12.09.2016

Reforma não corrige distorções, desmonta o modelo previdenciário


Por Luís Nassif, no Jornal GGN
Peça 1 – a Previdência e o pacto democrático
Os grupos que se uniram para assaltar o poder romperam o pacto democrático e, agora, há uma disputa feroz pelo controle do aparelho do Estado. É nítido na maneira como se pretender desconstruir o modelo de Estado que surge da Constituição de 1988.
A Previdência Social, com o Regime Geral e com a Seguridade Social significaram um avanço civilizatório gigantesco e foram fruto do pacto, da luta democrática e social que floresce em 1988, no pós-ditadura, como lembra o ex-Ministro Miguel Rossetto.
Como proposta, a reforma da Previdência e o desmonte da Seguridade Social é a barbárie, a própria negação do direito previdenciário construído pela democracia brasileira.
Os problemas enfrentados agora pela Previdência não decorrem do descontrole das despesas, mas da brutal queda da arrecadação previdenciária, por conta da recessão, desemprego e renúncias previdenciárias legais, acentuadas no governo Dilma.
O que se pretende não é a correção de distorções, mas o desmonte do modelo previdenciário.
Ao igualar homens e mulheres, as novas regras desconsideram a condição feminina, a maternidade ou o fato de, nos lares mais humildes, a mulher sempre receber o encargo de administrar os problemas familiares, um conjunto de responsabilidades que impede o cumprimento integral do tempo de trabalho.
Além disso, na realidade do mercado de trabalho brasileiro, com a rotatividade periódica do emprego, é muito difícil mesmo para o homem cumprir integralmente o tempo de trabalho. Sua renda não permite juntar uma poupança para pagar a Previdência nos tempos de desemprego.
Finalmente, é criminoso tirar o salário mínimo do BPC (Benefícios de Prestação Continuada), muitas delas famílias extremamente pobres, com pessoas com deficiência. Tenta-se tirar o único benefício dos pobres entre pobres, famílias em situação de miséria.
As distorções não param por aí.
Retirar o tempo de trabalho e de contribuição é um enorme erro, por conta do perfil de trabalho do brasileiro: pobres começam a trabalhar formalmente aos 16 anos; os mais ricos, aos 25 anos. No campo, começa-se a trabalhar muito mais cedo e em muito piores condições de trabalho.
Países que têm como critério a aposentadoria por tempo de trabalho são aqueles de mercado de trabalho mais homogêneo.
Peça 2 – os problemas reais da Previdência
Há um problema geracional em todos os sistemas de previdência, na medida em que aumenta a expectativa de vida das pessoas e aumenta também a idade média da população. Cria-se a situação em que o tempo de aposentadoria passa a ser maior que o tempo de contribuição.
São problemas de longo prazo que exigem acordos no presente, para implementação gradativa, sem grandes traumas.
Por ser tema estrutural, as soluções têm que ser negociadas, pactuadas, aceitas pelos cidadãos. Pela fórmula atual, a pessoa só conseguirá se aposentar com a aposentadoria integral com 45 anos de contribuição.
No governo Dilma, adotou-se inicialmente a fórmula 85/95 – a soma do tempo de contribuição com idade respectivamente para mulheres e homens. Permitia uma aposentadoria superior ao fator previdenciário, mas que iria se ajustando ano a ano.
Não resolvia o longo prazo, mas valia como como início de discussão. O passo seguinte seria convocar as centrais sindicais, o Congresso e os empresários para discutir as saídas e acertar o grande acordo.
Peça 3 – a impossibilidade de um acordo
Pela abrangência, pelos impactos sobre as próximas décadas, propostas dessa natureza não podem provir de um governo ilegítimo, empurrando goela abaixo da população, baseando-se na máquina de moer consciências das Organizações Globo.
Trata-se da consolidação de um modelo infame que, em outros tempos, envergonharia até mentes mais insensíveis, como o Ministro Luís Roberto Barroso – que se jacta de falar em nome do futuro, contra o atraso.
