3.12.2011

Aprender a Pensar

Ao trabalhar no Núcleo de Aconselhamento Psicológico, muitas vezes somos confrontados com pessoas
que apresentam dificuldades em estudar. Esta comunicação é fruto de algumas reflexões que fizemos
para ajudar estes alunos.
No ensino secundário, os alunos aprendem de pensar de uma certa forma. Ouve-se contar o que outras
grandes mentes da ciência descobrem e aprende-se a aplicar os métodos que eles inventaram.
Ás vezes percebem mesmo a matéria, noutras alturas simplesmente aprendem uma série de truques a
aplicar em certas situaçãos. Os truques dão perfeitamente para resolver as perguntas dos exames sem
que os alunos percebam muito bem do que é que se trata. Esta é uma estratégia válida. Trata-se de
optarmos pelo mínimo esforço para obter um efeito. Até diria que isto é um sinal de inteligênica. Nós
distinguimos aquilo que é verdadeiramente importante do que não é.
Obviamente tem que se ter cuidado com isso. Os truques têm as suas limitações. Na Universidade
existem cada vez mais cadeiras em que a estratégia de aprender truques ou memorizar não chega para
passar o exame. Já ouvi alunos dizer que em certas cadeiras os exames não têm nada a ver com a
matéria. Eu acho o que no fundo estão a dizer é que mecanizar as resoluções dos exercícios não chega
para resolver os exames. É preciso mais algo.
O objectivo desta curta comunicação é tentar definir o que é este algo e como promovê-lo.
O que verificamos é que é preciso começar a aprender de outra forma e que os alunos têm que começar
a pensar.
Para poder passar exames de algumas cadeiras os alunos têm que começar a perceber a matéria
verdadeiramente.
Mas há mais razões, além desta muito pragmática, pelas quais pode ser importante começar a pensar.
Por exemplo quando a matéria nos interessa verdadeiramente, ou quando se trata duma área em que nos
queremos especializar no futuro. Uma 3ª razão é que no mundo do trabalho, seja numa carreira
comercial ou científica, necessariamente tem de se lidar com situações novas e, portanto, saber pensar
é fundamental. Aqui vão aparecer problemas para os quais não existe nenhuma literatura ou solução
feita e em que temos que ser criativos.
Mas como é que se faz isto? Pensar? Onde é que começamos? O que é que fazemos?
O que é que podemos fazer para, por exemplo, perceber verdadeiramente uma matéria de uma cadeira?
O que é que se pode fazer além de ouvir o professor, seguir o seu raciocínio, tomar as notas, fazer os
exercícios?
O que é que se pode fazer mais? Como é que posso perceber melhor, leio mais sobre o assunto?, faço
todos os exercícios 3 vezes?
Eu dira que não. É preciso uma abordagem qualitativamente diferente. Algo profundamente diferente
de memorizar conhecimentos ou copiar métodos de outras pessoas. Vamos que ter que pensar por nós
próprios.
Queria dar-vos um pequeno exemplo do que pode ser isto de pensar por nós próprios de forma criativa.
Quantas maneiras há de entrar numa casa?
A resposta pode ser convencional- Pela porta, pela janela, etc., ou mais criativa- fazer um túnel, entrar
de helicoptero, grua, carro, estragar a parede, escada, paraquedas pela chaminé, canal de barco,
bomba,etc.
Ser criativo é pensar em coisas novas, coisas que não estam nos livros.
Curiosamente quando um problema é matemático ou físico não somos tão criativos e todos tendemos a
resolvê-lo da mesma maneira, de forma automática sem pensar.
Quantas vezes é que pensam em coisas novas?
Já pensaram como é que se podia melhorar o sistema de metropolitano de Lisboa, como é que se podia
contrariar a tendência de acumular de riqueza em cada vez menos pessoas, se há um fim na física, como
seria pensar como um membro de sexo oposto. Vocês já pensaram ?
Quando descobrimos que realmente podemos pensar sobre tudo e sermos criativos, pensar coisas novas,
coisas valiosas em que outras pessoas ainda não pensaram e que podem ser importantes, pensar pode
tornar-se muito motivador.
Retomando a questão do estudo: como é podemos aprender, pensando sobre a matéria?
Este foi um problema sobre o qual nós próprios também tivemos que pensar, porque as soluções não
estavam nos livros. Um dos métodos que seguimos foi ler umas biografias de fisicos e matemáticos
como Feinman, Einstein e Hadamard para ver o que eles tinham para dizer, como trabalhavam, como
abordavam os seus problemas. Junto com outra literatura encontrámos uma série de características nos
métodos de trabalho deles que nos foram úteis para peceber melhor o problema.
Vamos propôr 7 actividades, ou exercícios que no nosso ver promovem este tipo de pensamento.
Certamente ainda há mais, e têm que escolher qual é que funciona melhor para vocês. Mas a ideia é que
estas actividades quase inevitavelmente implicam ter que pensar. São tarefas em que não há um
caminho já feito, em que têm que ser criativos e inventar coisas. Noutras palavras é quase impossível
executar estas tarefas sem ter que pensar de forma original. Vou tentar dar um exemplo de cada
actividade que proponho.

