Estamos assistindo a um deprimente primeiro turno da eleição municipal em São Paulo. Candidatos conservadores -- de origem ou de reconversão -- se revezam nas posições de liderança, numa disputa política artificial, que não reflete a realidade política da cidade nem do país. Concretamente: pela primeira vez desde 1988 é possível que nenhum candidato vinculado aos interesses populares, até aqui expressos pelo Partido dos Trabalhadores, seja capaz de chegar ao segundo turno.
Como se não bastasse uma conjuntura nacional pouco favorável, quando faltam poucas semanas para o pleito, o universo político comprometido com a defesa da população pobre e explorada encontra-se dividido entre dois nomes respeitáveis, Fernando Haddad e Luiza Erundina. Em qualquer caso, ambos representam as melhores alternativas existentes para a cidade neste momento.
Mesmo considerando que as diferenças entre os dois são reais e não devem ser desprezadas, é possível imaginar que tanto Haddad como Erundina teriam todas as condições de fazer uma administração a altura das necessidades dos paulistanos. São prefeitos testados e aprovados, com um legado respeitável atrás de si. Representam uma alternativa bem vinda ao esforço múltiplo da velha elite paulistana para recuperar a cidade para seus interesses e privilégios.
Vamos combinar: para além dos interesses particulares e outras questões de detalhe, do ponto de vista dos adversários de Haddad e Erundina tanto faz quem venha ser o vencedor -- a única exigência é a exclusão de quem trabalha pelos mais pobres e menos defendidos. É nisso que todos -- com auxílio engajado dos meios de comunicação -- estão empenhados.
A mesma unidade sem escrúpulos que permitiu o golpe de 31 de agosto está formada em São Paulo, para resolver a questão central da eleição já no primeiro turno, excluindo os dois adversários realmente inconvenientes da segunda rodada para negociar o botim logo depois. No plano essencial, essa derrota é um caminho necessário à consolidação do golpe.
Num momento político como o atual, estamos numa disputa que não permite luxos. A luta política não envolve uma opção ideológica entre Haddad e Erudina mas entre os dois e o tripé de candidaturas adversárias dos interesses da maioria. A divisão só contribui para fortalecer o outro lado. Esconde as diferenças fundamentais, valoriza projetos pessoais, minimiza a tragédia que representa uma vitória conservadora na maior cidade brasileira. Também abate o ânimo de militantes e eleitores que, tanto ao lado de Erundina como de Haddad, enxergam, com razão, uma montanha íngrime a ser escalada na difícil esperança de atravessar a primeira fase.
Neste ambiente, de segundo turno antecipado, apenas uma iniciativa pode contribuir para mudar o horizonte da disputa e deixar claro, para cada um dos paulistanos, quais questões fundamentais estão em jogo, impulsionando o campo envolvido com interesses populares.
A poucas semanas da decisão, a iniciativa para recomeçar uma disputa que ameaça ser encerrada -- no fundamental -- de forma precoce, encontra-se nas mãos de Erundina. Ela deveria anunciar apoio direto e imediato a Haddad, emitindo um sinal político capaz de dar nova temperatura a seus aliados.
Refletindo uma realidade que não espelha sua força política na cidade, mas a falta de enraizamento dos partidos que a apoiam, a candidatura da prefeita que marcou a gestão de São Paulo entre 1988 e 1992 encontra-se em lento declínio, que dificilmente será revertido.
Desfavorecida pelas regras que definem o horário na TV, começou a perder terreno após o início da propaganda eleitoral.
A dificuldade não se encontra apenas aí. Em busca de espaço num campo minado, Erundina foi levada a um terreno difícil, onde o ataque ao concorrente politicamente mais próximo tornou-se um caminho ao mesmo tempo inevitável e prejudicial para ambos.
O fortalecimento de Haddad terá o efeito, saudável em qualquer circunstância, de limpar um terreno confuso e politizar um debate que até agora tem sufocado as questões principais. Nenhuma pessoa, muito menos quem foi a primeira mulher prefeita de São Paulo, eleita por uma plataforma de esquerda, tem interesse em apagar essa história.
Para uma candidatura comum, um gesto como esse poderia ser visto como sacrifício. Para Luiza Erundina, cuja carreira é um exemplo de coerência e espírito de luta, equivale a uma demonstração de consciência dos próprios valores e prioridades.
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