A insensibilidade de Barroso, a maneira como atropela princípios básicos de um regime democrático – como endossar as medidas autoritárias em cima do orçamento -, o pensamento autocrático são típicos de uma burguesia da República Velha, pré direitos sociais básicos.
E, se insisto em mencioná-lo, é por ser o representante máximo do que mais anacrônico a elite brasileira produziu, o intelectual falsamente sofisticado, que trata as ideias com a mesma superficialidade com que busca bens de consumo da moda, sem jamais se introjetar princípios básicos constituintes de uma sociedade civilizada.
A agenda proposta inviabiliza o direito previdenciário.
É indecente num sistema tributário em que a maior parte dos tributos é arrecadado de contribuintes de baixa renda, cortar os benefícios dos mais pobres mantendo as brechas que permitem aos de maior renda beneficiar-se do planejamento fiscal e dos juros praticados pelo Banco Central.
Tenho sido, em geral, contrário às medidas radicais, à intolerância política, ao radicalismo estéril. Mas endosso a posição de Rosseto: qualquer tentativa de negociar esse pacote será um endosso à liquidação do direito previdenciário.
Peça 4 – o país da bazófia
A exacerbação em torno do golpe, a falsa frente majoritária que derrubou o governo criou em muitos de seus protagonistas a falsa sensação de segurança, típica das torcidas organizadas, que transforma os pusilânimes em valentes, os fracos em truculentos, os tímidos em arrogantes.
Passado o instante de catarse, muitos são apanhados em flagrante, com seus medos e fragilidades, como as cortinas do teatro que se abrem e flagram o ator urinando no vaso de flores na frente de uma plateia lotada.
Valente 1 – a Ministra Carmen Lúcia declara guerra aos políticos, dá palavras de ordem, pratica quatro frases de efeito e arregimenta a categoria e o populacho. Aí, no meio do caminho tinha um presidente do Senado, e ela recua tão ostensivamente que faz questão de registrar seu voto de presidente favorável a Renan. Nem seguiu a máxima do recuo: não seja tão lento que pareça provocação, nem tão rápido que sugira medo.
Valente 2 – O valente Eliseu Padilha anuncia a reforma da Previdência e retira dela os militares e a Polícia Militar – que supunha os únicos poderes armados. Aí a policia civil e os bombeiros fazem o maior pampeiro, inclusive enfrentando a PM do Rio de Janeiro. Depois, 190 representantes de sindicatos de policiais, bombeiros e agentes penitenciários invadem o Ministério da Justiça. O Ministro Alexandre de Moraes, depois de sua notável performance carpindo pés de maconha no Paraguai,  nem ousa aparecer.
No final do dia, vem o recado ligeiro: policiais e bombeiros estão fora da reforma.
Valente 3 – com a queda de Geddel Vieira Lima, depois de dias e dias ganhando coragem, Michel Temer nomeia o tucano Antônio Imbassahy como Secretário de Governo. O centrão bate o pé e Imbassahy sai de cena, antes mesmo de entrar.
Valente 4 – O douto representante de Eduardo Cunha e Eliseu Padilha na EBC, Laerte Rímoli, manda embora a apresentadora Leda Nagle. Os protestos invadem a rede e merecem home de O Globo Online. Imediatamente, recua, antes mesmo de pensar em uma saída estratégica.
Valentes 5 – Tal e qual um Aníbal, o Cartaginês, Geddel e Padilha irromperam nas hostes adversárias indo direto ao butim, mandando demitir servidores, criando um crivo ideológico nas verbas da Secom. Com os primeiros petardos, Geddel é flagrado aos prantos, pelos corredores do Planalto, e Padilha internado com pressão alta. Nesse ínterim, a postura altiva de Dilma Rousseff é reconhecida pelo Financial Time, que a premia como uma das mulheres de 2016 por seu comportamento na tragédia do impeachment.
Duas conclusões reiteradas:
1.     O governo Temer morreu.
2.     Não há saída fora do grande pacto em torno das eleições diretas

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