1º Tentar inventar as coisas de novo
Sermos nós o inventor, o Einstein, o Newton etc
Dito forma mais simples, esta tarefa consiste em tentar resolver um problema sózinho primeiro, antes
de ser dada a solução.
Geralmente implica uma forma de preparação, por ex: tentar pensar em casa antes de ouvir o que o
professor tem para dizer, ou antes de ler nos livros.
Ex:
(supondo que ainda não se sabe nada sobre o assunto) Que caminhos pode o electrão percorrer à volta
do núcleo e porquê?

2º .Interrogarmo-nos
“o que é que aprendi nesta aula, o que é que foi verdadeiramente novo e não variações de coisas que já
sabia”. Isto obriga a explicitar e pôr por palavras nossas o que foi exposto. O que é que foi mesmo
novo? Isto obriga a reprocessar a informação.
ex: que é que aprendi nesta aula que ainda não sabia?

3º Experimentar variações do que foi proposto
Mudar varáveis ou condições iniciais e ver se o método funciona. Procurar alternativas
ex:
Aplicar as teorias a situações extremas ( 0, infinito, integrar, derivar, o que é que acontece quando
apago um termo numa equação ou função?)

4º Sermos críticos e encontrar os “espaços brancos”
Perguntar depois de ter visto uma solução “percebi a razão de cada passo, a razão de cada opção
tomada? Percebi mesmo tudo? Quais são aqui os pormenores que me incomodam?” Levar as dúvidas a
sério.
ex:.
-Feinman descreve como o pai (que tinha poucos estudos) lhe ensinou a diferença entre nomear,
descrever e explicar.
-Existe uma “teoria” que a água quente congela mais depressa do que a água que está inicialmente fria.
Um recente artigo no Scientific American só apresenta observações e nenhuma explicação pelo
fenómeno.

5º Explicar aquilo que se aprendeu a outras pessoas.
Isto obriga a utilizar novos termos, a criar de novo. Alguém disse que só se aprende quando se ensina.
O estudo em grupo fornece uma oportunidade para uma discussão com colegas e professores e também
nos obriga a reflectir. Se, no entanto, se está primeiro à espera da solução dos colegas, não resulta.
Ex:
Tentar explicar a um amigo que estuda outra coisa, à tua mãe ou irmão mais novo o que disse Einstein
ou o que estiveram a dar na última aula.

6ª Ser irreverente ou arrogante
Não acreditar só porque um Laplace ou Newton disse que uma teoria é verdade. Não acreditar que uma
teoria está necessariamente correcta, ou que um método não pode ser melhorado Tentar melhorar,
tentar outros caminhos. Perguntar “Isto não pode ser feito de forma mais simples ou melhor?”.
Não é relevante se se encontra de facto um método melhor ou não. O que conta é que se ganha um
entendimento mais profundo do problema ao tentar outros caminhos, ao brincar com as peças do
puzzle.
Ex:
Tentar resolver aquilo que ainda não foi resolvido por ninguém.
O Pi é impossível de definir? Já experimentaste provar o teorema de Fermat, encontrar números
primos?

