"O processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff foi violentíssimo. Um bando, em sua maioria de corruptos e poderosos, tomou de assalto o poder, pisoteando a Constituição e os princípios mais elementares do jogo democrático: respeito às regras e às deliberações populares", diz Robson Sávio Reis Souza, professor da PUC-MG; "De repente, nos bastidores, mais uma vez, o pacto entre elites operava silencioso. Setores do PT e aliados, coronéis do PMDB, membros do judiciário costuraram esse acordo de cavalheiros para minimizar a violência do golpe e aplacar a ira dos cidadãos: a cassação do mandato e a preservação dos direitos políticos da presidenta"
O processo de impeachment contra
a presidenta Dilma Rousseff foi violentíssimo. Um bando, em sua maioria
de corruptos e poderosos, tomou de assalto o poder, pisoteando a
Constituição e os princípios mais elementares do jogo democrático:
respeito às regras e às deliberações populares.
A coalização golpista, um
ajuntamento de interesseiros – que doravante se agafanharão para
conseguir seus pleitos no presente e no futuro -, como ocorreu em vários
momentos da história nacional (1954 e 1064 estão logo ali), não mediu
esforços para alcançar seus objetivos: tirar a fórceps a presidenta,
interromper um governo de viés mais popular e tentar, com o golpe e numa
só tacada, extirpar o PT. Com a empreitada, objetivou-se também
sinalizar à sociedade que os velhos-novos coronéis estão de volta, em
nome da “lei e da ordem” (deles).
Mais uma vez o processo político
foi determinado pelas nossas elites conservadoras, com forte indistinção
entre público e o privado e seu desdém às leis, normas e valores
republicanos. Elites que insistem em sustentar um caduco sistema
político afastado do povo; uma democracia semdemos.
O modus operandi dessas
elites é simples e simplório: como não respeitam as normas, consideram o
direito apenas na sua formalidade e não operam para o funcionamento das
instituições nos moldes republicanos, sempre lhes cabe determinar os
rumos da história. Aos cidadãos restam a dependência aos favores
pessoais e às clivagens de classe para o acesso aos bens públicos e aos
direitos de cidadania. E ponto.
Porém, é imperioso dizer, esse
pensamento não é somente das elites da direita tradicional. Grupos de
elite da esquerda agem da mesma forma quando no poder. Pensam que a
transformação só se opera pelo pacto entre as elites e conspiram quando
há iminência de renovação de baixo para cima, apesar do discurso.
Os protestos de 2013 sinalizaram o
movimento de insatisfação geral dos brasileiros em relação a um estado
que não opera para realização da cidadania de e para todos e todas.
Passado aquele momento, todos os políticos tradicionais, de direita e de
esquerda, voltaram para o seu gabinete. E esqueceram que há uma
insatisfação latente da sociedade, não somente no Brasil, como esse
modelo que “não nos representa”.
Neste sentido, Dilma deve um mea culpa à
sociedade. No segundo governo, talvez meio abandonada pelo comensais do
poder, ao invés de uma guinada para aumentar sua base popular, a
presidenta foi logo tentar as conciliações por cima, inclusive indicando
para ministro da Fazenda um preposto de seus algozes.
Pois bem. Incapazes de absorver
essa gramática social – um clamor por uma nova política lastreada nas
demandas populares -, as esquerdas patinaram desde 2013. E, como na
política não há espaço para vácuos, os segmentos de direita que se
empoderaram na ocasião, capturando uma parte dos “revoltados” on e off line, articularam a mais ampla coalização da história deste país. E todos vimos o resultado nesse processo fajuto de impeachment, um verdadeiro estupro à democracia.
O povo, em 2013, pedia mais estado
(mais e melhores políticas públicas) e, paradoxalmente, menos de três
anos depois tomou de assalto o poder o grupo que fará o oposto: mais e
muito mais para o deus-mercado.
Como a história é movimento e disputa contínuos, o processo de impeachment começou
a rearticular amplos e diversificados segmentos sociais e as esquerdas
no Brasil. Uma nova potência está em construção. A violência do processo
conduzido pelas velhadas elites políticas; suas características
machistas, misóginas, elitistas, autoritárias; seus principais atores
atolados na corrupção e no discurso vazio do moralismo; a participação
escancarada da mídia oligopolizada; o dinheiro sujo das empresas
sonegadoras; a ação seletiva de juízes, promotores e policiais agindo
num estado paralelo dentro do estado democrático. Tudo isso começou a
despertar em setores sociais dos mais distintos uma imensa indignação e
repulsa. As ruas voltaram a falar.
A violência da destituição da
presidenta e a não menos violenta leniência em relação a políticos como
Eduardo Cunha escancararam, interna e externamente, o golpe. Criaram-se
condições para que a insatisfação latente da população em relação ao
carcomido sistema político voltasse a ocupar o centro do debate.
De repente, nos bastidores, mais
uma vez, o pacto entre elites operava silencioso. Setores do PT e
aliados, coronéis do PMDB, membros do judiciário costuraram esse acordo
de cavalheiros para minimizar a violência do golpe e aplacar a ira dos
cidadãos: a cassação do mandato e a preservação dos direitos políticos
da presidenta. O velho esquema do bate-e-assopra para manter tudo como
sempre esteve.
Esse tipo de acordo enfraquece e
impede a transição do Brasil para o moderno. Nossos avanços parecem
estar sempre fadados a serem graduais, não violentos, conchavados. É
sempre uma modernização conservadora, pactuada nos bastidores;
conciliadora. Uma revolução passiva. Um jogo político sempre controlado.
Porém, estou convencido que o
momento histórico poderá criar condições para superar essa velha marca
do processo de transformação social brasileiro.
A pluralidade e a diversidade que
emergiram da sociedade nos últimos anos; o gradual protagonismo dos
jovens e das mulheres; os novos atores sociais, com suas
clivagens identitárias, étnicas e sexuais que não aceitam a condição de
expectadores dos jogos políticos tradicionais poderão imprimir uma nova
gramática à nossa Nação.
Esses grupos, historicamente
invisibilizados e excluídos do processo político, conheceram outro
mundo; uma outra forma de se produzir e se reconhecer o mundo.
Espero que esses grupos estejam
dispostos a fazer história. E não aceitar, mais uma vez, que o conchavo
das elites impeça os avanços substantivos da nossa sociedade.
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