Projeto do governo prevê alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente, que faz 20 anos
Catarina Alencastro
O governo envia hoje ao Congresso projeto de lei que pretende acabar com as punições físicas de pais e educadores contra crianças e adolescentes. O texto faz algumas alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente, que completa 20 anos.
A lei já aborda a questão dos maus-tratos, mas de forma genérica, sem explicar o que pode ser definido como tal. Para a Secretaria de Direitos Humanos, que participou da elaboração do projeto, é preciso mudar a cultura de que palmadas e beliscões fazem parte da educação infantil.
— No Brasil, há o costume de bater em crianças, como há o costume de bater em mulheres — observou o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos.
Para ele, violência na infância gera adultos agressivos:
— Se uma pessoa é espancada ao ser educada sob pancada por alguém que geralmente é a pessoa mais amada por ela, essa criança acaba formando desde muito cedo a consciência de que é natural bater e de que bater e apanhar é do dia a dia. E com essa noção, o Brasil começa a entrar na rotina da violência.
O governo afirma que a intenção de tipificar na lei a proibição de castigos físicos não é criminalizar os pais, e sim evitar que tragédias como o caso Isabella Nardoni continuem acontecendo. Caso a lei seja aprovada, quem a infringir poderá receber penalidades como advertências, encaminhamentos a programas de proteção à família e orientação psicológica.
Se for aprovado pelo Congresso, até palmadas ou beliscões - mesmo com intenção de educar - podem ser motivo de sanções previstas no Estatuto da Criança e Adolescente (o ECA, que completa 20 anos), desde advertência à perda de guarda. Mas especialistas dizem que os adultos não terão de ficar de mãos atadas. O objetivo da medida é discutir o tema e propor uma mudança no comportamento, sem criminalizar os pais.
Mesmo assim pais estão preocupados. Numa pesquisa com leitores no site do Globo, 1.800 deram a sua opinião e apenas 16,3% concordam com o projeto; 6,97% acham que é uma violência bater, 4,77%, que é preciso conversar e ter paciência com as crianças, e 4,56% dizem que a criança não tem como se defender. Porém 44,15% afirmam que as palmadas ou castigo físico é uma forma de impor limites e 33,34% que os pais devem ter liberdade na educação. Para 4,56%, a palmada fez parte da educação deles e, por isso, são contra a lei. Marcia Oliveira, coordenadora do projeto "Campanha Permanente Não Bata, Eduque", diz que é preciso mudar esse pensamento:
" Fomos educados até hoje assim e achamos que não há outra maneira de disciplinar e ensinar. Esse comportamento agressivo só nos afasta das crianças "
- A lei não é para prender, nem o texto prevê isso. Queremos estimular a reflexão sobre o assunto.
Marcia e outros especialistas afirmam que mesmo um tapinha eventual é uma mensagem equivocada à criança, e não educa, porque tudo que causa dor é ruim.
- Fomos educados até hoje assim e achamos que não há outra maneira de disciplinar e ensinar. Esse comportamento agressivo só nos afasta das crianças - diz.
Ela admite que não é fácil e tem horas em que perdemos a paciência, como, por exemplo, quando a mãe está atrasada para o trabalho de manhã, ainda tem que deixar os filhos na escola e eles estão enrolando para sair da cama, tomar banho. Mas dá para segurar a raiva:
- É melhor dialogar e negociar com as crianças e adolescentes, estabelecendo sanções viáveis. Há pais que prometem proibir acesso à internet ou à TV por dois meses. Até eles sabem que não dá para cumprir isso.
Mesmo assim pais estão preocupados. Numa pesquisa com leitores no site do Globo, 1.800 deram a sua opinião e apenas 16,3% concordam com o projeto; 6,97% acham que é uma violência bater, 4,77%, que é preciso conversar e ter paciência com as crianças, e 4,56% dizem que a criança não tem como se defender. Porém 44,15% afirmam que as palmadas ou castigo físico é uma forma de impor limites e 33,34% que os pais devem ter liberdade na educação. Para 4,56%, a palmada fez parte da educação deles e, por isso, são contra a lei. Marcia Oliveira, coordenadora do projeto "Campanha Permanente Não Bata, Eduque", diz que é preciso mudar esse pensamento:
" Fomos educados até hoje assim e achamos que não há outra maneira de disciplinar e ensinar. Esse comportamento agressivo só nos afasta das crianças "
- A lei não é para prender, nem o texto prevê isso. Queremos estimular a reflexão sobre o assunto.
Marcia e outros especialistas afirmam que mesmo um tapinha eventual é uma mensagem equivocada à criança, e não educa, porque tudo que causa dor é ruim.
- Fomos educados até hoje assim e achamos que não há outra maneira de disciplinar e ensinar. Esse comportamento agressivo só nos afasta das crianças - diz.
Ela admite que não é fácil e tem horas em que perdemos a paciência, como, por exemplo, quando a mãe está atrasada para o trabalho de manhã, ainda tem que deixar os filhos na escola e eles estão enrolando para sair da cama, tomar banho. Mas dá para segurar a raiva:
- É melhor dialogar e negociar com as crianças e adolescentes, estabelecendo sanções viáveis. Há pais que prometem proibir acesso à internet ou à TV por dois meses. Até eles sabem que não dá para cumprir isso.
