqui a falar em assuntos abertamente, mas...
Carta Capital: ...Há aspectos
de assuntos secretos sobre os quais você tem que manter...
Carlos Alberto Costa: ...Que eu tenho que manter, porque eu tenho responsabilidades para
com o meu país e a instituição à qual servi por 22 anos. Agora, se o Brasil é um
pouco ingénuo nas suas maneiras de dirigir politicamente... Então, também eu,
como um cidadão americano, tenho direito de expressar certas coisas que eu acho
erradas, desde que não influenciem ou afetem o meu país e ajudem o seu.
Compreende?
Carta Capital: Compreendo,
claro, e isso não significa que você não seja leal ao seu país e não respeite o
Brasil...
Carlos Alberto Costa: Claro que não. Veja uma coisa: eu sou um cidadão americano, eu amo o
meu país, mas acho que a política externa do país já há muito está...
Carta Capital: Está errada?
Carlos Alberto Costa: Está errada e
agora eu tenho o direito e até o dever de me pronunciar sobre isso. Faço essa
entrevista, essas revelações, porque eu gosto do Brasil, respeito o Brasil,
tenho mulher e filho brasileiros...
Carta Capital: Você está criticando a política, as decisões,
não os países. Isso para mim está claro.
Carlos
Alberto Costa: Estou criticando a política, não estou a criticar outra
coisa.
Carta Capital: Você vai ficar
no Brasil?
Carlos
Alberto Costa: A minha decisão é de viver
nos Estados Unidos e viver no Brasil. Eu não tenho, é proibido ter uma coisa
dessas, mas eu sei, por exemplo, que há agentes que têm cidadania dupla e, tenho
quase certeza, o FBI não quer saber desse problema.
Carta Capital: É verdade que
há entre os agentes secretos um certo receio de retornar aos Estados Unidos nos
dias de hoje?
Carlos Alberto Costa: Já ouvi dentro do
próprio FBI, da CIA, adidos militares, principalmente
de
colegas meus que trabalham no exterior, que há um certo receio...
Carta Capital: Por que o receio de retomar?
Carlos
Alberto Costa: Por que nós, que somos a primeira linha de frente, que
obtemos informações, sabemos o quanto é possível que amanhã uma ou duas bombas
nucleares sejam detonadas dentro de uma cidade norte-americana. Eu espero que
isso nunca aconteça, mas que há esse grande receio, há. Agora mesmo vimos esse
terrível, mas previsível, atentado em Madri. Como é previsível que tentarão na
Inglaterra, em Londres.
Carta Capital: Quando você diz "ter informações", é porque
já houve ou vocês interceptaram algum episódio do gênero?
Carlos
Alberto Costa: Sim, já houve um episódio desses...
Carta Capital: Que episódio?
Carlos
Alberto Costa: Uma
...uma bomba suja que podia ser detonada em Washington... uma bomba radioativa
foi impedida de ser detonada.
Carta Capital: Em que ano isso?
Carlos
Alberto Costa:
Há quase dois anos. Depois do 11 de setembro, muitas coisas aconteceram.
Carta Capital: Isso seria em Washington, próximo à sede do
FBI?
Carlos
Alberto Costa: Em Washington, ali próximo, sim, mas obviamente não se
fez alarde, isso, se revelado em toda sua extensão, provocaria pânico na
população americana...
Carta Capital: Peraí. Essa história tem a ver com um certo
Padilha, ou algo assim, que foi preso em Chicago, creio, e que está
incomunicável até hoje?
Carlos
Alberto Costa: Eu não posso falar em nomes, mas já que você está a
dizer, é exata-mente esse o homem.
Carta Capital: Qual era o alvo?
Carlos
Alberto Costa: Washington. Oito quarteirões na área do Mall, aquela
região seria o epicentro, atingiria o Congresso Nacional, a Casa Branca, o
Supremo, mesmo sendo uma bomba suja, rudimentar...
Carta Capital: Quando o senhor fala em "bomba suja", quer
dizer exatamente o quê?
Carlos
Alberto Costa: Quero dizer uma bomba atômica, embora de menor potência,
nesse caso.
Carta Capital: Vocês conseguiram impedir uma, mas podem não
conseguir impedir a segunda?
Carlos
Alberto Costa: Depois da queda da União Soviética, muitos daqueles
países que faziam parte das repúblicas ficaram com armas, artefatos, ogivas
nucleares. Nós suspeitamos, por exemplo, de que o Cazaquistão pode ter vendido
uma ou duas ogivas nucleares ao Irã. Lembre-se do caso mais recente, do pai do
programa nuclear do Paquistão que estava a vender segredos a outras nações.
