"Lula, prepare-se que eles vão querer te processar, cassar ou
prender. Se não conseguirem, vão tentar te matar", disse, no passado, o
ex-premiê Felipe Gonzalez a Lula; segundo o jornalista Luis Nassif, que
considera frágil a denúncia contra o ex-presidente, ele agora deveria
seguir os conselhos de Gonzalez e cuidar mais da própria segurança
Por Luis Nassif, no jornal GGN
Peça 1 - a luta política global
Anos atrás, o ex-presidente espanhol Felipe Gonzáles alertou Lula, conforme testemunhou o governador do Piauí Wellington Dias:
– Lula, prepare-se que eles vão querer te processar, cassar ou prender. Se não conseguirem, vão tentar te matar.
O alerta, com pitadas
trágicas, não é para ser ignorado. O próprio Gonzáles fora alvo de uma
caçada implacável, parceria da mídia com o Ministério Público espanhol.
Não apenas ele. Trata-se de uma luta política global que tem vitimado,
uma a uma, as principais lideranças da socialdemocracia mundial. No caso
brasileiro, de forma mais explícita devido ao baixíssimo nível dos
principais protagonistas políticos, jurídicos e midiáticos envolvidos.
Por uma questão de
realismo, para tentar traçar qualquer cenário futuro é importante que
sejam consideradas as seguintes premissas:
1. Não se está
definitivamente em um estado democrático de direito. Portanto,
manifestações de isenção serão a exceção, não a regra.
2. A pantomima montada
pela Lava Jato de Curitiba é a comprovação cabal de que a Procuradoria
Geral da República e a Lava Jato são personagens de um enredo maior,
cujo objetivo final é liquidar com Lula e o PT.
3. A anulação de Lula
exige um aumento dos abusos; e esse aumento dos abusos poderá despertar a
consciência jurídica de setores até agora à margem dessa disputa.
4. Por tudo isso, o
sub-show de ontem, em Curitiba, não encerra a temporada de caça a Lula e
significa uma nova etapa na disputa política. Do mesmo molde que o
vazamento das conversas de Dilma e Lula – que expôs Rodrigo Janot –, e
sua condução coercitiva – que expôs a Lava Jato. Agora, obrigará o
Judiciário a tomar uma atitude, coibindo o arbítrio, ou rasgar a
fantasia e assumir-se definitivamente como poder discricionário.
Peça 2 - a acusação
A peça de acusação leva
aos limites da teoria do domínio do fato, comprovando definitivamente a
orquestração política, da qual o MPF é peça central.
O que faz ela?
1. Descreve todas as
injunções do presidencialismo de coalizão, mostrando que as barganhas
são fundamentais para a governabilidade.
2. Depois, lista várias
barganhas no governo Lula - entre as quais as diretorias da Petrobras -
admitindo que eram essenciais para a governabilidade. Mas... no caso de
Lula a barganha serviu para financiar os partidos, para enriquecimento
pessoal e para perpetuar o PT no poder. Pouco importa os diversos
depoimentos sustentando que barganhas com a Petrobras existem há
décadas. E o maior beneficiário pessoal da corrupção foi Lula.
A prova do pudim é provar que Lula enriqueceu com dinheiro ilícito. Bate no tríplex:
Diz a acusação: Lula visitou o tríplex com o presidente da OAS e com dona Marisa. Logo é prova de que é dono do tríplex.
Diz a defesa:
dona Marisa tinha cotas do edifício em questão. O tríplex foi oferecido
a ela pela OAS. Lula visitou-o com Léo Pinheiro e dona Marisa. Não
gostou e não ficou com o imóvel.
Prova do pudim:
qualquer documento que comprove que Lula algum dia teve a propriedade
do imóvel. A acusação não apresentou nenhum, porque "não temos provas,
mas temos a convicção". A defesa apresentou as provas de que o
apartamento tem outro proprietário.
A segunda “acusação” foi a de que a OAS bancou a guarda dos bens que Lula acumulou, enquanto presidente.
Prova do pudim: provar que os bens têm valor monetário para Lula.
