Regina Navarro Lins
Comentando o “Se eu fosse você''
A questão da semana é o caso da internauta de 27 anos, que não aguenta mais ouvir sua mãe lhe dizer que precisa casar e ter filhos logo! Ela já explicou para a mãe que a prioridade são seus estudos, mas a mãe ignora seus argumentos e a cobrança é constante.
A ideia de que o objetivo da mulher deve ser se casar e ter filhos é bem antiga. Durante um longo período as mulheres solteiras foram enviadas para conventos. A outra opção seria trabalhar como prostituta nos bordéis. Não ter marido ao lado significava não ter valor algum.
Essa mentalidade perdurou até algumas décadas atrás; quem não casasse tinha uma vida infeliz. As mulheres “solteironas” viviam reclusas ou eram mal faladas. Ficavam então ansiosas com o passar do tempo, já que no caso delas a situação era mais difícil. Havia a incapacidade de se sustentarem sozinhas, além do peso de transgredir a “lei da natureza”, a realização na maternidade.
Nos anos do pós-guerra, as mulheres se esforçam para encontrar um marido. Há a crença que sem o casamento e a maternidade a mulher não se realiza. Não formar um par era associado a não ter uma família, até então único meio de não se viver na mais profunda solidão.
A pílula anticoncepcional é a principal responsável pela mudança radical de comportamento amoroso e sexual observado a partir dos anos 60. Surge então uma questão: desejar ser mãe é da natureza da mulher ou um modelo que assimilamos?
Apesar de ser difícil escapar dos modelos impostos, as últimas pesquisas mostram que aumenta cada vez mais o número de mulheres que não desejam ter filhos. Na última década o número das que chegaram aos 50 anos sem filhos, no Brasil, aumentou 20%.
E a tendência é que esse percentual continue aumentando. E não é só aqui. Na Alemanha, por exemplo, 1/3 das mulheres com nível universitário passa dos 40 anos sem filhos.
E uma pesquisa do instituto Census Bureau, realizada nos EUA, revela que quase metade das mulheres americanas entre 15 e 44 anos não tem filhos. Segundo a pesquisa, o índice subiu de 46,5% em 2012, para 47,6% neste ano e é um recorde histórico.
Os números são ainda mais expressivos ao se observar que apenas a faixa entre 25 e 29 anos, 49,6% das mulheres não são mães. Entre aquelas que têm 30 e 34 anos, o percentual oscilou de 28,2% em 2012 para 28,9% em 2014.
A rejeição aos modelos tradicionais de comportamento permite que se percebam com mais clareza os próprios desejos. Ter ou não filhos, assim como casar ou não, passam a ser opções individuais, longe da cobrança de corresponder às expectativas criadas para a mulher.
Para não ficar “pra titia”
Independentemente da época e do lugar, até onde pude pesquisar, sempre foi mal visto ficar solteira depois de uma certa idade. Esse limite, pasmem, já foi 15,16 anos. Ao longo do tempo, os hábitos e costumes relacionados ao casamento foram mudando e todos têm ou conhecem aquela velha tia solteirona, sempre vista como a que fracassou, a que ninguém quis, a que sobrou. Geralmente dedicada aos sobrinhos, parece não ter vida própria. Não ter casado a condena a uma vida esvaziada de propósitos e alegrias. Em outras palavras, o homem, a grande salvação, traria a felicidade e a razão de sua existência e felicidade pessoal. Às não escolhidas cabia apenas assumir uma posição de resignação e lamento frente ao fato.
Os tempos mudaram e muito. A independência financeira jogou o casamento para bem mais tarde. A liberdade sexual favoreceu a ausência de pressa, já que o sexo não precisa mais do cumprimento dessa formalidade. A independência emocional e financeira da mulher de hoje não tem sequer comparativo com a das mulheres de algumas décadas atrás. Mas o que parece inalterado é o sentimento de fracasso quando se chega aos 30 anos e se está solteira, sem nenhuma perspectiva à vista. Nesse momento, o sofrimento vence a barreira do tempo e tenho visto com freqüência lindas jovens sofrendo como suas "fracassadas "antecessoras.
É sempre hora de fazermos revisões sobre como estamos pensando, percebendo e reagindo à vida
A despeito de toda a modernidade, já virou clichê julgar que uma mulher perto dos trinta (para mais ou para menos) está louca para se casar e firmar compromisso. Alguns homens confessam que temem relacionamentos com mulheres nessa faixa de idade, onde comumente se sentem pressionados e cobrados de uma forma exagerada. Para complicar ainda mais, temos o famoso relógio biológico gritando a passagem do tempo ideal da fertilidade. Existe uma tendência em idealizar a vida de todas as amigas que estão casadas ou namorando firme, como se elas fossem necessariamente felizes. Muitas vezes, quando questionam a qualidade de vida que estão tendo, percebem que estão vivendo plena e divertidamente, mas o medo de que nunca venham a se casar nubla completamente a possibilidade de entrega e curtição desse momento.
Frequentemente, sempre que nos deparamos com situações repetitivas indesejáveis, colocamos a culpa em algo ou alguém e investimos muito tempo buscando as causas na direção errada. Sina, destino, azar, praga, entre outros, costumam camuflar durante muito e precioso tempo, as verdadeiras razões para nossas dificuldades. Felizmente, em algum momento, podemos perceber que não somos necessariamente vítimas do que nos acontece, ou de como nossa vida está se desenrolando. Aí começamos a nos aproximar das verdadeiras possibilidades de solução. Se não sou vítima do que me acontece, isso significa que tenho alguma responsabilidade sobre isso. Logo, posso então tentar transformar e redirecionar o rumo das coisas. Tal percepção e conscientização podem proporcionar pequenas mudanças que certamente levarão a grandes transformações e, às vezes, até à reversão de tendências até agora presentes.
É sempre hora de fazermos revisões sobre como estamos pensando, percebendo e reagindo à vida. O sofrimento advém de conceitos e crenças que muitas vezes já nem fazem mais sentido para nós. A mudança de atitude gera sempre uma grande melhoria e um encontro com pedaços adormecidos e acomodados que podem ser acordados, ganhando vida. No fundo o que todos queremos é nos sentirmos vivos e felizes e, tenham certeza, isto não está necessariamente relacionado a estarmos sozinhos ou acompanhados, vivendo relações estáveis ou fugazes, solteiros ou casados.
Eda Fagundes é psicóloga clínica com longa experiência nos tratamentos de casal, família e transtornos da sexualidade.
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