Carta Capital: Na verdade, não se sabe
onde está todo o antigo arsenal soviético?
Carlos
Alberto Costa: Não é muito animador falar
isso, ainda mais em público, mas, na verdade não, não se sabe. Não houve um
inventário muito sério logo depois, principalmente da parte da Rússia. E outra
coisa: muitos dos generais russos tiveram que vender armas para conseguir manter
os seus exércitos.
Carta Capital: Para manter
exércitos particulares?
Carlos Alberto Costa: Não, exércitos do
Estado, mas eles, em meio àquela balbúrdia do pós-União Soviética, eram os
comandantes-em-chefe, os gestores de uma enorme máquina de guerra. Então, para
sobreviver, manter o mínimo daquilo tudo, era necessário fazer dinheiro...
Carta Capital: Vendendo
armas?
Carlos
Alberto Costa: Vendendo armas, nada mais
lógico. Então há um receio muito grande de que amanhã algo catastrófico possa
acontecer dentro dos Estados Unidos, ou num dos países aliados. Espero que não
aconteça, mas esse receio existe entre os Serviços.
Carta Capital: Por que o
senhor está a revelar isso?
Carlos Alberto Costa: Entre outros
motivos para que o mundo saiba que o cidadão norte-americano comum não é
arrogante, prepotente e antidemocrático, como é a atual
administração.
WASHINGTON: A
HISTÓRIA DA BOMBA "SUJA"
Carta Capital: O senhor
pretenderia mostrar que nem todas as forças secretas americanas agem da mesma
forma?
Carlos
Alberto Costa: Nem todas. Os meus próprios
colegas dos Serviços de Inteligência, muitos deles, discordam da maneira como as
coisas estão sendo feitas no governo do Bush. Grande parte dos meus colegas do
FBI, dos serviços secretos, pensa igual a mim e esse é outro motivo pelo qual
estou a falar, é preciso que as pessoas saibam disso, inclusive nos Estados
Unidos. Se quiserem, vou ao Congresso depor.
Carta Capital: Ao Congresso dos Estados Unidos ou ao do
Brasil?
Carlos
Alberto Costa: Com garantias, vou ao Congresso dos Estados Unidos e vou
ao do Brasil! O que eu penso é que até chefes, alguns chefes, mesmo colegas da
CIA, membros do Departamento de Estado - e eu estou a falar de altos
funcionários do Departamento de Estado e outros órgãos do governo - pensam e
sentem. Exatamente da maneira que eu estou aqui a me expressar, mas não vão
falar, têm receio de falar. Também eles acham que a administração de Bush é,
basicamente, uma cambada de loucos...
Carta Capital: De fundamentalistas, fanáticos...
Carlos
Alberto Costa: Não tem nada a ver com religião e sim com interesses
políticos e interesses privados de quem não tem o mínimo conhecimento do que
seja o mundo. O governo de vocês, esse de agora, do Lula, está agindo com
cautela, com alguma distância necessária, inclusive nos negócios.
Carta Capital: Me dê um
exemplo.
Carlos
Alberto Costa: O GPS, o sistema de navegação
global. O mundo depende dos Estados Unidos, embora existam dois sistemas: o GPS
nos Estados Unidos e o sistema russo...
Carta Capital: E o Brasil
adotou qual?
Carlos Alberto Costa: O Brasil está a
adotar o sistema europeu, o Galileu.
Carta Capital: E daí, qual é a diferença? Não captei
nada.
Carlos
Alberto Costa: É uma boa medida, porque o Brasil não fica sujeito,
primeiro, a alterações de localização. Quer dizer, o GPS é um sistema militar
que serve também para o mundo civil; um barco, um avião, um carro podem ter o
GPS. Durante várias ocasiões, por exemplo, nas guerras da Bósnia e do Iraque, o
Departamento de Defesa simplesmente fechou acesso a civis. Pôs em perigo
aeronaves civis, barcos, que tiveram que voltar aos mapas e bússolas.
Carta Capital: Fechou o acesso por quê?
Carlos
Alberto Costa: Num caso de conflito, guerra, esses são os olhos na
escuridão. Se só você tem acesso, a sua vantagem estratégica é enorme. Você tem
olhos num mundo de cegos.
