EMIR SADER // http://www.brasil247.com/
O
mundo tinha se acostumado, neste século, com uma imagem marcante do
Brasil. Líder da América Latina, que ele ajudava a projetar de forma
extremamente positiva; força global na discussão e decisões dos grandes
problemas do mundo; destaque ímpar na luta contra a fome e as
desigualdades.
O
mundo tinha se acostumado com a presença de grandes líderes como Lula e
Dilma, e agora não entende e tem dificuldades de ver o Brasil tendo um
governo presidido por um tipo medíocre, burocrático, sem ideias, palerma
como Temer.
Mesmo
para quem não conseguiu acompanhar a discussão sobre crimes de
responsabilidade e impeachment, bastam essas mudanças regressivas para
que todos se convençam que se trata de um golpe. Senão, como o país
abandonaria uma política externa de tanto sucesso, políticas sociais que
conseguiram melhorias notáveis no país, como substituiria líderes
legitimados pelas vitorias eleitorais, por um grupo de políticos
corruptos, incompetentes, antipopulares e antidemocráticos?
O
Fora Temer é mais conhecido que o próprio Temer. O golpista é usado
normalmente para caracterizar o novo governo brasileiro. Ninguém entende
como o maior líder político que o Brasil já produziu é vítima de uma
perseguição política tão contumaz, sem que as instâncias do Judiciário o
protejam mas, ao contrário, fazem parte dos ataques à democracia e ao
movimento popular brasileiro.
Esse
processo de tentar recolocar o país numa forma estreita, amoldá-lo às
dimensões do mercado financeiro, causa espanto no mundo. Imprensa,
partidos políticos, líderes sociais, intelectuais, artistas, todos
expressam indignação em relação ao que se passa no Brasil e manifestam
convicção de que não é possível que o país siga muito tempo nesse
caminho de restauração de um modelo fracassado no Brasil e no mundo.
Estou
na Europa, no grande festival anual latino-americano na Bélgica, depois
também fazendo conferências em eventos similares na Suécia e na
Dinamarca. Eles, escaldados pelos desastres causados pelas políticas de
austeridade – o nome do esquema neoliberal que assola a Europa há tempos
–, olhavam para a América Latina com esperança, como referência. E
agora, desconcertados, veem a Argentina eleger um presidente rigidamente
neoliberal e se instalar, ainda que por um golpe, um governo igualmente
similar às devastadoras políticas de austeridade.
As
discussões, como não poderiam deixar de ser, versam sobre o que seria
"a pior crise da esquerda brasileira", o "fim do PT" etc., com as
conhecidas visões escatalógicas de uma esquerda curtida por tantas
derrotas. Não se dão conta que as maiores derrotas da esquerda
brasileira – e latino-americana –, se deram com os golpes militares e
com a ascensão dos governos neoliberais.
Que
hoje a esquerda, mesmo sofrendo reveses, está nas ruas, com grandes
manifestações de massa, na Argentina e no Brasil, com seus principais
líderes nesses países – Lula, Dilma, Cristina – aclamados como os
maiores líderes políticos, reconhecidos e legitimados pelo povo. Por
isso mesmo são vítimas de covardes e midiáticos ataques que tentam
destruir suas reputações, porque sabem que em disputas democráticas,
todos os políticos da direita seriam derrotados por eles.
Quando
houve as barbaridades ditas por Serra, por Temer, por Meirelles e por
obscuros ministros derrotados eleitoralmente, assim como veem as versões
absurdas da mídia brasileira, o mundo se dá conta de que algo muito
estúpido ocorre no Brasil. E como chega ao mundo as imagens cotidianas
das manifestações de repúdio a esse governo, o mundo se dá conta de que a
esquerda tropeça e sofre dura derrota, mas está de pé. De que se esses
governos não conseguem se transformar em ditaduras abertas, já sem
camuflagem, serão de novo derrotados nas próximas eleições, e este
período aparecerá como um triste e duro parêntesis, com a América
Latina, antes de tudo o Brasil e a Argentina, reencontrarão o caminho do
desenvolvimento com distribuição de renda e voltarão a ser referências
fundamentais para a esquerda de todo o mundo.
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