4.11.2013

Juiz do AM Reconhece a união estável simultânea de um homem com duas mulheres

A decisão é incomum na Comarca de Manaus e abre possibilidade para que outras famílias em situações semelhantes possam pedir esse direito na Justiça. Dessa decisão ainda cabe recurso.
A união estável simultânea de um homem com duas mulheres, após a morte dele, foi reconhecida esta semana pelo juiz de Direito da 4ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Manaus, Luís Cláudio Cabral Chaves. O processo é de 2008, iniciado quase dois anos depois do envolvido nos relacionamentos ter falecido.
Trata-se de uma decisão incomum nas Varas de Família devido à predominância do entendimento na Justiça de aplicar as mesmas regras do casamento às uniões estáveis. As duas mulheres, após a morte do companheiro, ficaram impedidas de receber os direitos previdenciários e de resolver questões patrimoniais. A partir de agora, uma vez a sentença transitada em julgado, as duas poderão requerer esse direito. A decisão também abre possibilidade para que outras famílias em situações semelhantes possam pedir esse direito na Justiça. Mas ainda cabe recurso da sentença.
De acordo com o magistrado, a ideia tradicional de família, para o Direito brasileiro, era aquela que se constituía pelos pais e filhos unidos por um casamento, regulado pelo Estado. "A Constituição Federal de 1988 ampliou esse conceito, reconhecendo como entidade familiar a união estável entre homem e mulher. O Direito passou a proteger todas as formas de família, não apenas aquelas constituídas pelo casamento, o que significou uma grande evolução na ordem jurídica brasileira, impulsionada pela própria realidade", explicou.
Ele disse ainda que a mesma realidade impõe hoje discussão a respeito das famílias simultâneas. "Deixar de reconhecê-las não fará com que deixem de existir. Não se pode permitir que em nome da moral se ignore a ética, assim como que dogmas culturais e religiosos ocupem o lugar da Justiça até porque o Estado brasileiro é laico, segundo a Constituição Federal", acrescentou.
Mesmo com parecer contrário do Ministério Público, que alegou a ausência de comprovação da existência dos requisitos para a configuração da união estável, com base nos artigos 1.723 e 1.724, do Código Civil Brasileiro (CCB), o juiz declarou "a existência de uniões estáveis paralelas", uma solicitada pela requerente, por ter vivido com o companheiro por 15 anos até sua morte, em 2006, e a segunda para outra mulher, que conviveu com o homem desde 1980 até a data do óbito.
Durante as audiências com o testemunho das duas mulheres e dos interessados (filhos do falecido), além de depoimentos de vizinhos, colegas de trabalho e conhecidos dos envolvidos no caso, ficou claro ao magistrado que as duas conviventes não tinham conhecimento da existência uma da outra e nem dos filhos gerados nesses relacionamentos.
O homem, que já tinha sido casado, teve filhos com a esposa e, após separar-se, teria ido morar com uma das conviventes, com quem teve um casal de filhos; Enquanto estava vivendo com esta última, teve mais dois filhos com a outra mulher (requerente).
Jurisprudência
Segundo o magistrado, a jurisprudência nos Tribunais, quando analisa-se união estável paralela, é variada e, de modo geral, "grande parte nega proteção com base no Direito de Família, no princípio da monogamia, ou com base na mera diferenciação entre concubinato e união estável, gerada pela simples presença de um impedimento matrimonial".
Mas há interpretações diferentes, como a apresentada pela desembargadora aposentada gaúcha Maria Berenice Dias, em sua obra Manual de Direitos das Famílias, citada pelo juiz em sua sentença: "Cabe questionar o que fazer diante de vínculo de convivência constituído independente da proibição legal, e que persistiu por muitos anos, de forma pública, contínua e duradoura e, muitas vezes, com filhos. Negar-lhe existência, sob o fundamento da ausência de objetivo de constituir família em face do impedimento, é atitude meramente punitiva a quem mantém relacionamentos afastados do referendo estatal".
Em trecho da decisão, o juiz afirma "não ser razoável no presente caso de simultaneidade familiar deixar de proteger a autora, gerando-lhe injustiça, corroborando situações por vezes vexatórias a ela, pois em não sendo reconhecida a união estável pleiteada, estaria este Juízo ignorando a situação fática já consolidada no tempo".

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