Carta Capital: Exemplo: se o
Brasil tivesse, hipoteticamente, um desentendimento com os Estados Unidos e o
sistema GPS brasileiro fosse o dos Estados Unidos?
Carlos
Alberto Costa: Se o sistema fosse o
americano, bastaria fechar o acesso e as suas Forças Armadas ficariam cegas.
Carta Capital: Você conheceu o Coaf, o sistema brasileiro de
rastrear lavagem de dinheiro, chefiado no governo Fernando Henrique por Adriane
Sena?
Carlos
Alberto Costa: Eu mantive boas relações com ela e com alguns dos seus
altos subordinados, inclusive prestei treinamento especializado em lavagem de
dinheiro a vários membros do Coaf. Agora, ela gostava muito de falar que as leis
de lavagem de dinheiro do Brasil, embora copiadas dos Estados Unidos, as
superaram.
Carta Capital: Isso é verdadeiro?
Carlos
Alberto Costa: É verdade? É. Que vocês têm lei, têm; vocês têm umas leis
fantásticas e maravilhosas para combater esse tipo de crime.
Carta Capital: E quanto aos resultados?
Carlos
Alberto Costa: Where is the beef, onde está o bife? Essa era
sempre a pergunta que eu fazia a Adriane quando ela vinha com essa história da
ótima legislação. Que eu saiba, o Brasil nunca recuperou dinheiro ilícito
valendo-se do Coaf e suas leis. Só o fez quando eu, do FBI, recuperei o dinheiro
do juiz Lalau, e através da nossa legislação, certamente inferior à da Adriane.
Várias vezes eu tive de dizer:
"Bom,
vocês esqueceram do dinheiro". "Ah, é verdade, vamos buscá-lo", me respondiam. E
levou não sei quanto tempo para o dinheiro ser entregue, e só foi porque eu tive
de lembrar, além de fazer todo o trabalho para eles. Imagine que o Lalau quase
conseguiu vender o apartamento de US$ 1 milhão em Miami. Não o fez porque eu
consegui uma ordem judicial, por minha iniciativa. O caso Banestado foi outro em
que eu prestei assistência. Quem instituiu o conceito de força-tarefa, de ação
conjunta entre as instituições, foi o FBI, fui eu. Treinei, dei cursos em todo o
País a policiais civis, militares, federais, juízes, procuradores, promotores, e
muitos deles foram aos Estados Unidos, a treino, com meu orçamento. O órgão que
realmente funciona, pelo menos funcionava, é a parte investigativa do
INSS.
"SURPRESA É QUE NA ESPIONAGEM A KOFI ANNAN OS FLAGRADOS TENHAM SIDO OS INGLESES... (RISOS...)" |
Carta Capital: E por que não
conseguem recuperar o dinheiro ilegal fora?
Carlos
Alberto Costa: O Coaf, tecnicamente, é para
rastrear os ativos ilícitos, para depois encaminhá-los ao Ministério Público
para o processo e a recuperação. Há pouco, o Ministério da Justiça criou o
Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Pelo
que vimos e conhecemos, nesses órgãos não se tem, para dizer o mínimo, idéia do
que e como fazer esses processos. Até agora não justificaram suas existências.
Nos Estados Unidos, quando há escassez de pessoal, o governo costuma contratar
empresas privadas para fazer esse tipo de investigação, e dá uma porcentagem, de
10% a 25% do que é rastreado. Vocês, aqui, têm algumas empresas capacitadas a
fazer esse trabalho. Por quê não as usam?
Carta Capital: Como é com os políticos brasileiros? Vocês os
acompanham?
Carlos
Alberto Costa: Sim, sim.
Carta Capital: Têm um dossiê
de cada um?
Carlos
Alberto Costa: Bom, todas as coisas sobre
quem interessa ter, sobre quem tem poder e influência. Isso faz parte dos
deveres no estrangeiro, saber quem são as pessoas. Isso é fundamental. Agora, se
o Brasil o faz ou não faz, não sei. Deveria fazer por intermédio da suas
Agências de Inteligência.
Carta Capital: Como eram as suas relações, de chefe do FBI,
com políticos, com governadores...
Carlos
Alberto Costa: Conheci vários. Amazonino Mendes (AM), um bom
amigo, Esperidião Amin (SC), conheci o Jaime Lerner (PR), entre
vários outros. Acho que eles, em relações internacionais, são um pouco ingênuos,
à exceção do Amazonino, um homem perspicaz. O Garotinho...
Carta Capital: Você conheceu o Garotinho?