Realidade: são bens da Presidência de República sob guarda do ex-Presidente. Portanto, inegociáveis.
A comprovação final seria
a investigação das contas do escritório Mossak Fonseca, especializado
em lavagem de dinheiro. O tríplex em questão era de alguém com conta em
paraiso fiscal montada pelo escritório. Mas, assim que se depararam com
uma conta offshore em nome da família Marinho, a Lava Jato interrompeu
as investigações sobre a Mossak Fonseca. Nada mais se disse, nada então
vazou.
Montaram um edifício retórico em cima de uma estrutura de bambu com requintes de crueldade, ao indiciar dona Marisa. E agora?
Peça 3 - os desdobramentos políticos
A insuficiência da acusação cria um enorme problema para o juiz Sérgio Moro e o TRF4.
O envolvimento do juiz
com a acusação - fato que afronta qualquer norma de direito - foi
saudado como sinal de profissionalismo, do juiz que sabe o que está
acontecendo e impõe mudanças no rumo das investigações, quando considera
que não estão bem embasadas.
Moro derrotaria Moro, não aceitando a denúncia? Evidente que não.
A bomba, então, será
transferida para o TRF4. O endosso à acusação significará um passo largo
em direção ao arbítrio e um tiro no coração do argumento de que Moro
jamais foi questionado pelos tribunais superiores por ser dotado de uma
técnica jurídica superior. Jamais foi questionado ou por afinidade
política ou por receio do rugir da besta das ruas.
A prova dos 9 será a tramitação dessa denúncia que traz desdobramentos complexos para o nosso Xadrez.
Ela foi atacada pelo PT
por razões óbvias; e por blogueiros estreitamente ligados ao Gilmar
Mendes e José Serra, por razões sutis. O grupo de Gilmar se valeu da
acusação para enfraquecer a Lava Jato, prevenindo eventuais futuras
ações contra Serra e Aécio Neves. De um lado, festejam mais uma ofensiva
midiática contra Lula. De outro, celebram a fraqueza penal da acusação.
Conseguindo emplacar a
tese da mediocridade da peça acusatória - tarefa facilmente demonstrável
- se fortalecerá a reação, quando, em um ponto qualquer do futuro, a
Lava Jato se dignar a olhar para o PSDB. Saliente-se que a peça é
vergonhosa, mesmo.
Mas, por outro lado,
poderão prejudicar a estratégia macro, de inabilitação de Lula para
2018. Preso por ter cão; preso por não ter cão.
Como pano de fundo,
tem-se movimentos tectônicos na política, com o quadro partidário
começando a ser redesenhado após o terremoto.
Peça 4 - o fator PSDB e a frente do golpe
A lógica do xadrez é
insuficiente para abarcar as múltiplas possibilidades que se abrem, pelo
fato de haver vários atores aliando-se taticamente em um momento,
entrando em conflito no momento seguinte, sem nenhuma coerência
ideológica, nem histórico de lealdade pessoal. É quebra-pau de saloon de
faroeste. O mais bonzinho traiu o melhor amigo no dia seguinte ao da
sua nomeação.
A primeira grande confusão são as expectativas de cada ator que se uniu para deflagrar o golpe:
· A camarilha dos
6, de Temer: apostando em ir além de 2018. Para tanto atuará em duas
frentes: evitará medidas que possam ampliar a impopularidade; jogarão
para adiar as eleições de 2018, inclusive apostando no endurecimento do
regime. E, consequentemente, serão gradativamente deserdadas pelo
mercado.
· Os PSDBs: de
Aécio e Alckmin em conflito cada vez maior com a camarilha dos 6 e entre
si. Seu principal líder, o Ministro Gilmar Mendes, tem poder de fogo no
TSE (Tribunal Superior Eleitoral), podendo se dar por ali o desfecho
dos conflitos. José Serra está fora do jogo maior, louco para ser
abrigado pelo PMDB de Temer, e também tem Gilmar como aliado.
· Temer
equilibra-se entre os dois grupos. É político menor que se move por
sobrevivência política de curto prazo e precisa ser guiado. Antes, o
cão-guia era Eduardo Cunha. Agora é Eliseu Padilha e Romero Jucá. Se
precisar se apoiar no PSDB, aderirá.
