Com a cassação do deputado federal e ex-presidente da Câmara Eduardo
Cunha, acusado de quebra de decoro parlamentar ao negar a existência de
contas bancárias na Suíça na CPI da Petrobras, vem à tona a pergunta: e o
dinheiro nessa contas, o que acontece com ele?
Segundo especialistas consultados pela BBC, o destino dos estimados
mais de 5 milhões de francos suíços (US$ 5,1 milhões), espalhados por
quatro contas que, segundo o governo suíço, estariam ligadas a Cunha,
depende da comprovação de sua origem bem como da conclusão das ações
criminais contra ele.
Se for constatado que o dinheiro - que faz parte dos cerca de U$ 800
milhões de mais de mil contas congeladas na Suíça por suspeita de
ligação com o esquema de corrupção da Petrobras - vem mesmo de propinas
ou outros meios ilícitos, este deverá parar nos cofres da União.
As chances do ex-deputado reavê-lo estão na capacidade de provar que
sua origem é lícita, ou, conforme ele mesmo alegava, provém do lucro de
operações de comércio internacional realizados na África.
Para Rafael Mafei, professor de direito da USP, "os processos e as
investigações contra Cunha questionam a própria origem desses bens, já
que se tratam de acusações relativas a potenciais crimes de corrupção,
evasão de divisas e lavagem de dinheiro".
"Sendo assim, a disponibilidade dos valores deverá depender de esses processos e investigações chegarem ao fim."
A repatriação do montante só será possível uma vez que uma decisão de
condenação, ou absolvição, seja decidida pela Justiça do Brasil.
O Ministério Público Suíço informou à BBC Brasil que a cassação de
Cunha não altera a situação do político perante a Justiça do país no
momento, ou seja, não influencia em um eventual desbloqueio do dinheiro -
tampouco contribui para uma possível aceleração na definição de seu
destino final.
As contas
Três contas estavam no nome de trustes, e elas abrigariam propinas que,
segundo investigações das autoridades suíças, Cunha teria recebido por
facilitar um acordo entre a Petrobras e a Compagnie Béninoise des
Hydrocarbures, em Benin, na África.
A quarta conta está no nome da esposa de Cunha, a jornalista Cláudia
Cordeiro Cruz. Dela saíam recursos para pagar pelo cartão de crédito
internacional que custeava o alto padrão de vida da família.
O patrimônio não declarado foi revelado pelo Ministério Público da
Suíça em outubro do ano passado, que repassou o resultado de suas
investigações ao Brasil e mantém os recursos de Cunha e outras centenas
de contas congeladas.
A defesa de Cunha argumenta que os donos das contas são trusts - e que o
político seria apenas o beneficiário delas. Além disso, o ex-deputado
nega que os recursos venham de pagamentos ligados à Petrobras, e diz que
seriam provenientes de operações de comércio internacional realizados
na África antes de sua carreira política.
Repatriação
A procuradora da Fazenda Nacional e diretora do Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais, Fernanda Regina Vilares, explica que o retorno
desse dinheiro ao Brasil ainda deve demorar.
"Quando consegue-se bloquear dinheiro fora do Brasil, esse dinheiro só
pode ser retornado depois que houver uma sentença condenatória
transitada em julgado", explicou Vilares.
"Porém, todas as autoridades judiciárias na linha de hierarquia acima
de Moro - TRF4, STJ, STF - têm se mostrado coesas e duras com os
acusados da chamada Operação Lava Jato. Qualquer que seja a autoridade
que venha a julgá-lo, seu futuro não me parece promissor: ele deverá ter
juízes muito duros pela frente", completou Mafei.
Com a cassação e a perda de foro privilegiado, acredita-se que a ação
penal sobre as contas de Cunha na Suíça vá parar na Justiça do Paraná.
Delação premiada
A possibilidade de Cunha reaver parte do valor por meio de delação
premiada é improvável, estima Vilares. Segundo a procuradora, em uma
negociação desse tipo, o que é oferecido ao delator é a liberdade ou uma
pena mais branda, pois os recursos são fruto de crime e retornam
integralmente à União.
"A nossa lei prevê que todo o dinheiro resultante de um crime deve ser
perdido em favor da União e o que não for perdido deve servir para
ressarcir as vítimas. É muito difícil que o Ministério Público aceite
que a pessoa fique com parte do dinheiro", diz.
A delação premiada poderia acelerar o processo de repatriação, pois a
Justiça brasileira conseguiria acessar o montante bloqueado
imediatamente após a homologação da delação.
"A delação premiada pressupõe que o acusado confesse todos os seus
crimes e indenize os prejuízos por ele causados. Se esses valores forem
provenientes de ilícitos que Cunha confessar em sua delação, entendo que
ele deverá perdê-los, mesmo se fizer delação", reforça Mafei.
"Se, porém, no contexto do acordo de delação, ele conseguir provar que
ao menos um parte desses valores têm origem lícita, então poderia
reavê-lo ao menos em parte. O importante é que ele deve confessar todos
os crimes e pagar multa ou indenização referente àquilo que confessar",
conclui.
Na segunda-feira, depois de ser cassado, Cunha voltou a negar que
pretende fazer uma delação. "Só faz delação quem é criminoso, eu não sou
criminoso".
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