Carlos
Alberto Costa: Ele é um bom amigo, um político talentoso. Ele foi o
único político brasileiro convidado para a posse do presidente Bush, em janeiro
de 2000. Convidado por mim através do então prefeito de Miami, Joe Carollo, ele
foi apresentado ao governador Jeb Bush, irmão do presidente, numa noite de
nevasca. Estávamos de smoking. Ele esteve comigo no Departamento de Estado, na
OEA, e fomos à sede do FBI em Washington...
Carta Capital: O Garotinho ficou à vontade?
Carlos
Alberto Costa: Muito à vontade. Recordo-me de que, na sede do FBI,
entregou um cartão dele à minha secretária e disse: "Te dou esse cartão para que
um dia você possa dizer que conheceu, aqui na sede do FBI, alguém que no futuro
seria presidente do Brasil". Ele é talentoso, mas acho que se precipitou, ainda
é muito jovem, não deveria ter disputado a eleição presidencial.
Carta Capital: Esse é um
mundo de espiões e tem suas regras próprias. O senhor certamente sabe que o
"Serviço" não irá gostar do que revelou ao longo desta entrevista...
Carlos
Alberto Costa: É óbvio, é uma organização
muito sigilosa. Mas eu não vou revelar informações que não devo, nem técnicas de
investigação, equipamentos ou o que está a se fazer numa investigação contra uma
ou outra pessoa, outra instituição ou outro país. Isso seria uma coisa que
afetaria não só o FBI, mas afetaria a nação americana. Mas o que eu posso falar
e devo falar é que a organização está a ir por água abaixo, que estão a fazer
coisas
erradas, e não a servir a sociedade americana ou ao mundo. Está tudo mal
direcionado e eu vou falar...
Carta Capital: E se tentarem desacreditá-lo?
Carlos
Alberto Costa: É o que eu espero, pois conheço o Animal há 22 anos, sei
como ele é. Vamos aguardar. Essa é uma história que ainda pode ter muitos
capítulos, cada vez mais picantes, espetaculares, se assim o desejarem. Fatos
que interessem não apenas ao Brasil, mas a toda a comunidade internacional,
inclusive ao Congresso americano. Estamos só no início...
Carta Capital: E se o senhor for acometido por uma gripe
terminal?
Carlos
Alberto Costa: (risos). Se uma gripe terminal me atingir...
Carta Capital: Uma gripe súbita, digamos assim.
Carlos
Alberto Costa: Uma gripe súbita, como você diz. Bem, eu também aprendi,
com os próprios que me criaram, a me proteger e a enfrentar. Muita coisa que
poderia ser exposta já está gravada, escrita, e nas devidas mãos, se alguma
coisa me acontecer...
Carta Capital: Em caso de uma gripe terminal se saberá por
que você teve essa gripe?
Carlos
Alberto Costa: Isso. E muito, muito mais do que nós falamos ou deixamos
de falar aqui.
Carta Capital: Você tem a intenção de escrever algum
material específico sobre os seus 22 anos como agente e chefe do FBI? Carlos
Alberto Costa:
Já produzi uma parte das minhas memórias e isso inclusive está...
Carta Capital: Em local não revelado e...
Carlos
Alberto Costa: (risos) Tem que ser assim...
Carta Capital: Para o caso da gripe súbita...
Carlos
Alberto Costa: E entregue a pessoas de confiança que saberão o que fazer
se acontecer algo fora do normal. Asseguro a você que são fatos que levariam a
uma enorme repercussão internacional. Quanto à primeira parte das minhas
memórias, já tenho até a idéia de um nome para o livro...
Carta Capital: Qual é o nome do livro?
Carlos
Alberto Costa: FBI: o Mito e a Realidade. Vou dar, em detalhes,
casos concretos, histórias, etc. O que é, o que não é, como devia ser, o tamanho
do desperdício humano e financeiro e como o povo americano também não está a ser
bem informado, inclusive, sobre o que verdadeiramente é o FBI.
Carta Capital: Os ingleses
são os grandes aliados do governo Bush. Em Londres vocês espionam os
ingleses, o governo Blair?
Carlos
Alberto Costa: (risos) Bom, eu também não
vou comentar isso... no mundo da espionagem tudo é válido, vamos assim dizer,
mas não quero falar sobre a espionagem aos ingleses. São informações que não
podem ser reveladas.
Carta Capital: E esse recente
episódio do governo Tony Blair grampeando o secretário-geral da ONU, Kofi Annan?