7º Pôr novos problemas, experimentar o absurdo
O Einstein pensou durante anos sobre o que se via quando se viaja à velocidade de luz. Feinman
tentava perceber porque um espargete se partia sempre em dois sítios. Há sempre coisas à nossa volta
que podemos utilizar como puzzle: como é que posso descrever ou explicar como o público da
audiência está distribuido nesta sala.
É importante ser despreocupado com a utilidade, seguir a tendência natural de curiosidade.
Habitualmente somos muito preocupados com os resultados. Convém libertar-se de vez em quando dos
estudos, encontrar tempo para também ficar fascinado, encontrar o prazer de procurar, investigar e
pensar.
Ex:
Já pensaram sobre o que é calor, energia, velocidade de forma mais profunda? Já pensaram sobre a
diferença entre amizade e amor, os tipos de amor que há? Os gregos distinguiam mais que 10. Já
pensaram sobre se a universidade é o melhor sistema de ensino? Já pensaram sobre se ficamos mais ou
menos molhados se corremos quando está a chover? Já pensaram como é possivel que se pode ligar e
apagar uma lâmpada com 2 interruptores diferentes?
Para podermos ser criativos temos que aprender as técnicas primeiro. Como um pintor ou um fotógrafo,
só se pode ser criativo depois de dominar a técnica, o engenheiro tem que aprender racíocinar, e
aprender os instrumentos matemáticos. Nós precisamos de conhecimentos. Mas algures no curso vocês
vão ter que começar a ser criativos, vão ter que dar um passo para a frente e não apenas copiar o que
sabem. Vão ter que aprender a pensar vocês próprios.
Infelizmente, muitas pessoas não sabem como pensar, como iniciar este processo.
“O que é que faço para pensar sobre um problema novo, não chego ao lado nehum”
Isto é uma pergunta difícil cuja resposta também não encontrámos nos livros. Ainda não temos a
certeza mas parece-nos que o processo de pensamento necessita de um modo de atenção diferente.
Enquanto o despejar da memória e reproduzir um método mecanizado, requer uma intensa
concentração, a solução de algo novo requer uma atenção leve. Fazemos a pergunta, esquecemos a
pergunta, voltamos a considera-la, etc. Deixamos amadurecer, temos uma ideia que parece interessante,
mas afinal não serve.
Hadamard fala de um matemático que de repente viu uma solução de um problema sobre o qual já
estava a pensar durante meses, quando pisou o primeiro degrau entrando num autocarro. Outras pessoas
também descrevem que conseguem pensar bem quando estão a passear a pé ou viajar de comboio. O
kekule lembrou se da solução do benzeno supostamente num sonho, mas isto não sem ter pensado
muito sobre o problema.
Cada um vai ter que descobrir como funciona melhor neste aspecto.
Outra característica deste tipo de pensamento é que, ao contrário do despejar da memória, que é algo
que se faz com uma lógica, passo por passo, o inventar é por ideias e saltos de pensamento que temos.
É como se tivessemos que nos colocar a pergunta e depois ficar a observar a nossas ideias. Então, para
estudarmos activamente, paradoxalmente, necessitamos de uma atitude algo passivo
Temos que aprender a ouvir o algo, as ideias que podem formar-se por imagens, as pessoas ou situações
de que nos lembramos, as palavras ou outras metáforas.
As ideias podem ser vagas e sem conexão aparente ao problema que estamos a estudar. Às vezes temos
que descodificar estas intuições ou imagens. As vezes sentimos que estamos no caminho certo, outras
que algo não bate certo, sem poder explicar.
Temos de alguma forma treinar este tipo de atenção lateral, esta escuta interna, para ganhar confiança
que este método de facto funciona.
Muitas vezes as vossas interrogações aparentemente não têm nehuma utilidade e parecem estar a perder
tempo, mas isso não é verdade. Em primeiro lugar nós estamos a aprender a pensar, ou seja estamos a
aprender uma aptidão. Não é o conteúdo do que nós pensamos que é o iportante, mas o processo.
Obviamente, uma ideia maluca até pode afinal ter uma aplicação. Muito mais provavel é que a estrutura
da nossa solução maluca tenha aplicação noutro campo. O Feinman ficou fascinado pelo movimento de
abano de um prato de sopa no ar e só depois percebeu que tinha alguma coisa a ver com o problema em
que ele estava a trabalhar.
Mas ainda o mais importante é aprendermos pensar e que isto se torne um hábito, uma aptidão que
serve agora com os exames, para a nossa carreira e para resolver problemas na nossa vida em geral. O
meu conselho é: não percam esta oportunidade de descobrir e aprender a pensar.

Texto Elaborado por Hans Welling

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