Uma
decepção profunda tomou conta de mim, dias atrás, ao ver o presidente
do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, aparecer na tevê, como
qualquer estrela do show business, para receber o Prêmio Faz Diferença,
outorgado pelo jornal O Globo. Trata-se de condecoração muito
badalada, graças à forca de propaganda do maior grupo editorial do País,
e nem por isso se eleva acima de sua caraterística prosaicamente
mundana. Em princípio, nada contra esses tipos de manifestações
autocelebrativas aos quais, infelizmente, estamos quase completamente
habituados: o marketing e a publicidade tanto penetraram nossas
sociedades que são vividos pela maioria como aspectos fisiológicos da
existência. Nenhum purismo, então, ante atrizes e cantores, cineastas e
novelistas, donos de restaurantes e de produtos de beleza, que desfilam
em passarela num teatro carioca e se orgulham pela “honra” recebida,
porque é considerado normal, segundo a moral corrente, fazer uso de tais
instrumentos e ser usados.
Ao constatar, contudo, que certo appeal da mundanidade chegue até o chefe do Judiciário, uma das mais altas figuras institucionais do País, experimentei uma grave frustração. A meu ver, o presidente do Supremo, como símbolo personificado da Justiça, deveria manter o perfil público e privado mais equilibrado e sóbrio, de maneira ainda mais atenta que outras personalidades dos vértices do Estado. Ao contrário, também o presidente Joaquim Barbosa, ao receber o título de personalidade do ano, sentiu-se “honrado” como qualquer outro “famoso”. Estrela da festa, ele aceitou de bom grado o pacote completo oferecido pela Globo: melíflua apresentação de seus heroicos feitos no “histórico” julgamento do “mensalão”, entrevistas extemporâneas e banais, com direito a foto final de grupo ao lado de gente muito simpática, e ali o único fora do lugar era exatamente o presidente do Supremo. Em suma, o Sistema Globo fez o próprio trabalho: instrumentalizou a personagem, como melhor não poderia ter feito, para seus fins políticos e comerciais. Mas ele, o presidente do Supremo, se deu conta disso e aceitou a situação em plena consciência, ou foi simplesmente vítima da própria ingênua vaidade?
Confesso que o comportamento recente de Joaquim Barbosa na sociedade, inadequado sob certos aspectos, também cria em mim não poucos problemas de coerência pessoal: por ter sempre declarado meu respeito ao Supremo, já tive sérias divergências durante o processo do chamado “mensalão”. Respeito justificado inclusive pelo fato de que o Tribunal resulta integrado por 9 entre 11 juízes, nomeados por presidentes de muito prestígio internacional, como Lula e Dilma. E se uma sólida maioria destes, Barbosa à frente, chegou a condenar réus que militam na área política dos dois presidentes, causando inevitavelmente desagrado para ambos, esta foi para mim boa demonstração da validade das escolhas feitas. E da real independência do Poder Judiciário em relação ao Executivo, como há de ser em um regime democrático.
Sem entrar nas polêmicas que se deram à época do “mensalão”, quero sublinhar minha convicção que efetivamente ocorreu entre 2003 e 2005 um fenômeno grave de corrupção política – não mensal, mas seguramente continuativa –, no relacionamento entre Executivo e Legislativo, fora da ética republicana e das leis. Portanto, me perguntei, então, se seria fundamentada a acusação aos juízes do Supremo de serem vítimas de um irresistível condicionamento midiático. Não quero afirmar, em todo caso, que tal bombardeio não existiu: muito pelo contrário, a pressão da imprensa conservadora foi mórbida e irrespeitosa do trabalho do Judiciário.
As fanfarras da mis-en-scène carioca celebram Barbosa e eu fico perplexo por ele considerar significativo tal reconhecimento ostentado pelo O Globo, o jornal que se distinguiu como o mais aceso e parcial dos torcedores. Tal promiscuidade, com o agravo da inoportuna atração mundana, faz correr a Barbosa um grave risco, que não é só de estilo, mas, sobretudo, de respeitabilidade diante do País e da comunidade internacional.
Leia também os últimos artigos de Claudio Bernabucci:
Cadeia? Só para os pobres
Fronteiras: Marina lança sua rede
Ao constatar, contudo, que certo appeal da mundanidade chegue até o chefe do Judiciário, uma das mais altas figuras institucionais do País, experimentei uma grave frustração. A meu ver, o presidente do Supremo, como símbolo personificado da Justiça, deveria manter o perfil público e privado mais equilibrado e sóbrio, de maneira ainda mais atenta que outras personalidades dos vértices do Estado. Ao contrário, também o presidente Joaquim Barbosa, ao receber o título de personalidade do ano, sentiu-se “honrado” como qualquer outro “famoso”. Estrela da festa, ele aceitou de bom grado o pacote completo oferecido pela Globo: melíflua apresentação de seus heroicos feitos no “histórico” julgamento do “mensalão”, entrevistas extemporâneas e banais, com direito a foto final de grupo ao lado de gente muito simpática, e ali o único fora do lugar era exatamente o presidente do Supremo. Em suma, o Sistema Globo fez o próprio trabalho: instrumentalizou a personagem, como melhor não poderia ter feito, para seus fins políticos e comerciais. Mas ele, o presidente do Supremo, se deu conta disso e aceitou a situação em plena consciência, ou foi simplesmente vítima da própria ingênua vaidade?
Confesso que o comportamento recente de Joaquim Barbosa na sociedade, inadequado sob certos aspectos, também cria em mim não poucos problemas de coerência pessoal: por ter sempre declarado meu respeito ao Supremo, já tive sérias divergências durante o processo do chamado “mensalão”. Respeito justificado inclusive pelo fato de que o Tribunal resulta integrado por 9 entre 11 juízes, nomeados por presidentes de muito prestígio internacional, como Lula e Dilma. E se uma sólida maioria destes, Barbosa à frente, chegou a condenar réus que militam na área política dos dois presidentes, causando inevitavelmente desagrado para ambos, esta foi para mim boa demonstração da validade das escolhas feitas. E da real independência do Poder Judiciário em relação ao Executivo, como há de ser em um regime democrático.
Sem entrar nas polêmicas que se deram à época do “mensalão”, quero sublinhar minha convicção que efetivamente ocorreu entre 2003 e 2005 um fenômeno grave de corrupção política – não mensal, mas seguramente continuativa –, no relacionamento entre Executivo e Legislativo, fora da ética republicana e das leis. Portanto, me perguntei, então, se seria fundamentada a acusação aos juízes do Supremo de serem vítimas de um irresistível condicionamento midiático. Não quero afirmar, em todo caso, que tal bombardeio não existiu: muito pelo contrário, a pressão da imprensa conservadora foi mórbida e irrespeitosa do trabalho do Judiciário.
As fanfarras da mis-en-scène carioca celebram Barbosa e eu fico perplexo por ele considerar significativo tal reconhecimento ostentado pelo O Globo, o jornal que se distinguiu como o mais aceso e parcial dos torcedores. Tal promiscuidade, com o agravo da inoportuna atração mundana, faz correr a Barbosa um grave risco, que não é só de estilo, mas, sobretudo, de respeitabilidade diante do País e da comunidade internacional.
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