É preciso ter coerência nas ações e não abrir mão delas. Vítimas tornam-se pessoas agressivas
O psicólogo e terapeuta Carlos Zuma, do Instituto Noos - que faz parte da rede "Não bata, eduque" - concorda. Ele ouve queixas de juízes dizendo que não têm parâmetros legais para julgar casos de castigos em crianças, só jurisprudência. Agora, poderão ter.
- Eles ficam na dúvida se os pais castigaram na intenção de educar ou foi uma agressão gratuita. Hoje é subjetivo. Aqueles que reclamam que a nova lei é ingerência na educação dos filhos devem repensar isso. No caso Isabela Nardoni, por exemplo, vizinhos escutaram agressões à menina e não avisaram à polícia, talvez porque pensaram que não deveriam se meter. É momento de reflexão. Será que bater ou um tapinha é a coisa certa? Estamos ensinando a criança a responder a uma contrariedade com uma agressão - afirma.
Uma saída, ensina Zuma, é mostrar as crianças que os seus atos têm consequências, que elas não podem tudo. Quando os pais não conseguem isso sem agredir, devem buscar ajuda, conversando com pessoas experientes ou psicólogos:
- Se você tem pavor que batam em seus filhos, então por que agir da mesma maneira? Se não posso bater num adulto, por que agredir a criança, o adolescente? A lei Maria da Penha levou a sociedade a não tolerar a violência contra a mulher e buscamos isso para as crianças e os adolescentes - diz.
Para o psicanalista Paulo Quinet, diretor de divulgação da Federação Brasileira de Psicanálise, ninguém deve aceitar maus tratos à criança e o castigo físico mostra que é preciso usar a força física para resolver algo. Porém ele não critica um pai ou uma mãe que eventualmente dê uma palmadinha num filho:
- Com a nova lei, até segurar uma criança mais firme para coibir algo pode parecer uma agressão. É preciso bom senso - diz.
O problema é associar disciplina e educar com bater, diz Rachel Niskier Sanchez, diretora da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e médica do Instituto Fernandes Filgueiras (IFF), no Rio. Hoje 25 países têm legislação coibindo essa prática. Na América do Sul, só Uruguai e Venezuela adotaram lei semelhante:
- Não se trata de culpar a família. Educar requer muita paciência e diálogo, não atos violentos. Se a criança apanha de uma pessoa que diz que lhe ama e vice-versa, entende que pode bater em quem ela gosta. Tenho relatos de crianças que dizem que apanham porque merecem.
Qual é o código que os pais querem passar aos filhos?
O psicólogo e terapeuta Carlos Zuma, do Instituto Noos - que faz parte da rede "Não bata, eduque" - concorda. Ele ouve queixas de juízes dizendo que não têm parâmetros legais para julgar casos de castigos em crianças, só jurisprudência. Agora, poderão ter.
- Eles ficam na dúvida se os pais castigaram na intenção de educar ou foi uma agressão gratuita. Hoje é subjetivo. Aqueles que reclamam que a nova lei é ingerência na educação dos filhos devem repensar isso. No caso Isabela Nardoni, por exemplo, vizinhos escutaram agressões à menina e não avisaram à polícia, talvez porque pensaram que não deveriam se meter. É momento de reflexão. Será que bater ou um tapinha é a coisa certa? Estamos ensinando a criança a responder a uma contrariedade com uma agressão - afirma.
Uma saída, ensina Zuma, é mostrar as crianças que os seus atos têm consequências, que elas não podem tudo. Quando os pais não conseguem isso sem agredir, devem buscar ajuda, conversando com pessoas experientes ou psicólogos:
- Se você tem pavor que batam em seus filhos, então por que agir da mesma maneira? Se não posso bater num adulto, por que agredir a criança, o adolescente? A lei Maria da Penha levou a sociedade a não tolerar a violência contra a mulher e buscamos isso para as crianças e os adolescentes - diz.
Para o psicanalista Paulo Quinet, diretor de divulgação da Federação Brasileira de Psicanálise, ninguém deve aceitar maus tratos à criança e o castigo físico mostra que é preciso usar a força física para resolver algo. Porém ele não critica um pai ou uma mãe que eventualmente dê uma palmadinha num filho:
- Com a nova lei, até segurar uma criança mais firme para coibir algo pode parecer uma agressão. É preciso bom senso - diz.
O problema é associar disciplina e educar com bater, diz Rachel Niskier Sanchez, diretora da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e médica do Instituto Fernandes Filgueiras (IFF), no Rio. Hoje 25 países têm legislação coibindo essa prática. Na América do Sul, só Uruguai e Venezuela adotaram lei semelhante:
- Não se trata de culpar a família. Educar requer muita paciência e diálogo, não atos violentos. Se a criança apanha de uma pessoa que diz que lhe ama e vice-versa, entende que pode bater em quem ela gosta. Tenho relatos de crianças que dizem que apanham porque merecem.
Qual é o código que os pais querem passar aos filhos?
O Globo
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