Sempre espectadores da História, os brasileiros passam a ter um papel definidor para o futuro da nação
Luiza Villaméa/ Foto Ricardo Stuckert - PRRAÍZES
Lula procurou não se afastar das origens.
A mobilidade social se tornou uma marca
A mobilidade na pirâmide social tem como sustentáculo uma série de indicadores econômicos positivos e faz parte de um processo de décadas, como lembra o sociólogo Otávio Soares Dulci, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. “No Brasil, a mudança na estratificação social vinha ocorrendo gradualmente desde o período Getúlio Vargas”, afirma Dulci, referindo-se ao presidente conhecido como “pai dos pobres” que, entre outras conquistas sociais, consolidou os direitos trabalhistas no País. Só que, enquanto as políticas do período Vargas beneficiaram sobretudo a população urbana, Lula atingiu também os grotões e parte dos excluídos do mercado de trabalho. Além disso, há uma grande diferença de ritmo, volume e impacto na sociedade. “O processo, que era gradual, se acelerou de forma intensa nos últimos anos, com repercussões na cidadania”, compara Dulci. “À medida que se emancipam de suas privações, as pessoas ficam mais propensas a atuar na sociedade.” Associado ao fortalecimento da cidadania, o círculo virtuoso da economia funciona como propagador de uma sensação positiva pelo Brasil. Até mesmo a projeção internacional alcançada pelo País ajuda a aumentar o sentimento de brasilidade.
PRIMEIROS PASSOS
Conquistas do governo Getúlio Vargas
beneficiaram sobretudo os setores urbanos
Prosperidade incentiva a brasilidade
Identidade nacional em formação
Ainda há muito o que fazer, mas a guinada essencial para a mudança de rumo foi dada. Não é pouca coisa. Há menos de 200 anos, quando o Brasil nasceu como nação independente, não havia sequer a ideia de povo brasileiro. “Não tinha esse sentimento de identidade nacional”, lembra Laurentino Gomes, que tratou do tema em sua mais recente obra, “1822”. Logo após proclamar a independência, don Pedro I teve que montar às pressas umas forças armadas que defendessem o País da reação portuguesa e aplacassem os movimentos separatistas regionais que ameaçavam fragmentar o Brasil. Diante da escassez de braços e mentes nacionais, o imperador precisou contratar mercenários estrangeiros.
Naquela época, 90% da população era analfabeta. A elite, formada por senhores de engenho e pecuaristas, tinha muito a perder com o rompimento com Portugal. Além do risco de uma guerra civil entre as províncias, havia a ameaça de explosão de conflitos étnicos, como acontecera pouco antes na ilha de São Domingo, no Caribe. “O que existe no Brasil em 1822 é um passivo de muita pobreza, de muita ignorância, herdado do período colonial”, recorda Gomes. “A noção de povo brasileiro surge muito depois da Independência, com a integração nacional, com a Abolição da Escravatura.”
TRADIÇÃO
Não havia a noção de povo brasileiro
quando Dom Pedro I proclamou a Independência
A ausência de uma identidade nacional era tão evidente que em 1838, quando foi criado, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro tinha como meta dar uma “origem comum” às várias partes do País. E, como observa a historiadora Mary Del Priore, a tentativa de unificação não era uma exclusividade nacional, já que boa parte dos países europeus também passava pelo mesmo processo. “O Romantismo ajudou”, ressalta a historiadora. “Misturando arqueologia com poesia, linguística com romances de folhetim, pintura com ópera, o movimento buscava explicar como o Brasil se tornou brasileiro.” Mary lembra ainda que há entre os historiadores aqueles que defendem que o objetivo só foi alcançado nos anos 1970, graças à televisão, às novelas e ao “Jornal Nacional”, formas contemporâneas de integração da brasilidade.
Tudo indica que o trabalho de construção da identidade nacional e de desfrute de suas potencialidades ainda não terminou. O detalhe fundamental é que o País está no momento ideal para zerar o passivo secular. Em 2000, o Brasil começou a viver o chamado bônus demográfico, uma situação singular na história de um país, durante a qual a população economicamente ativa é maior do que a inativa. “É o momento de dar o pulo do gato”, afirma o cientista político Aldo Fornazieri, diretor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. “Com a população altamente produtiva, o Brasil tem tudo para investir em capacitação, em pesquisa, em infraestrutura e resolver seus problemas.” De acordo com o cientista político, o ano ótimo será 2025. Depois, a partir de 2030, com o envelhecimento da população, os benefícios do bônus demográfico começam a declinar. Chegou, portanto, a vez do povo brasileiro. Agora é uma questão de não deixar passar a oportunidade.
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