Carlos Alberto Costa: O que me surpreende é que nessa operação os flagrados, os expostos,
tenham sido os ingleses...
Carta Capital: (risos)
...mas, Carlos, isso é humor tipicamente inglês.
Carlos Alberto Costa: (Risos. Apenas risos).
Carta Capital: Esse assunto sobre
espionagem às Nações Unidas estará no livro, em detalhes?
Carlos
Alberto Costa: Bem, você vai ter que aguardar e comprar o livro.
Carta Capital: A propósito dessa coisa de grampos e
espionagem, qual é o clima hoje em Washington, como estão os direitos civis?
Carlos
Alberto Costa: Há um encolhimento dos direitos civis. Nossa sociedade é
cada vez menos democrática. A polícia pode entrar numa casa e fazer buscas sem
ter uma autorização judicial ou, melhor, sem ter tanto que explicar os seus
motivos a um juiz. Basta a desculpa da Segurança Nacional. Hoje em dia, por
exemplo, existem tribunais secretos.
Carta Capital: Tribunais secretos?
DOSSIÊS DE POLÍTICOS...
E AS MEMÓRIAS
Carlos
Alberto Costa: Tribunais nos quais
agentes-chefes, como eu, em Washington, dentro de uma sala à prova de escutas,
grampeamentos, totalmente isolada, uma câmara fechada, totalmente secreta para
que nada vaze, para que nada seja aberto ao público, depõe perante um juiz
especial num caso qualquer. Com isso, sob a alcunha de Segurança Nacional,
terrorismo, consegue-se rapidamente autorização para escutas telefônicas,
grampeamentos vários.
Chegou-se a um ponto que hoje há mais autorizações secretas nos Estados Unidos do que as normais. Imagine aí o espaço para arbitrariedades, abusos. Os agentes do FBI são grandes literatos, a maioria dos juízes não entende nada e engole qualquer coisa com poucas perguntas, não há um controle disso. Os tais checks and balances, fundamento do nosso sistema democrático, nesse caso foram postos de lado. São poderes de exceção para uma polícia. E afirmo aqui que sob falso motivo eu nunca depus durante a minha carreira no FBI.
Chegou-se a um ponto que hoje há mais autorizações secretas nos Estados Unidos do que as normais. Imagine aí o espaço para arbitrariedades, abusos. Os agentes do FBI são grandes literatos, a maioria dos juízes não entende nada e engole qualquer coisa com poucas perguntas, não há um controle disso. Os tais checks and balances, fundamento do nosso sistema democrático, nesse caso foram postos de lado. São poderes de exceção para uma polícia. E afirmo aqui que sob falso motivo eu nunca depus durante a minha carreira no FBI.
Carta Capital: Por último, uma questão, digamos assim, pessoal. Qual o significado do verbo sancionar?
Carlos
Alberto Costa: (risos). Sancionar é uma
ordem, uma autorização dada pelo governo para exterminar alguém. Para matar...
Carta Capital: Terminar
subitamente com a vida biológica de outrem.
Carlos Alberto Costa: O FBI não sanciona! Essa autoridade é dada à CIA. Isso existia
desde...
Carta Capital: Desde a
Segunda Guerra...
Carlos Alberto Costa: Desde a Segunda Guerra, e existiu até quando o presidente Gerald
Ford, pós-Nixon, por Ordem Executiva, proibiu o sancionamento.
Carta Capital: Sancionamento,
um belo eufemismo. É politicamente correto, não?
Carlos Alberto Costa: O grande e brilhante presidente
Bush autorizou novamente os assassinatos. Na minha opinião, e sei que também na
de muitos colegas tanto do FBI como da CIA, é algo bárbaro, contra os princípios
mais elementares da humanidade e de uma sociedade democrática, a que se
considera a mais moralista e civilizada do mundo. A que se autodenomina a
Polícia do Mundo.
Carta Capital: Até porque tem
sempre alguém que vai ter de determinar o que é ou não um assassinato político,
vai decidir sobre a vida ou a morte de um alvo.
Carlos Alberto Costa: E aí é que é o problema, porque os que para alguns podem ser
os inimigos, os terroristas, para outros podem ser os libertadores. Por exemplo:
quando os peregrinos ingleses já nos Estados Unidos se revoltaram contra a Coroa
inglesa para impor a sua independência, tornar-se um país independente, foram
considerados terroristas, ou algo assim, pelos britânicos. (FIM)
Leia também...
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