· O presidente da
Câmara, Rodrigo Maia, começando a se entusiasmar com a possibilidade de
ser um substituto de Michel Temer, caso o “Fora Temer” e os conflitos
com o PSDB forcem o TSE a impichá-lo também.
· O PGR Rodrigo
Janot, jogando preferencialmente com o PSDB de Aécio Neves, mas tendo
como objetivo maior a destruição de Lula e do PT. Adiará o máximo
possível qualquer denúncia contra Aécio. É ambicioso e abraça
apaixonadamente qualquer causa que lhe garanta poder, mesmo que seja
totalmente contrária à paixão anterior.
· O STF (Supremo Tribunal Federal), preso em suas contradições e temores.
Todas as alternativas abaixo são possíveis, dependendo das circunstâncias do momento:
1. Uma aliança entre
Gilmar-Aécio-Rodrigo Maia-Janot visando impugnar Temer a abrir espaço
para um governo do PSDB tendo Maia como presidente, Gilmar atuando junto
ao TSE e Janot junto ao STF, tirando da maleta mágica denúncias contra a
camarilha.
2. Uma aliança entre
Gilmar-Temer-PSDB-Janot, com recrudescimento político, com o aumento da
ofensiva do Ministro da Justiça e do Gabinete de Segurança Institucional
com as PMs estaduais em torno da figura do inimigo interno. O PGR
ampliaria o exercício do direito penal do inimigo, tentando conferir
algum formalismo legal ao jogo e ajudando a dizimar os políticos
recalcitrantes.
3. Uma aliança Temer-Serra-Renan, esvaziando a camarilha sem abrir espaço para o PSDB.
Peça 5 - o fator Lula e PT
É nesse quadro confuso,
de um grupo de poder heterogêneo, sem lealdades e sem projeto de poder –
a não ser o de leiloar o país – que se entende mais facilmente a
ofensiva contra Lula. Depois do vexame de ontem, a Lava Jato virá com
outro inquérito secreto, usando o modelo Gilmar Mendes no TSE,
pretendendo investigar UMA empresa que contratou UMA palestra de Lula.
Repito: UMA. A síndrome do Fiat Elba – que serviu para condenar Fernando
Collor - não os abandona.
Nos próximos meses haverá
mudança drástica no panorama dos partidos políticos, especialmente os
de esquerda, com o PT dizimado pelo “mensalão” e o “petrolão”, e com uma
direção incapaz de entender os novos tempos e sem a iniciativa de abrir
o partido para a renovação, sequer para o belo think tank representado
pelo Instituto Perseu Abramo.
Há dois caminhos possíveis:
1. A manutenção do PT atual, com algum arejamento na direção, ambicionando manter o protagonismo de uma frente de esquerda.
2. A criação de um novo
partido, juntando o PT e partidos menores e políticos progressistas
ainda aninhados no PMDB, PSB e outros.
O segundo caminho é
defendido por lideranças expressivas do PT, como o governador do Piauí
Wellington Dias. Seria a maneira de arejar o partido e permitir a
montagem de uma grande frente.
Se o PT insistir em se
colocar à margem, mantendo a gerontocracia que o governa, e pretender
liderar essa frente de esquerdas, será engolido rapidamente por algum
novo partido que surgir com esse propósito.
Por isso mesmo, prepare-se para, dentro de algum tempo, conviver possivelmente com uma nova sigla de esquerda.
Em qualquer quadro, a
presença política de Lula é componente central: as esquerdas se
recompõem sem o PT; mas demorarão muito mais a se recompor sem Lula.
Quem ouviu o discurso de
Lula, ontem, saiu com a certeza de que, se o deixarem solto, em pouco
tempo arregimentará seguidores para a frente das esquerdas. Por isso
mesmo, seria medida de prudência ficar atento aos alertas de Felipe
Gonzáles e reforçar a segurança de Lula.
A política ingressa
definitivamente em um novo ciclo e Lula é a única liderança nacional
sobrevivente desses tempos de terremotos e redes sociais.
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